Reportagem conta a histórias de duas mulheres que vivem em Irati
Pessoas transexuais costumam enfrentar diversas formas de discriminação e preconceito. Em Irati, cidade do interior do Paraná, ao menos duas delas dizem ter encontrado desafios menos expressivos com o passar do tempo. É o que mostra esta reportagem.
Kauany Chaves, 40 anos, é nascida e criada em Irati. Desde muito nova já havia se reconhecido como transexual. Foi expulsa de casa pelo pai aos 14 anos. Enfrentou muito preconceito ao longo da vida. Hoje é casada, se tornou empresária e mãe de uma criança de três anos que adotou há cinco meses.
No ambiente familiar teve os primeiros contatos com a transfobia. Quando saiu de casa, sofreu violência sexual muitas vezes. Kauany não conseguiu ingressar no mercado de trabalho. Então começou a se prostituir. Foi proibida de entrar em determinados estabelecimentos e em alguns momentos teve que correr para não ser agredida. Com 17 anos, levou uma facada. Teve que passar por uma cirurgia e ficou hospitalizada. “Só ficaram as marcas no meu corpo e no meu coração”, diz.
Atualmente, Kauany é dona de uma casa noturna. Ela aponta que há 25 anos, em Irati, havia muita intolerância e perseguição, que as pessoas trans sofriam muito. “Eu só fui para a prostituição porque não davam serviço nem se fosse estudada. Mas hoje em dia tudo mudou e que bom que não é mais assim. Agora tem leis, que antes não tinha, que nos protegem de alguma forma”.
Embora tenha passado por muita dificuldade, Kauany diz que é realizada.
Foto: Arquivo pessoal
Transição
Maya Leite, 19 anos, nasceu na Bahia. Mudou-se para Irati em 2016. Segundo ela, onde nasceu não era um lugar muito receptivo com pessoas LGBTs e, por isso, não costumava se expor. A jovem sempre se considerou diferente. Por muito tempo, se identificou como homem gay. Mas aos poucos começou a entender sobre transexualidade e com isso veio o reconhecimento. “Eu não queria ter nascido num corpo de menino. Queria ser uma menina, só não sabia que isso significava ser trans. Tive medo e não contei para ninguém. Por muito tempo quis voltar a ser ‘normal’, mas não tem como a gente fugir do que a gente é”, diz.
Quando se entendeu como transexual, passou por um período difícil em que nunca estava satisfeita consigo mesma. Ela conta que não pensava em revelar quem era porque não queria passar por agressões e discriminação. “Sem contar que às vezes ser trans remete a uma pessoa marginalizada, que rouba, que assalta, que se prostitui. Infelizmente essa é a visão que a sociedade passa de nós. Não queria me aceitar porque para mim esse seria o meu futuro”, explica.
Neste ano, Maya resolveu fazer a transição. Já que não suportava mais esconder a si mesma. “Eu me olhei no espelho e pensei ‘você vai mesmo passar o resto da sua vida em um corpo que não é seu?’ Então eu decidi me libertar”.
Maya contou que todos com quem convive a apoiaram. Ela diz que, em Irati, nunca sofreu violência física, nem mesmo quando se identificava como homem gay. O que enfrenta são risadas e deboche. “Em questão de transfobia, não sofri [violência] de maneira escancarada, a ponto de alguém me falar algo. Porém, tem olhadas e risadinhas sempre. Mas eu penso que isso é uma coisa que vai acontecer, não interessa quantas cirurgias sejam feitas, ou hormônios sejam tomados”, ressalta.
Durante o período de pandemia, a jovem ingressou no curso de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia na UTFPR. No espaço da faculdade, ainda que virtualmente, também não sofreu discriminação. Maya aponta que todos sabem que ela é trans, e mesmo mantendo o nome de registro, por conta da burocracia na mudança para o nome social, todos a respeitam. As salas dos cursos de engenharias costumam ser ocupadas majoritariamente por homens, mas segundo a estudante “por incrível que pareça, o curso tem mais mulheres do que homens”.
Além de estudante, Maya também é produtora de conteúdo para redes sociais. Nesse espaço de trabalho também não sofre preconceitos. Ela relata que ninguém nunca fez comentários transfóbicos em seus posts, mas quando se posiciona em alguma publicação que discute algo sobre transexualidade, aí sim recebe preconceito.
Alguns amigos e a família de Maya têm dificuldades de chamá-la pelo nome social e ainda usam os pronomes ele/dele. A estudante considera que fazem isso sem má intenção. “Não é tão rápido para se acostumarem, mas eles estão tentando e está sendo muito legal. Eu sempre encorajo a me chamarem de Maya, com os pronomes ela/dela”.
Ficha Técnica
Reportagem: Ana Moraes
Edição e Revisão: Yasmin Orlowski
Publicação: Yasmin Orlowski
Supervisão: Jeferson Bertolini, Marcos Zibordi, Maurício Liesen