98% dos casos contra crianças e adolescentes são praticados por familiares
“Tomei a decisão de contar tudo o que eu sofri na infância apenas no começo desse ano quando o meu abusador faleceu. Agora eu tenho paz, porém sinto que contei tarde demais. O meu silêncio não me protegeu durante muito tempo, na verdade só protegia o meu abusador”.
Este é o relato de Laura, nome fictício, que com 10 anos sofreu assédio e abuso sexual pelo seu avô materno. Hoje, aos 22 anos, ela ainda carrega alguns traumas todas as vezes que vai à casa do familiar onde era abusada. Para Laura, falar sobre o assunto nunca foi fácil, e por ser uma criança, faltava coragem para contar aos pais. A fala dela ilustra a necessidade de discutir a violência contra crianças e adolescentes, especialmente neste mês, chamado Maio Laranja, dedicado ao combate do abuso sexual.
Uma outra vítima que também preferiu não ser identificada, sofreu aos oito anos abuso por parte de um primo de segundo grau. “Comecei a me afastar e não queria mais estar reunida com a família, pois sentia que ele tocava demais. Como eu era criança, a reação que tive foi parar de brincar. Ainda hoje, consigo lembrar dos olhares estranhos que ele me dava”.
A situação dessas vítimas não são casos isolados, pois a maioria dos abusos que ocorrem com menores são cometidos por parentes e pessoas próximas da família. “Quase todos os relatos de violência sexual que chegam até nós são praticados por pessoas que as crianças conhecem e que apresentam uma relação de persuasão, podendo intimidá-las, como pai, avô, padastro, irmão, entre outros”, relata a delegada do Núcleo de Proteção Contra Crianças e Adolescentes (Nucria) de Ponta Grossa, Ana Paula Cunha Carvalho.
Atendimento na VII Semana de Enfrentamento às Violências contra Crianças e Adolescentes. Foto: Maria Eduarda Ribeiro
De janeiro até maio deste ano, o Nucria registrou 103 inquéritos envolvendo crianças, sendo um de estupro e 34 de estupro de vulneráveis, que é quando ocorre violência sexual com menores de 14 anos. Esse dado indica possibilidade de aumento, pois representa metade das 205 denúncias de 2021, um mês antes do meio do ano. Os registros chegam até o Núcleo por meio das escolas e hospitais, ao observarem marcas no corpo das crianças. Essas instituições fazem a denúncia pelas famílias e até mesmo pelas próprias vítimas.
Perfil
Segundo a delegada, não há um perfil das crianças, uma vez que ela abrange todas as idades e classes sociais. “A violência contra menores é sempre mais fácil de ser praticada. Hoje, posso dizer que a faixa etária que predomina os atendimentos é de quatro a 12 anos”, ressalta.
Para além do abuso e da violência sexual, as crianças também são vítimas de violência física, psicológica e negligência. Segundo os dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), no Paraná, desde o início de 2022, houve mais de 1.780 denúncias de violências contra a criança e o adolescente.
Em Ponta Grossa, 99% dos casos que a Vara da Infância e da Juventude (VIJ) atendeu estiveram voltados à negligência. Até o dia da produção desta matéria, houve aproximadamente 60 crianças sendo atendidas pela Vara, desde recém-nascidos com apenas um mês de vida até adolescentes de 17 anos.
Quando acionada, a VIJ atua na proteção e acolhimento em lares temporários, processos de guardas e para garantir saúde, educação, alimentação e atendimento público. A assistente social da Vara, Karla Beatriz Maia, explica que todos os dias menores são acolhidos. “Nós recebemos, fazemos acompanhamento para promover o bem-estar e saúde da criança e do adolescente e em alguns dias até desacolhemos quando sai a liberação da guarda”, pontua.
Movimentações
No município, são poucas as ações feitas para a conscientização da população sobre a violência e abuso infantil. De acordo com Thaize Carolina Rodrigues de Oliveira, coordenadora da Comissão Municipal Intersetorial de Enfrentamento às Violências Contra Crianças e Adolescentes (Ceves), além do mês de maio, apenas no carnaval há maior engajamento nessas movimentações. “Ponta Grossa ainda precisa dar mais visibilidade às ações assim durante o ano inteiro”, destaca.
Para ela, movimentos que pautem a violência infantil são importantes para promover a discussão. “Precisamos falar sempre para que as pessoas saibam que têm violências e saibam para quem recorrer. Se a sociedade não estiver articulada, a criança acaba ficando desprotejida”, pontua.
Canais de denúncias em Ponta Grossa
As denúncias podem ser feitas diretamente no Nucria, que é o melhor canal de investigação, mas também há outros canais, como o 181 e o Disque 100, que realizam denúncias anônimas.
Ficha técnica:
Repórteres: Ana Luiza Bertelli Dimbarre e Maria Eduarda Ribeiro
Edição e publicação: Janaina Cassol
Supervisão de produção: Muriel E. P. Amaral
Supervisão de publicação: Marcos Zibordi e Maurício Liesen