Foto: Erica Fernanda
Com que idade você se identificou transexual?
Costumo dizer que a gente sabe desde sempre, mas que eu comecei a minha transição foi aos 17 anos. Desde os 15 eu já tinha pretensão de estar limpando meu guarda roupa e meu corpo, adequando ao que eu sou.
Como foi o tratamento da sua família? Sofreu alguma rejeição?
Não vou dizer rejeição. Meu pai nunca virou as costas para mim, ele me ajuda até hoje. Mas eu sempre falo que eu não tenho aceitação dele, tenho o respeito. Hoje, para ele, ainda é um pouco complicado, mas antigamente foi mais.
Você alterou seus documentos?
Está em processo. Agora em setembro eu tenho uma audiência com o juiz para saber se sim ou não. Várias amigas já recorreram e conseguiram.
Quando entrou para a UEPG, foi difícil por conta do nome?
Quando eu entrei, em 2015, na universidade, eu estava no começo da transição. Então, fiz o vestibular não com o nome social. Logo que entrei dei vazão para o nome social e recorri para a mudança. Então, nunca tive esse problema das pessoas descobrirem.
Eu sofria muito preconceito velado, as pessoas nem sabiam que estavam cometendo. No caso, não era aquela coisa direta. Às vezes faziam perguntas que não se faz, do tipo “como eu posso te tratar?”. Eu sou uma pessoa como qualquer outra. O fato de eu ser trans não muda em nada, até porque eu entrei como Jennifer e não como trans. Quanto aos meus colegas, eu sempre fui bem aceita. No primeiro ano, por vezes os professores erraram me chamando de ele, mas, com o tempo, acostumaram.
Você faz estágio de docência. Como é a recepção dos estudantes?
Faço estágio no Colégio Estadual Professora Linda Salamuni Bacila no Parque Nossa Senhora das Graças, com estudantes de 12 e 13 anos, das turmas de sétima série. No começo eles estranham. Até não sabem, mas comentami. Hoje eu me considero “passável”, no sentido de que poucos percebem que sou transexual. No início eles davam risada porque eu era a “professora da voz grossa”, e eles viam como estranho. Mas nunca me indagaram. Ano passado eu dei aula para o ensino médio. Eles olhavam, davam risadas, comentavam “é ou não é?”, mas nunca um preconceito escancarado na minha cara.
Esse ano foi criado um projeto de lei, pelo deputado federal de Fortaleza, Marcio Martins (PMN), que se refere à reserva de 2% de vagas para concursos para travestis e transexuais. Você acha que seria importante essa cota na universidade?
Cotas são sempre bem-vindas, mas acredito que não mudam para as pessoas entrarem. A maioria que hoje ingressa na faculdade tem ajuda dos pais. A gente sabe que, como estudante, é difícil seguir uma profissão sem trabalho, mas a maioria das pessoas trans, ou trabalham para sobreviver ou estudam, porque o mercado de trabalho é fechado.
Muitas meninas trans falaram para mim que não entraram na universidade por medo da exposição do nome que não pertence ao físico. Algumas delas não sabiam sobre o nome social ou sabiam que esse recurso não funciona dentro das universidades. Eu já fui da Assembleia Nacional dos Estudantes Livres (ANEL) e existe muito debate sobre isso. Já conversei com pessoas de outras universidades do Brasil e, pelo que contam, a UEPG é um dos lugares onde o nome social funciona. Aqui você tem o nome social na chamada, os professores não sabem de nada, você consegue ser bem tratada, e mesmo assim, os documentos externos da universidade todos são com o nome civil. A carteirinha que estão fazendo agora faz parte dos documentos internos, antes tinha o seu nome civil nela. Um problema ainda são as listagens que mesmo vinculadas à UEPG, como da PROEX, ainda não usam o nome social e nos deixa expostas.