Foto: Saori Honorato/ Apesar de o presidente eleito descartar fusão de ministérios, especialistas temem que teor liberal de propostas de Bolsonaro prejudiquem meio ambiente e agricultura.

Propostas de governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) gera polêmica antes mesmo da oficialização da candidatura em meados deste ano. Na semana em que o Brasil retirou a candidatura para sediar o COP-25 (Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas), o Portal Periódico ouviu especialistas para identificar quais os impactos de uma política de caráter liberal para as áreas de atuação do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Ministério do Meio Ambiente.

 

Embora a decisão tenha sido comunicada pelo Itamaraty, Jair Bolsonaro confirmou ter participado da decisão de o Brasil não sediar a Conferência das Partes da Convenção do Clima. O evento promovido, anualmente, pela Organização das Nações Unidas (ONU) visa promover a implementação do Acordo de Paris , cujo foco é a diminuição dos gases do efeito estufa.

 

O site Empresa Brasileira de Comunicação trouxe declaração do presidente diante do questionado da decisão: “Todos nós queremos preservar o meio ambiente, mas não dessa forma que está aí. Hoje, a economia, quase está dando certo apenas na questão do agronegócio e eles estão sufocados por questões ambientais, que não colaboram em nada para o desenvolvimento e a preservação do meio ambiente. Isso é um contraponto, mas uma verdade, por isso a demora na escolha do ministro do Meio Ambiente".

 

As polêmicas geradas pelas críticas do presidente eleito à atual política ambiental, bem como pela sinalização de uma mudança de rumo para o setor a partir de 2019, tiveram início antes do período eleitoral.

Em março deste ano, antes mesmo de ter sua candidatura registrada, O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) comentou, através de vídeo publicado no próprio canal do YouTube, a proposta de fusão dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Na ocasião, Bolsonaro chegou a afirmar “a agricultura está levando o Brasil nas costas” e ser “um absurdo a questão da multagens”, alegando que, sobretudo, nas regiões Sul, Centro-Oeste e Norte, “querem matar o homem do campo”.

 

O político já destacava, enfaticamente, que a fusão dos ministérios seria um caminho para solucionar os problemas que o “pessoal do campo” estaria tendo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). Na ocasião, a fusão foi indicada como uma forma de “acabar a brincadeira dessa briga entre ministérios”.Durante a campanha para o cargo de presidente da república no processo eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro, estando à frente da coligação “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, voltou a defender a junção dos ministérios.O programa de governo chega a afirmar “o país funcionará melhor com menos ministérios”.

 

E face à constatação da ineficiência do número elevado de ministérios, o documento sustenta: “O quadro atual deve ser visto como o resultado da forma perniciosa e corrupta de se fazer política nas últimas décadas, caracterizada pelo loteamento do Estado, o popular “toma lá-dá-cá”.

Programa de governo de Jair Bolsonaro propõe redução de Ministérios 

Embora a proposta de junção do Mapa e do MMA esteja claramente expressa no programa de governo do presidente eleito, outro ponto chama atenção no documento. O termo “meio ambiente rural” é citado uma vez e, contraditoriamente, a ocorrência está no slide “Agricultura - uma Proposta de Mudanças. Um Novo Modelo Institucional”.

Programa de governo de Jair Bolsonaro cita apenas uma vez meio ambiente 

Vale destacar que o documento afirma que “o estado deve facilitar que o agricultor e suas famílias seja os gestores do espaço rural”. E, complementa, destacando que o Estado seria responsável por ações específicas: “o primeiro passo é sair da situação atual onde institucionais relacionadas ao setor [agricultura] estão espalhadas e loteadas em vários ministérios, reunindo-os em uma só pasta”. Na “nova estrutura federal agropecuária”, uma das atribuições do poder público estaria ligada, entre outros aspectos aos “recursos naturais e meio ambiente rural” e à “defesa agropecuária e meio ambiente rural”.

 

 

Após a vitória, diante da polêmica gerada pela extinção do Ministério do Meio ambiente, o presidente eleito voltou atrás em relação à proposta de junção dos ministérios . Em entrevista a TVs católicas, Bolsonaro chegou a afirmar, no início de novembro, que o Brasil é o país que mais protege o meio ambiente. Apesar da defesa da pasta, o político destacou - como já havia feito durante a campanha - que irá relaxar o processo de concessão de licenças ambientais. “Nós pretendemos proteger o meio ambiente, sim, mas não criar dificuldades para o nosso progresso. Por exemplo, muitas vezes, você precisa de uma licença ambiental. Isso leva 10 anos ou mais e dificilmente você consegue. Isso não vai continuar existindo”, afirmou durante entrevista coletiva.

 

A proposta de unir as duas pastas não foi rejeitada apenas por ambientalistas, mas também por representantes do setor do agronegócio. Entre os motivos, estariam a ameaça à preservação do meio ambiente e o potencial prejuízo para exportação de commodities agrícolas.

 

A presidente do Grupo Fauna, Isabele Futerko, aponta que a junção das pastas - que estariam voltadas à defesa de interesses distintos - seria desastroso e conflitante. “O meio ambiente é de interesse da coletividade e precisa ser protegido. Já a agricultura trabalha com a exploração econômica da terra, em maior ou menor escala”, diferencia.

 

Face à exploração econômica desempenhada no setor rural, a ambientalista ressalta que há “a agricultura familiar e a agroecológica que causam um impacto muito pequeno”. O problema, avalia Futerko, seriam as “vastas monoculturas e pastagens, que utilizam grandes áreas e causam bastante impacto”.

 

A distinção é também destacada pelo professor do departamento de Biologia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Rodrigo Silva. “A junção dos ministérios do Meio ambiente e da Agricultura, como falamos em brincadeira, é a raposa tomando conta do galinheiro, pois são interesses totalmente diferentes”, ironiza.

 

“O Ministério do Meio Ambiente tem por função preservar e conservar os recursos naturais existentes em nosso Brasil. Já a atribuição do Ministério da Agricultura está atrelada ao agronegócio, que gera uma tremenda alta na economia brasileira, gerando 25% do PIB [Produto Interno Bruto]”, explica. Silva afirma que, se essa junção acontecesse iria prejudicar toda a biodiversidade do país, pois um ministério tem função de preservar e o outro de alavancar o agronegócio.

 

Além da possível junção dos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, o presidente eleito propôs ainda a extinção de órgãos de fiscalização ambiental. Entre as outras menções do presidente, há a ideia de construção de novas hidrelétricas e facilitamento de licenças ambientais.

 

Apesar de Jair Bolsonaro ter voltado atrás na decisão de fundir as duas pastas dos Ministérios, é importante ressaltar o papel de cada Ministério e os impactos que essa fusão pode causar no meio ambiente do país.

 

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi criado em 1992 e “tem como missão formular e implementar políticas públicas ambientais nacionais de forma articulada e pactuada com os atores públicos e a sociedade para o desenvolvimento sustentável”. O MMA tem sido reconhecido como um dos grandes responsáveis por medidas de proteção ao meio ambiente.

 

Isabele Futerko explica que o Ministério do Meio Ambiente atua em favor de diversas ações que preservam o meio ambiente.“O MMA agrega ações voltadas para a preservação do meio ambiente. É de vital importância para a proteção do mesmo e para buscar alternativas que gerem o menor impacto possível. Todas as atividades humanas afetam o meio ambiente e um ministério específico é fundamental para regular, fiscalizar, mitigar esses impactos”, pondera.

 

No portal do Ministério do Meio Ambiente, é possível ter acesso às principais ações do órgão e suas principais preocupações. Segundo o site, as políticas públicas criadas pelo Ministério incluem programas voltados à recuperação, conservação e sustentabilidade em variadas áreas ambientais.

 

O professor e geógrafo Henrique Pontes explica a importância do Ministério do Meio Ambiente que é “garantir que o Brasil se desenvolva, cresça economicamente, prospere enquanto sociedade, mas garantindo o que a nossa constituição traz, um meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

 

De acordo com as diretrizes de funcionamento do Ministério do Meio Ambiente, a principal função do órgão é conciliar o crescimento econômico e o combate às desigualdades sociais com a preservação e conservação dos recursos naturais.

 

Ainda segundo essas diretrizes, o Brasil tem como preocupação central a “valorização do território enquanto objeto de integração dos diversos planos, programas, políticas e projetos, superando a visão setorial e tornando mais fácil a compreensão dos problemas e a priorização das ações a serem implementadas”.

 

De acordo com o site do Mapa no Brasil, o agronegócio contempla o pequeno, o médio e o grande produtor rural. O Ministério é responsável pela gestão das políticas públicas de estímulo à agropecuária, pelo impulso do agronegócio e pela regulação e normatização de serviços vinculados ao setor.

 

A pasta se ocuparia das políticas voltadas às atividades de fornecimento de bens e serviços à agricultura e à produção agropecuária, bem como ao processamento, transformação e distribuição de produtos de origem agropecuária até o consumidor final.

 

Para a advogada Daniela Lazarin, a junção dos dois ministérios levaria a um enfraquecimento dos programas de proteção ambiental. Isso ocorreria, destaca Lazarin, porque o governo daria prioridade ao desmatamento de terras agricultáveis e ao pastoreio.

 

Lazarin afirma ser preocupante o fato de Bolsonaro prometer um governo que promete um alinhamento à ideologia liberal na gestão da economia. O perigo, alerta a advogada, seria o abandono das políticas voltadas ao meio ambiente, priorizando a evolução do agronegócio.

 

Relaxamento na concessão de licença pode trazer prejuízos

A rede de proteção e de fiscalização de ações que afetam o meio ambiente não se resume ao MMA.A advogada Daniela Lazarin explica que o primeiro passo para conseguir a concessão da licença, seria procurar pelos órgãos de proteção ambiental. “Existe a Secretaria do Meio Ambiente nos municípios e o Instituto Ambiental nos estados [Instituto Ambiental do Paraná], além do Ibama, que tem atuação em todo o país”, elenca.As ONGs, explica Lazarin, também teriam importante papel, pois exerceriam atividades de observação e orientação.

 

A presidente do Grupo Fauna, Isabele Futerko, explica os danos que o relaxamento no processo de concessão de licenças ambientais pode causar ao meio ambiente e também aos seres humanos. Entre os problemas por ela destacados, estão “a extinção de espécies, a desregulação do clima, a desertificação, a miséria, a fome e as doenças”.

 

O Ministério do Meio Ambiente, segundo a advogada, tem como função orientar e fiscalizar atividades econômicas. Isso evitaria agressão ao meio ambiente ao realizar o trabalho de fiscalização atuando contra os infratores. Já o Ministério de Agricultura, destaca, trabalha fomentando atividades agrícolas e pastoris, incentivando o agronegócio e a produção, portanto, visando o lucro.

 

Entre as 17 leis Federais, a advogada cita algumas mais importantes ligadas à proteção ambiental, como a Lei de proteção aos animais (Lei nº 9.605/1998), conhecida como lei dos crimes ambientais, e a Lei de Proteção Ambiental (Lei nº 6.902/1981).

 

A presidente do grupo Fauna, Isabele Futerko, alega que houve grandes avanços nos direitos dos animais e ambientais que devem permanecer. “Ambos [direitos dos animais e do meio ambiente] estão garantidos na nossa maior lei, a Constituição Federal, além de diversas outras leis federais, estaduais e municipais”, observa. Para a ambientalista, o conjunto de leis serve de referência para as nossas ações em prol do meio ambiente. “Nos últimos anos, avançamos bastante na defesa dos animais e do meio ambiente, porém a voracidade da ação antrópica e da exploração econômica não para de crescer”, adverte.

 

Isabele complementa que a mobilização social é primordial para que se continue avançando em prol dessa área. “Sempre se avançou nesta causa através da militância, da informação, mobilização social e denunciando as irregularidades”, pondera.

 

Implicações das menções de Bolsonaro acerca do meio ambiente

O professor e geógrafo Henrique Pontes destaca que é necessário entender que o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento tratam de assuntos distintos, mas que se cruzam em diversos aspectos “geralmente esse cruzamento gera conflitos. O Ministério do Meio Ambiente é responsável pelas questões ambientais do país e toma medidas para controlar e gerenciar os problemas causados pela produção agrícola, com relação aos aspectos ambientais”, afirma.

 

Para Pontes não se pode colocar áreas que conflitam para serem geridas conjuntamentes. Segundo ele nessa junção, a Secretaria do Meio Ambiente se sujeitaria a Secretaria da Agricultura, o que poderia gerar muitos problemas, pois os interesses da Secretaria da Agricultura são voltados para a produção agrícola e pecuária, que priorizam a produção e não tem preocupação e ações específicas para o preservação e conservação do meio ambiente.

 

Uma das falas de Bolsonaro durante uma transmissão de vídeo em sua página no Facebook retrata a possibilidade de exploração da Amazônia. “A nossa biodiversidade na Amazônia, vai ficar lá… apenas deixando que alguns explorem de forma clandestina? Eu já estive na Amazônia algumas vezes. Eu lembro uma viagem que fiz com o Exército (...). Pintou lá um branquelão de dois metros de altura (...) pesquisando, coletando dados sobre a nossa biodiversidade. Por que não podemos fazer acordo para explorar nossa biodiversidade amazônica, sem o viés ideológico?"

 

Isabele Futerko alega que o desmatamento da Amazônia pode causar um impacto em âmbito nacional e mundial. “A Amazônia é um bioma importantíssimo pela sua riqueza de biodiversidade, além de garantir diversos serviços ambientais, como a segurança hídrica, entre outros”, afirma.

 

O presidente eleito, Jair Bolsonaro também afirmou durante seus discursos sobre a possibilidade de construção de novas usinas hidrelétricas na Amazônia. “Além do impacto no próprio rio, pode causar impactos negativos na fauna e flora local, aos moradores do entorno e adjacências, a riqueza cultural, ao turismo etc. Por isso a necessidade de se investir em energias renováveis alternativas e acima de tudo de se repensar nos nossos hábitos de consumo”, explica Isabele.

 

Os recursos da amazônia tem fim, Isabele Futerko alega que os recursos cumpem uma força maior e não existem apenas para satisfazer o ser humano. Nesse sentido, o papel das licenças ambientais crumprem um papel necessário para o uso dos recursos. “As licenças existem para se garantir que os impactos gerados pelas atividades econômicas sejam os menores possíveis ou até para impedir que essas atividades ocorram, caso o dano seja de grande monta.É uma forma de regular a atividade poluidora. São estudos complexos e, por isso, muitas vezes demorados. O facilitamento disto seria imprudente, pois tem atividades que causam danos irreversíveis” explica Isabele.