“Eu lido com abelhas desde meus dez anos de idade e nunca passamos por uma crise de desaparecimento como vemos na última década”, enfatiza o apicultor de 91 anos, Aberhard Husch. A produção de mel nos Campos Gerais caiu 70% em 2017, conforme destaca Husch. Além disso, os apicultores da região relatam, durante as reuniões da Associação dos Apicultores dos Campos Gerais, mortes e sumiços frequentes de abelhas e, através de observações, tentam reunir informações para compreender o fenômeno.
O desaparecimento das abelhas é um fenômeno mundial que vem sendo registrado desde a década de 1970, principalmente na Europa. O termo Distúrbio do Colapso das Abelhas (em inglês, Colony Colapse Disorder) surgiu em 2006 nos EUA. Ele se refere ao desaparecimento de um grande número de abelhas operárias.
As abelhas se organizam em operárias, rainha e zangões formando a colmeia. Cada função é específica para o bom funcionamento do enxame. A rainha é responsável por botar os ovos, pois é o único inseto fértil dentro da colmeia. Os zangões têm o papel de fecundar a rainha. E as operárias, que são a maior parte, são fêmeas que polinizam, alimentam as larvas e protegem a entrada da colmeia. É assim que se dá a harmonia do enxame.
Muitos fatores podem estar envolvidos nos processos de morte e desaparecimento dessas abelhas. Quando as operárias saem para coletar pólen, elas estão vulneráveis a diversos perigos, como chuvas, animais, pessoas ou até outras abelhas. Mas o maior vilão dessa história são os agrotóxicos. Pois eles aumentam o número de abelhas desaparecidas, ou mortas, devido a suas propriedades químicas que são tóxicas a esses insetos.
De acordo com a Associação dos Apicultores dos Campos Gerais, os agrotóxicos mais danosos às abelhas são os neonicotinoides, inseticidas derivados da nicotina. Eles são usados em diversos cultivos, como de algodão, milho, soja, arroz e batata. Outro componente nocivo às abelhas são os agrotóxicos que têm em sua composição o químico Fipronil, inseticida que funciona contra pragas nos cultivos de maçã, soja e girassol.
A bacharel em história, Zilda Primor enfatiza que não há incentivo do Governo Federal para a pesquisa que analisa a causa específica da morte das abelhas na região.“A associação não tem dinheiro para bancar todas essas análises. O ideal seria se todos os apicultores a realizassem periodicamente”, explica Husch. Atualmente a Associação conta com, aproximadamente, 20 apicultores efetivos. O único lugar que torna mais acessível essas análises é o curso de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), onde o valor fica entre R$160 e R$347.
Conforme legislação vigente, a Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (SEAB) exige que o laboratório possua acreditação do Inmetro, ou credenciamento no Ministério da Agricultura para legalizar a análise do mel. Porém, no Paraná, somente dois laboratórios possuem essas adequações, um na cidade de Toledo e outro em Maringá, segundo a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar).
No Brasil, existem mais de 3 mil espécies de abelhas, tanto do tipo Nativa (indígenas, ou seja, as abelhas que não tem ferrão), quanto Apis Mellifera. Esses polinizadores ajudam no desenvolvimento de flores, árvores e culturas agrícolas de todo o país. “Os agrotóxicos, de fato, são os grandes vilões dessa história, pois eles diminuem o número de espécies de abelhas”, destaca o professor de biologia, Rodrigo de Cássio da Silva.
De acordo com o relatório Mapeamento de Abelhas Participativo (MAP) realizado pelo Movimento Colmeia Viva, entre os anos de 2014 e 2017, a distância mínima dos apiários e das culturas não orgânicas próximas deve ser de 50 metros além das plantações, evitando assim que a colmeia seja afetada pelo uso de agrotóxicos.
O Projeto de Lei 6.299/2002, há 16 anos em trâmite, visa alterar a Lei dos Agrotóxicos criada em 1989, que regulamenta e restringe o uso dos pesticidas nas plantações do país. No projeto, o registro de substâncias deixa de ser realizado entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e passa a ser centralizado no Ministério da Agricultura. Isso significa que os novos produtos químicos não passarão por critérios regulamentados e supervisionados pelo Ibama e a Anvisa. As decisões ficam nas mãos do Ministro da Agricultura, sem qualquer preocupação ambiental.
Além disso, os novos registros são feitos apenas com os princípios ativos já registrados, facilitando novas marcas de entrarem no mercado. Desse modo, o uso dos agrotóxicos na agricultura brasileira fica sem restrições a seus usos e locais de aplicações. A última ação legislativa (26/08/2018) registrada no site da Câmara é o encaminhamento para publicação do PL 6.299/2002.
“Elas [abelhas] têm papel fundamental na reprodução desses vegetais, o que chamamos de polinização. Existem espécies vegetais que só se reproduzem com uma certa espécie de abelha, como é o caso da castanha do pará”, explica Silva. Segundo o projeto “Sem abelhas, sem alimento”, 70% da alimentação humana (cerca de 100 grupos alimentares) contam com a polimerização das abelhas, envolvendo 85% das plantas com flores e das matas e florestas, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). Só no Paraná, existem 200 espécies desse inseto conforme listado no site da Associação Brasileira de Pesquisas em Abelha (A.B.E.L.H.A.). Além disso, 10% do Produto Interno Bruto (PIB) é representado pelos serviços ecossistêmicos da polinização. Os serviços ecossistêmicos são serviços ambientais que permitem a sobrevivência de organismos no planeta e são fundamentais para o bem estar humano.
Os apicultores locais trabalham com a espécie Apis Mellifera africanizada que é a mistura de abelhas trazidas da Europa com outras da África. No Brasil, a espécie pura europeia é rara. Outras espécies presentes na apicultura local é a Jataí (Tetragonisca angustula) e Manduri (Melipona marginata), ambas sem ferrão e pertencentes à classe das abelhas nativas.
Arquivo Foca Livre
09/10/2018 - Veja a reportagem Desaparecimento de abelhas afeta produção de mel na edição 205 do Foca Livre
Ficha Técnica
Reportagem: João Pedro Teixeira e Leticia Gomes
Edição: Arieta de Almeida
Foto: Arieta de Almeida
Supervisão: Professoras Angela Aguiar, Fernanda Cavassana, Helena Maximo