Uma peça sobre a arte, a plateia e como elas se conectam em busca da atenção plena

 

Em meio à escuridão do auditório, na plateia, surge Fábio Freitas, ator responsável pelo ato solo Cão chupando manga. No palco, encontram-se espectadores e responsáveis pelo festival, sentados em cadeiras dispostas ao redor de um tapete e de adereços, como cintos feitos de tampas de garrafas de cerveja. A partir daí, Fábio Freitas domina o espaço e a plateia, sempre de maneiras inusitadas. 

Cão chupando manga narra a história de um ator que, envelhecendo, encara sua relação com o público, com a arte e com o cenário do mundo atual, violento e sofrendo as consequências de uma pandemia. Em uma peça que se apresenta como um quase monólogo, Fábio Freitas se compara a um cachorro que observa as coisas ao seu redor e tenta ao máximo chamar a atenção das pessoas que estão o assistindo. O que impede a peça de ser um monólogo é a participação dos membros da plateia que estão em cima do palco com o ator, em movimentos cômicos como flertes e diálogos. 

Fábio Freitas não é somente o ator. Ele também é responsável pelo projeto, pela dramaturgia e pelos figurinos e adereços. Esse envolvimento do artista em todos os processos que tornam a peça realidade é visível no resultado final: um relato íntimo e doloroso de um ator que tenta conquistar pessoas que nem conhece, como um cachorro abanando o rabo. Durante a peça, Fábio fala com a plateia em tons sexuais, dança e tenta, até a exaustão, fazer com que o foco fique nele o tempo inteiro. Seus esforços parecem até desnecessários, tamanho o talento do artista, que já prendia a atenção de seu público antes mesmo de dizer suas primeiras palavras. 

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Fábio Freitas em cena. Foto: Victor Schinato/Lente Quente

 

Um destaque especial vai para o trabalho de iluminação, que ajuda o ator a manter sua narrativa convincente. Em momentos de melancolia, a luz azul se mostra dominante. Em momentos de dança, um vermelho profundo ou várias cores se alternando preenchem o palco. Quando a narrativa se torna ainda mais íntima, o holofote em meio ao palco escuro mostra que, em alguns momentos, artistas se sentem solitários em suas reflexões. 

Cão chupando manga é uma peça do Teatro de Anônimo, da cidade do Rio de Janeiro. Seu objetivo é claro: alcançar um nível de autoconhecimento da arte e fazer com que o público também reconheça a exaustão do trabalho teatral. Fábio Freitas deseja deixar sua plateia sem palavras, sem reação, confusos com tudo que ele faz no palco. Nisso, na 50ª edição do Fenata, ele foi, com toda a certeza, bem sucedido. 

 

Por Maria Helena Denck

 

Serviço:

Peça: Cão chupando manga

Autoria: Fábio Freitas

Grupo: Teatro de Anônimo 

Iluminação: Guiga Ensa

Trilha sonora: Ivam Cruz 

Apresentação no auditório A do Cine Teatro Ópera, no dia 12 de novembro, às 20 horas.