As declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em Ponta Grossa em 1º de maio causou reação em ambientalistas e pesquisadores locais. Em entrevista concedida à imprensa, o ministro disse rever os aspectos da demarcação do Parque Nacional dos Campos Gerais (PNCG).

                                                 Área preservada do Parque Nacional Campos Gerais. / Foto: Veridiane Parize.

A coletiva aconteceu em uma fazenda produtora de sementes em Ponta Grossa, conforme divulgado pela imprensa local, após reunião fechada entre o ministro com empresários, produtores rurais e políticos da região.

A reunião aconteceu após o pedido oficial da deputada federal Aline Sleutjes (PSL-PR), por meio do ofício 022/2019, no qual solicita “avaliar a possibilidade de cancelar o decreto de criação ou alterar de Parque para Monumento Natural o hoje denominado Parque Nacional dos Campos Gerais”. O pedido foi motivado pela reivindicação de 100 famílias que ainda moram em regiões do Parque que não foram desapropriadas, conforme as declarações à imprensa pela deputada. As principais reivindicações dos moradores da região é o pagamento das indenizações pelas terras, e os problemas causados pela inviabilidade de construção de novos empreendimentos e dificuldades de acesso a linhas de crédito, por ser uma região protegida legalmente.

 

Para muitos pesquisadores, a mudança de Parque para Monumento Natural, sugerida pela deputada, não é viável para as características da região, visto que apenas as áreas de aporte turístico seriam preservadas, enquanto que o objetivo do parque é a preservação ampla dessa região. Além de que, essa mudança não é tão simples. O ministério do meio ambiente não tem condições de fazer essa alteração sozinho, por ser uma unidade federal, segundo o professor de Geologia da UEPG, Gilson Burigo. Para que os limites sejam modificados ou mude de categoria, é preciso criar um projeto de lei, e esta deve ser aprovada pelo congresso. Para que isso ocorra, ela terá que passar pelo trâmite na Câmara e no Senado para que efetivamente alguma coisa se modifique.

Os Monumentos Naturais também são unidades de conservação e proteção integral, mas a lógica é apenas valorizar áreas muito específicas, que tem aspecto mais relevantes pelo ponto de vista geológico, geomorfológico e turístico, conforme explica Burigo. Os principais atrativos turísticos da região se encontram na área do Parque, como as furnas gêmeas, a furna grande, o buraco do padre, a cachoeira da mariquinha, o capão da onça, e o rio são Jorge. No entanto, o objetivo central da criação do Parque Nacional é a manutenção de áreas extensas, como os remanescentes de campos e floresta de araucárias que restam na região, além de preservar as reservas hídricas que abastecem a cidade - algo que a legislação prevista para Monumento Natural não contempla.

Burigo explica que, quando foi criado o Parque Nacional, a proposta era articular a área com outras unidades de preservação, como o Parque Vila Velha e a Flona de Irati, para criar corredores ecológicos. A atividade agrícola modificou muito a região, e um dos motivos da criação do Parque é recuperar essas áreas, além de preservar áreas que ainda restaram e que não sofreram modificação ilegal. “É preciso garantir que os ciclos naturais aconteçam alí, pois essa região oferece muitos serviços ecossistêmicos pra sociedade. Boa parte do abastecimento de águas da nossa região, acontece graças às nascentes de água subterrânea ou do Rio Pitangui e Rio verde, e as suas nascentes e boa parte dos seus afluentes, estão dentro do contexto do parque nacional”, alerta Burigo.

O professor do Departamento de Química da UEPG, Sandro Xavier de Campos, que desenvolve pesquisas sobre a qualidade da água na região, reforça que a sociedade deve reivindicar a existência do parque para preservar a qualidade do abastecimento de água para a cidade. “Quando não se cuidam das nascentes, ou os espaços agrícolas e a área urbana se aproximam, há uma grande tendência de contaminação por diferentes substâncias. Muitas dessas substâncias são descartadas pelo uso urbano e agrícola e são jogadas na água. Muitas pesquisas no mundo mostram que os sistemas de tratamento não removem boa parte delas. São metais pesados, produtos de higiene pessoal e principalmente agrotóxicos, e depois de contaminadas essas reservas é muito difícil de se recuperar”, revela Campos.

Pesquisas realizadas na UEPG identificaram metais pesados em alguns reservatórios, principalmente em sedimento e no tecido e ovas de peixes. Segundo Campos, os valores não são alarmantes, mas foram detectados. “Se o consumo de peixes for recorrente, acontece o que chamamos de bioacumulação, quando se consome com frequência essas substâncias são difíceis de serem excretadas pelo organismo”.

Pesquisas realizadas no PNCG pelo Laboratório de Mecanização Agrícola (LAMA – UEPG) mostram que, entre 2005 e 2018, os campos nativos da região tiveram uma redução de 27% no período. Na área definida como Unidade de Conservação Ambiental (UCA), a agricultura local avançou 10%, totalizando 420 hectares (equivalente a 420 campos de futebol). O mesmo houve com o reflorestamento de árvores não nativas, como o pinus e o eucalipto, que cresceu 141% no mesmo período (527 hectares). Segundo os professores do Departamento de Agronomia e coordenador do Lama, Carlos Hugo Rocha, os avanços são ilegais, já que a lei determina que, desde a decretação do parque, em 2006, ele deveria ter sido mantido sem alterações. Somadas, as áreas com alteração ilegal – reflorestamento e agricultura – totalizam 947 hectares (947 campos de futebol).

O Parque possui 21 mil hectares e está localizado entre o 1° e 2° Planalto, na região dos Campos Gerais. A região é constituída por propriedades particulares, que devem ser desapropriadas pelo governo federal. Até hoje, cerca de 80% dos lotes na área do Parque foram identificados, segundo Rocha. A área total do Parque ocupa apenas 6,52% do município de Ponta Grossa, 2,9% de Castro e 2,3% de Carambeí. Para Rocha, o Parque é uma parte pequena destinada à biodiversidade e proteção da água. A falta de ressarcimento dos proprietários é um dos motivos que leva fazendeiros e políticos a pedirem o fim do decreto que criou a reserva, mas não justifica o desmatamento desse bioma que existe a milhares de anos.

Rocha explica que a região possui características próprias que já não existem mais na região sul do Brasil. A agricultura no Paraná é muito importante para a economia, no entanto, é preciso pensar como conciliar o desenvolvimento econômico com a agricultura sustentável de forma correta. “Os solos nos campos nativos do 2° planalto são mais frágeis e sofrem erosão mais facilmente. Isso causa assoreamento dos rios e contaminação das águas. Alguns agricultores são modelo de agricultura sustentável na região, mas mesmo assim, essa agricultura usa agrotóxico e fertilizante químico, e isso é nocivo para a água, para a biodiversidade e para o meio ambiente”, explica Rocha. “A questão do Parque é essa: nós podemos plantar soja em qualquer lugar de Ponta Grossa, mas o Parque só pode ser ali por conta das suas características específicas”.

Para Rocha, o posicionamento mais correto dos moradores da região e das lideranças políticas dos produtores rurais, é pressionar o Governo Federal para realizar o pagamento das indenizações usando recurso do fundo ambiental já existente. “Esse processo de desapropriação não ocorreu por incompetência do governo federal. Quando o parque foi criado em 2006, pelo ministério comandado pela Marina Silva, existia uma perspectiva mas que deixou de ser prioridade nos anos seguintes, à medida que novos ministros foram surgindo. Essa perspectiva se perde no ministério do Meio Ambiente. Existe o fundo do meio ambiente e recursos para custear a desapropriação, mas esse pagamento das mesmas é uma diretriz política que os governantes precisam tomar como prioridade. Então nada mais justo do que a sociedade possa indenizar esses agricultores, pelas áreas agrícolas que ele tem e essa agricultura seja feita em outro local.”

Produtores rurais questionam a existência do Parque pelo direito à propriedade rural, sustentado pela Lei 4.504/64 do Estatuto da Terra, mas a questão é que é que o Estado, além de garantir os direitos particulares à propriedade, precisa primeiro garantir os direitos coletivos, como a preservação ambiental e das reservas hídricas, além de garantir a biodiversidade, conforme ressalta Burigo. “O Estado é que deve intervirem quando precisa enfrentar um problema energético, por exemplo. É ele que vai definir a necessidade de construção de uma hidrelétrica, e aí desapropriam-se algumas áreas que vão ser inundadas para a formação de um lago. Mesma coisa para a construção de estradas e rodovias. A lógica é a mesma. Mas agora pensando em um artigo da nossa constituição que diz que todos devemos ter um meio ambiente equilibrado, é dever do Estado identificar quais são as áreas minimamente importantes para preservação, e aí então pagar as indenizações para os moradores e desapropriar essa área”, compara o geógrafo.

Decreto n° 3.365/41 (artigo 5º, alínea k), que estabelece as desapropriações por utilidade pública, determina a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza“

Desde a criação do Parque, a equipe do Instituto Chico Mendes têm mapeado os lotes existentes na região e regularizar a documentação junto com os proprietários. Ao longo desses 13 anos, cerca de 80% dos levantamentos já foram feitos para a regularização fundiária. “Existem os recursos do fundos do meio ambiente para pagar as indenizações, mas recentemente existe algo que foi previsto naquela lei lá de 2000 e só foi devidamente regulamentado ano passado que é o fundo de compensação legal”, explica Burigo. “Quando uma empresa comete um dano ambiental em determinada área, por exemplo, ela precisa pagar por isso. Esse recurso vai para um fundo e ele deve ser utilizado em unidades de conservação, e um desses usos é regularização fundiária, ou seja, pagar indenização para os proprietários. A melhor coisa que essa deputada poderia fazer era ir atrás de viabilizar que esses fundos de compensação ambiental fossem efetivados e daqueles que têm interesse, que isso pudesse sair do papel”, completa o geógrafo.

Arquivo Portal Periódico

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Ficha Técnica

Repórter: Patrícia Guedes.
Foto: Veridiane Parize.
Supervisores: Angela Aguiar, Fernanda Cavassana, Hebe Gonçalves, Ben-Hur Demeneck e Rafael Kondlastsch.
Monitora: Hellen Scheidt.
Edição: Alunos do segundo ano do curso de Jornalismo e Milena Oliveira.

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