​O projeto de redução da APA possibilita o aumento de crédito do financiamento agrícola. Crimes ambientais cometidos na região, como a plantação de pinus, evidenciam ainda mais o interesse dos defensores da redução.

APA da Escarpa Devoniana é rica em flora e fauna. Foto: Mirna Bazzi


Prestes a completar um ano em novembro, o projeto de lei que visa reduzir em 70% a Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana impacta na economia e na biodiversidade dos 12 municípios que a abrangem. A proposta original dos deputados Ademar Traiano (PSDB), Plauto Miró (DEM) e Luiz Romanelli (PSB) - que retirou sua assinatura do projeto em setembro deste ano - configura a ameaça do setor do agronegócio, ruralistas, sindicatos e a Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP) aos municípios envolvidos e ao ecossistema dos Campos Gerais. Os estudos que embasaram a formulação do projeto de lei foram solicitados pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e realizados pela Fundação ABC - organização de pesquisa e desenvolvimento agropecuário -, que é financiada por empresas do agronegócio, como Frísia, Castrolanda e Capal, o que gera suspeitas sobre o real objetivo da eventual redução.

Em entrevista exclusiva para o Portal Periódico, o deputado Plauto Miró confessa que é do interesse dos bancos e do agronegócio a redução da APA, haja vista que o crédito liberado para o financiamento agrícola é ampliado quando não se trata de produzir em uma área de preservação ambiental. Tal fato incomoda também grandes empresas do agronegócio que possuem cooperados produzindo na região. Somado a isso, imagens de satélite comprovam a existência de um campo de drenagem para a plantação de pinus, além de existirem evidências de crimes ambientais ocorridos na APA da Escarpa Devoniana.

Em Ponta Grossa, os interesses não são diferentes. O secretário municipal de Meio Ambiente, Paulo Barros, ressalta que a revisão da APA é necessária para diminuir os conflitos de uso do solo sustentável da Escarpa Devoniana. “O perímetro deve ser refeito uma vez que a tecnologia usada na época não era suficiente”, sustenta.

Um pedido de tombamento da APA foi realizado pelo Conselho do Patrimônio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (CEPHA) em 2014, com o intuito de proteger a área e impedir futuras atividades econômicas e de ataque ao meio ambiente, o que significa a limitação de produções agrícolas para o setor do agronegócio. Em resposta, o governador Beto Richa (PSDB) tirou a autonomia do órgão de realizar o processo. A intenção de tombar a área de proteção despertou a ação do setor do agronegócio, que justifica ainda que há pouco aproveitamento turístico na região.

O que não é mencionado pelos defensores da redução é que cinco milhões de reais deixariam de ser encaminhados aos municípios pelo Imposto Sobre Circulação De Mercadorias e Serviços (ICMS) Ecológico - percentual repassado às cidades que abrigam a APA, a partir de ações que colaborem com a preservação do meio ambiente.

Arte: Danielle Farias 

Datada de 1992, a APA da Escarpa Devoniana é considerada a mais antiga do estado do Paraná. A área se inicia no vale do Rio Iguaçu, entre os municípios de Lapa e Campo Largo, no sul do Paraná, e se estende até o Rio Itararé, já no estado de São Paulo. Gestada pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP), possui cinco reservas particulares de patrimônio natural, cinco parques, e se configura como uma Unidade de Conservação.

O projeto de lei protocolado em novembro de 2016 na Assembleia Legislativa do Paraná tem o objetivo de reduzir em quase 70% a área protegida, que hoje tem 392.777,38 hectares, o equivalente a quase 4 mil quilômetros quadrados. Com a redução, a área passaria a ter 125.849,91 hectares, menos de 1300 quilômetros quadrados. A proposta tramita na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) e passa pela avaliação da Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais (CEMA). Foram realizadas audiências públicas para debater a proposta de redução nas cidades de Ponta Grossa, Palmeira e Carambeí, segundo levantamento da reportagem do Periódico a partir do acompanhamento de noticiários locais dos municípios inseridos na Escarpa Devoniana.

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A Área de Proteção da Escarpa Devoniana é rica em biodiversidade e abriga os municípios de Lapa, Balsa Nova, Porto Amazonas, Palmeira, Campo Largo, Ponta Grossa, Carambeí, Castro, Tibagi, Piraí do Sul, Jaguariaíva e Sengés.

Fotos: Mirna Bazzi

POLÍTICA​ ​E​ ​AGRONEGÓCIO:​ ​A​ ​UNIÃO​ ​QUE​ ​AMEAÇA​ ​A​ ​APA

Por ser uma área de proteção ambiental, o agronegócio precisa obedecer ao Plano de Manejo ao realizar qualquer ação na área, o que limita a produção de pinus e o uso de produtos químicos e agrotóxicos que contaminam a água e o solo, por exemplo. As atividades econômicas são permitidas dentro da APA, desde que autorizadas e regulamentadas por órgãos ambientais. São 260 quilômetros de extensão, com predominância de atividades como agricultura, pecuária e reflorestamento.

Plauto Miró (DEM), um dos autores do projeto de lei e defensor da redução da APA, revelou em entrevista exclusiva que o crédito liberado por bancos é reduzido quando se trata de executar atividades agropecuárias em uma área de proteção ambiental. “O produtor rural que quer fazer o plantio de um hectare de feijão vai buscar auxílio em um banco, e para isso ele precisa ter a terra em garantia, no nome dele. Quando se traz toda essa questão de que haverá uma restrição na área, o banco já não empresta mais o recurso”, explica o deputado. Portanto, o projeto de redução da APA facilita o financiamento em bancos que custeiam a produção de pequenos, médios, e grandes produtores.

Para os sindicalistas rurais, que representam os interesses dos produtores e também defensores da redução, a área de proteção ambiental dificulta o agronegócio na região. O presidente do Sindicato Rural de Ponta Grossa e membro do Conselho Gestor da APA, Gustavo Ribas, aponta que a área não é bem aproveitada, já que os investimentos em atividades turísticas deixam a desejar. “Precisamos de incentivo para produção. De que adianta ter uma área com potencial turístico, se não há divulgação e infraestrutura necessária para o acesso dessas áreas?”, questiona o sindicalista.

Ribas defende ainda que a Fundação ABC tem conhecimento acerca de questões agrícolas e ambientais dos Campos Gerais. “Não vejo outra instituição com a capacidade de fazer essa readequação da área de proteção ambiental a partir de estudos técnicos como a Fundação ABC - que inclusive participa e atua no Conselho Gestor da APA”, argumenta. A assessoria de imprensa da fundação alegou por telefone que não se pronunciará oficialmente porque “o projeto de lei já causou muita confusão e a organização apenas atendeu a encomenda dos deputados”.

O pedido de tombamento da área contribuiu para a elaboração do projeto de redução da APA. Em 2014, o Conselho do Patrimônio Cultural da CEPHA fez a abertura de um processo para proteção da área, e, em 2016, outro pedido informal foi encaminhado para o Ministério Público a fim de favorecer o tombamento. Diante disso, o governador Beto Richa liberou o decreto nº 2445, que tira a autonomia de tombamento do CEPHA. Gustavo Ribas defende que um projeto de tombamento da Escarpa Devoniana é prejudicial para os ruralistas em geral. “Precisamos pensar em sustentabilidade, preservação e produção. O tombamento imobiliza o agronegócio na região, prejudicando essencialmente a economia”.

Os deputados Péricles de Mello (PT) e Rasca Rodrigues (PV) afirmam que empresas como Frísia, Castrolanda, Allegra, Pisa e Klabin possuem produções na APA da Escarpa Devoniana. Frísia, Castrolanda, Capal, Copagrícola e Coperponta possuem cooperados dentro dessas áreas, o que influencia diretamente na produção, já que o crédito limitado de financiamento para o agronegócio resulta na falta de segurança para investimentos. As assessorias de imprensa dessas organizações não quiseram se manifestar sobre o assunto.

Péricles de Mello ressalta ainda que, quando um representante é eleito por setores vinculados ao agronegócio, será pressionado a fazer projetos que beneficiem essa camada setorial. “Estão expandindo muitas empresas de papel e são elas que querem plantar pinus, aí que está o problema. Existem lugares no Paraná em que o solo não é frágil e que se pode plantar pinus, mas antes se deve considerar o potencial turístico, paisagístico, histórico e cultural dessa região. Não dá para perder nossa identidade maravilhosa, as belezas que aqui temos”, afirma. Conforme as prestações de contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o deputado estadual Plauto Miró (DEM) recebeu uma doação de vinte mil reais da empresa Klabin, no ano de 2014, destinada à sua campanha eleitoral.

CRIMES​ ​AMBIENTAIS​ ​COMO​ ​JUSTIFICATIVA​ ​DE​ ​REDUÇÃO

Instituições ambientais do Paraná se posicionaram contra o projeto de redução da APA da Escarpa Devoniana devido aos crimes ambientais que são cometidos na região. Uma espécie de raio-x da APA realizado em março de 2017 aponta 449 pontos que comprovam a existência dos crimes. Assinam o documento as instituições: Fundação SOS Mata Atlântica; Grupo Fauna de Proteção aos Animais; Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas; Instituto de Estudos Ambientais Mater Natura; Observatório Justiça e Conservação; e Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental.

Dentre as denúncias, está a substituição da vegetação nativa por reflorestamento com espécie exótica - toda espécie que se encontra fora da sua área de distribuição natural - como, por exemplo, o pinus. Foi evidenciada a extinção de Área de Preservação Permanente (APP) de campo úmido nativo, hídrico e de nascente, por uso agrícola e/ou de floresta comercial.

Plantação de pinus prejudica vegetação nativa da região. Sua madeira é utilizada, principalmente, por indústrias de celulose e papel, resina e madeira.
Foto: Mirna Bazzi

O deputado Rasca Rodrigues, que também compõe a ​Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Paraná, alega que o projeto de redução prejudica a biodiversidade da região e que, em termos ambientais, o plantio de pinus é preocupante. Segundo ele, há um avanço desse plantio sob a crista da Escarpa, e isso não é permitido nem dentro de uma APA, nem em um parque. A árvore possui raízes longas que sugam a água do solo e impede o desenvolvimento de outras espécies de vegetação local.

Para Clóvis Borges, diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental, ao analisar as imagens de satélite da APA fica evidente um campo alagado drenado para a plantação de pinus. “Os crimes não podem ser motivos para reduzir a APA, os ruralistas e as empresas precisam ser penalizados por essas infrações”, defende o ambientalista. Para ele, fica claro um acerto entre Palácio do Governo, Assembleia Legislativa, ruralistas e grandes empresas ligadas ao agronegócio. “Há uma falta de identidade e de caráter do governo ao se entregar para qualquer pressão econômica. Diminuir uma APA é uma atitude inaceitável”.

BENEFÍCIO​ ​PARA​ ​QUEM?

O Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Ecológico é um percentual repassado aos municípios conforme os tipos de unidades de conservação presentes na região, e as práticas de preservação do meio ambiente adotadas por eles. A APA da Escarpa Devoniana recebe 74,48% de todo o ICMS Ecológico dos municípios da região, totalizando R$ 6.209.804,57 em 2016. Se for reduzida, quase R$ 5 milhões seriam abstraídos dos municípios anualmente, considerando o valor do ano passado.

Com 71,30% do território dentro da Escarpa, o município de Balsa Nova seria o mais atingido pela medida. O deputado Péricles de Mello destaca a importância dos valores recebidos através do ICMS Ecológico e diz que o destaque não está na produção agrícola, mas no investimento. “Hoje, para um município como Balsa Nova, receber R$ 1 milhão por ano é muito. Os municípios estão falidos, recebem apenas para a manutenção e não tem dinheiro para investimento, essa verba acaba sendo muito importante”, destaca o deputado. Os deputados que defendem o projeto argumentam que o ICMS chega aos municípios mantendo apenas as áreas florestais que fazem parte da Escarpa.

Fonte: Informações do IAP e arte de Danielle Farias

A discussão acerca dos impactos que a redução da área pode gerar envolve, além do patrimônio ambiental e geológico e de questões econômicas, o turismo. Locais como o Buraco do Padre, Cachoeira da Mariquinha, Canyon Guartelá e o Parque de Vila Velha estão dentro da APA e geram renda para os Campos Gerais a partir de atividades turísticas. Péricles de Mello chama a atenção para o prejuízo turístico que o projeto de lei representa. “Se esse projeto for aprovado, vamos transformar os

Campos Gerais em uma área de pinus, que é o que já vem acontecendo, com ou sem a APA. O turista não vem para ver vegetação exótica, nem a poluição das nascentes como o Rio Tibagi e Rio Iguaçu”, enfatiza, contrariando o que diz o presidente do Sindicato Rural, Gustavo Ribas, sobre a insuficiência do aproveitamento turístico da região.

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A Cachoeira da Mariquinha e o Buraco do Padre são pontos turísticos de Ponta Grossa conhecidos por suas belezas naturais. Ambos estão localizados na APA da Escarpa Devoniana.

Fotos: Mirna Bazzi

CONSTITUCIONALIDADE QUESTIONADA

O projeto de lei que visa à redução de 70% da APA da Escarpa Devoniana surgiu a partir de um levantamento realizado pela Fundação ABC - que, vale lembrar, é mantida por grandes empresas do agronegócio favoráveis à redução - em relação à área de proteção ambiental. No estudo foi constatado que somente 30% daquele território deveria ser preservado. Segundo o deputado Plauto Miró, 237 mil hectares da APA são áreas de agricultura, pecuária e reflorestamento, não configurando um espaço de proteção. O novo perímetro proposto pretende excluir a área agricultável e parte das reflorestadas, conservando os pontos de interesse ecológico, conforme exige a legislação.

O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 prevê que uma unidade de conservação ambiental pode ser reduzida por lei, desde que proteja a fauna e flora e que não provoque a extinção de espécies na área. O membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-PR, Aristides Athayde, defende que os deputados que criaram o projeto de lei interpretaram equivocadamente o que diz o artigo 225. “É inconstitucional porque vai contra a convenção da biodiversidade, deixa de proteger a Mata Atlântica, ameaça a fauna e flora da região e vai contra o bem estar da população”, alega o advogado.

Em setembro deste ano, o deputado Luiz Romanelli retirou sua assinatura e consequente apoio à proposta de redução, alegando que, após uma análise realizada com técnicos ambientais, constatou que o estudo realizado pela fundação ABC desconsidera fatores como, por exemplo, os recursos hídricos da região e questões relativas ao meio ambiente, especialmente à biodiversidade local. O projeto de lei está sendo analisado por um grupo de trabalho da Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais e ainda não tem prazo para ser concluído.

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