Vestígios do corte realizado na área. Ao fundo, a avenida João Manoel Ribas. | Foto: Gabriel Miguel

Em fevereiro de 2018, a Polícia Militar Ambiental (PMA) embargou uma área verde em Ponta Grossa, na região entre a Nova Rússia e o Centro, após interceptar dois homens que cortavam árvores no terreno. Ao afirmarem que a autorização de corte foi concedida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, os policiais demarcaram o terreno para realizar estudos técnicos sobre a área. Em 10 de março, a PMA foi ao local novamente e prendeu três homens que estavam desmatando a área, além de seu equipamento, alegando que o prazo para o levantamento técnico foi descumprido pelo dono do imóvel.

 

 

O terreno fica localizado entre a avenida João Manoel dos Santos Ribas e a rua Barão de Tefé, e “interrompe” a rua Barão de Cerro Azul. Do outro lado da avenida há outra área verde, de maior tamanho. A área é de leve declividade e desde antes de ser desmatada é cercada por muros de concreto. Há fonte de água presente no terreno. Da vegetação, restam poucas plantas baixas e a única árvore mantida é uma araucária, planta em estado crítico de extinção e protegida por lei, que institui multa de no mínimo R$ 500 pelo corte de um espécime.

 

 

Ao analisar o incidente, percebe-se que há várias discordâncias entre as entidades públicas de proteção e fiscalização de meio ambiente. De um lado, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e a PMA que condenam o ocorrido e alegam se tratar de uma Área de Proteção Permanente. Do outro lado, a Secretaria de Meio Ambiente, que justifica a autorização concedida com um relatório sobre características do terreno.

 

 

Possíveis consequências do desmatamento

 

 

“O que foi feito, na área em questão, é legal, mas o questionamento é moral”, provoca a professora Silvia Méri Carvalho, do Departamento de Geociências da UEPG sobre a autorização dada pela prefeitura. Para a professora, é justificável o desmatamento da área se for para trazer mais melhorias para o público do que se fosse mantida. O que não se justifica, segundo Carvalho, é transformar a área por ela ser usada para despejar lixo ou realizar práticas ilícitas de roubo e prostituição - como constava no relatório - que deveriam ter sido cobradas previamente do proprietário.

 

 

De acordo com o relatório da Secretaria de Meio Ambiente e a Secretaria de Infraestrutura e Planejamento, a fonte de água identificada pelo IAP no local é apenas parte de uma tubulação rompida de água pluvial. “Muitas vezes as nascentes não são visíveis, mas me parece que essa área pertence à bacia do Arroio da Ronda, que deságua no rio Tibagi”, explica a professora sobre a presença de uma fonte de água no local. Segundo ela, o desaparecimento de nascentes e as áreas que as protegem, é prejudicial para o sistema de água da cidade, pois reduzem os recursos hídricos e desequilibram o ecossistema.

 

 

Para Carvalho, o que ocorreu no lote em questão foi fruto de uma ação de especulação imobiliária, em que se esperou valorizar um lote vazio em uma área relativamente nobre para colocar uma obra em prática.

 

 

“A área provavelmente não é de preservação por não apresentar funções ambientais, mesmo assim, ela ajuda a regular o clima da região, o solo e a hidrografia”

 

 

A construção de uma rua no local pode causar impermeabilização do solo, o que dificulta a passagem da água captada da chuva para os cursos d’água e favorece a formação de piscinas e escoamento da mesma para o asfalto, considerando a declividade da área em questão, declara a professora. Ela comenta a probabilidade do problema de erosão relatado no local pode estar ligado à falta de vegetação nativa suficiente para absorver a chuva. “A erosão é um processo natural, mas que é acentuado pela interferência humana”, explica. “Era interessante manter uma cobertura vegetal, de preferência nativa visto que é uma área declivosa e que vai abastecer outras fontes d’água, declara. A professora Silvia Carvalho complementa questionando até que ponto essas obras trarão melhorias para a comunidade, se comparadas às questões levantadas acima sobre as consequências de se retirar vegetação nativa do terreno.

 

Trâmites do processo

 

 

Segundo a assessoria do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), deve-se primeiramente lembrar que tanto as pessoas físicas ou pessoas jurídicas quando autuadas, respondem administrativamente junto ao IAP, e judicialmente através do Ministério Público. A entidade ambiental enfatiza que os casos que chegam para o IAP são caracterizados como processos administrativos, e não judiciais.

 

 

A partir da data de autuação, os três indiciados envolvidos na questão tiveram o prazo de 20 dias para apresentar a defesa administrativa, que atualmente segue para avaliação dos técnicos da Instituição e depois para execução fiscal.

 

 

Ao todo foram lavradas seis multas que levaram em consideração a realização de atividade em área de Preservação e o descumprimento do embargo feito pela Polícia Ambiental. As multas foram, segundo a assessoria, de R$ 10 mil ao proprietário do terreno por descumprir o embargo e outras quatro de R$ 5 mil cada ao proprietário do terreno, dois operadores / executores do corte e ao administrador da atividade por destruir floresta nativa em Área de Preservação.

 

 

De acordo com o Decreto Federal nº 6.514/08 que trata das sanções administrativas e Lei Federal nº 9605/1998, que trata especificamente da Lei dos Crimes Ambientais, as multas podem ter seu valor reduzido em até 30% - desde que os danos, objeto dos Autos de Infração Ambiental sejam reparados e/ou compensados. Caso os autuados não paguem a multa, os mesmos serão notificados e não vão conseguir a Certidão Negativa do Órgão Ambiental no sistema fiscal do estado, sem poder obter mais nenhum licenciamento e/ou autorização ambiental de forma permanente e ainda empréstimos em Instituições Financeiras e ainda impossibilitados de participarem de licitações.

 

 

O IAP não se manifestou em relação à autonomia do município para emitir licenciamentos ambientais ou autorizações florestais. A autonomia e atribuição do município para atuar em áreas urbanas estão definidas em Lei Federal Complementar nº 140/2011 e Resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente CEMA nº 088/2013, esclarece o Instituto.

 

 

Desconfiamos da autorização da prefeitura, porque o terreno em questão possuía uma área de proteção. Embargamos a área em fevereiro para que o IAP pudesse apresentar um parecer conclusivo sobre o corrido” comenta um agente da polícia ambiental que participou da operação e preferiu não ser identificado. O agente ressalta que se fez necessária essa ação porque o IAP (Instituto Ambiental do Paraná) é uma autoridade ambiental superior às decisões dos órgãos municipais.

 

 

Ele ainda relata que a prisão dos indivíduos em questão se deu pelos crimes de desobediência de uma ordem verbal - de encerrar o corte durante o período de análise - e de destruição de uma área de preservação, que os levou a serem encaminhados à delegacia de Polícia Civil para apurar a ocorrência. Segundo o PM, o terreno se configura como uma Área de Proteção Permanente pois o IAP constatou a presença de recursos hídricos no local.

 

 

Contradição dos órgãos locais

 

 

De acordo com André Pitela, diretor de fiscalização e responsável pela liberação de autorizações, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, todo o processo de corte do terreno ocorreu de forma legal, e se justifica pelo estado em que se encontrava o local. Ele comenta que no boletim de ocorrência dos indivíduos que realizavam o corte consta que eles possuíam o amparo legal para tal, “não há provas legais para a prisão dos envolvidos”, afirma.

 

 

Segundo o diretor, a área foi doada para o município em 1999 para a ampliação da rua Barão de Cerro Azul pelo advogado e agricultor Lucio Miranda. Pitela comenta que o imóvel será dividido em três partes, sendo que duas delas serão destinadas à prefeitura, para a construção de uma rua e uma praça, e a outra ficará para o antigo proprietário. André Pitela ainda comenta sobre a autonomia da prefeitura para este tipo de situação afirmando que a autorização para ocorrido se enquadra como uma licença geral, e é amparada pelo Decreto n° 14085 de 20 de fevereiro deste ano.

 

 

O decreto afirma que cabe ao município a fiscalização e punição de crimes ambientais, e segundo o diretor de fiscalização, o ocorrido em 10 de março não se enquadra como crime, por ter sido analisado pela Secretaria de Meio Ambiente, que publicou em relatório, apontando supostos problemas envolvendo a área. O relatório foi levantado após questionamento do Conselho Municipal de Meio Ambiente sobre a existência de nascente na região e afirma que a autorização foi embasada na Lei Municipal n° 12.707/2016, que regula o corte a partir da Secretaria de Meio Ambiente e criminaliza ações irregulares.

 

 

 

Segundo a Secretaria de Infraestrutura e Planejamento de Ponta Grossa há um projeto confeccionado pela mesma, que prevê a abertura de uma rua através deste terreno. O Departamento de Patrimônio da Prefeitura Municipal declara que a área é particular, mas que o responsável por ela demonstrou interesse para a doação, onde deve ser executada a construção de uma nova via.

 

 

Porém, para essa doação acontecer, o terreno precisa ainda ser desmembrado pelo dono do terreno e será necessário identificar os verdadeiros proprietários para adquirir liberação definitiva para prosseguir com obras. Segundo a secretaria, ainda não foi feito, uma vez que foi localizado apenas o dono de parte do terreno. De acordo com a SMMA, porém, o terreno já havia sido doado há vários anos.

 

 

O proprietário em questão seria Lúcio Miranda, como aponta André Pitela, da Secretaria de Meio Ambiente. Contudo, ao ser questionada sobre a posse do terreno, a equipe técnica de Miranda afirma não estar autorizada para comentar sobre o assunto.

 

 

De acordo com o relatório de vistoria elaborado pela Secretaria de Meio Ambiente, o local foi desmatado em partes por sofrer de um processo de erosão, portanto, quaisquer obras sendo realizadas no local poderiam prejudicar o terreno e os arredores. A Secretaria de Infraestrutura e Planejamento afirma que o problema de erosão pode ser resolvido através do projeto estrutural, mas o projeto não é especificado pelo órgão.

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