A previdência social é um seguro público, coletivo e compulsório integrado ao sistema de seguridade social brasileiro. Todos os trabalhadores economicamente ativos devem aderir ao sistema. Em discussão nas comissões do Congresso, a aposentadoria dos trabalhadores rurais prevê mudança em alguns pontos consolidados nos benefícios dos trabalhadores do campo.
O texto em análise no Senado prevê que a idade mínima de aposentadoria para que trabalhadores rurais seja de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Pela regra atual, a idade mínima para homens é de 60 anos e, para mulheres, 55 anos. Na regra vigente, trabalhadores rurais devem trabalhar no campo no mínimo 15 anos para dar entrada na aposentadoria. Já na proposta enviada ao Congresso pelo Ministro da Economia Paulo Guedes e aprovada na Câmara, o produtor rural terá que contribuir por 20 anos.
"A contribuição para a previdência é por grupo familiar, ou seja, por pessoas que vivem na casa. Por exemplo, uma família que tem pai, mãe e dois filhos, vai precisar de uma contribuição anual de R$ 600, R$ 50 por mês para os quatro", explica o economista Edemilson de Oliveira. "O produtor rural vai precisar contribuir com o governo até completar 20 anos ao longo de toda a vida laboral. Só depois desse tempo, pode pedir aposentadoria", conclui Oliveira.
O tempo de contribuição tem gerado debate entre trabalhadores rurais, sindicalistas e especialistas em previdência social. A professora de Direito Previdenciário da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Jeaneth Stefaniak considera a Reforma da Previdência em trâmite “nociva”, principalmente para mulheres e trabalhadoras rurais. “Os trabalhadores sempre foram tratados de forma diferenciada. Com a reforma, eles não vão ter aposentadoria, nem auxílio assistencial. O caso mais grave é o da mulher que cumpre dupla jornada, não contribui para a Previdência e, mesmo que produza prova, não receberá nenhum benefício”, afirma a advogada.
No Paraná, há cerca de 1.531.834 pessoas vivendo em área rural segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desses, 262 mil homens e 40 mil mulheres usam o plantio como fonte de renda segundo o instituto de pesquisa. Em Ponta Grossa, vivem em área rural 3.631 homens e 3.247 mulheres, total de 6.878, pessoas. Destes, 1.258 depende do campo para ter seu sustento, sendo a principal fonte de renda dessas pessoas a venda de verduras e frutas.
A trabalhadora rural Genecilda Loureço Gotardo trabalha no campo desde os 12 anos. Para ela, a reforma proposta por Bolsonaro vem para atrapalhar camponeses que trabalham desde cedo sem carteira assinada e não têm como pagar o valor estipulado pelo governo (600 reais). “Os trabalhadores rurais têm outra cultura. Iniciam desde cedo a trabalhar, ajudando os pais no campo e nos afazeres domésticos. Isso não conta para o governo e enfraquece a agricultura familiar. Pois, o que vai para a mesa do brasileiro é plantado pelo pequeno produtor”, ressalta Genecilda.
Entre os pontos da reforma, a proposta prevê o aumento da idade mínima para aposentadoria para os demais trabalhadores urbanos, das iniciativas pública e privada: 62 anos para mulheres e 65 para homens. Para receber a aposentadoria integral, o trabalhador precisa somar 40 anos de contribuição. Fora isso, o valor da aposentadoria resultará da média aritmética dos salários durante todo o tempo de contribuição.
No início de abril, líderes da base do governo na Câmara Federal sinalizaram que seria possível excluir da reforma os trabalhadores rurais, porém nenhum ajuste foi feito sobre o tema. Dados do Ministério da Agricultura de 2018 indicam que o plantio familiar movimentou cerca de R$ 55 bilhões. Os pequenos produtores produziram 70% do feijão e 34% do arroz consumidos pelo brasileiro.
O deputado estadual Tadeu Veneri (PT-PR), líder da oposição no Paraná afirma que a Reforma Previdenciária do Governo Bolsonaro se compara às reformas adotadas pelo ex-governador do Paraná Beto Richa, visando enfraquecer os mais pobres e dar lucros aos grandes empresários do campo. “O que vemos desse governo [federal] é uma cópia do que [Beto] Richa [ex-governador do Paraná de 2011 a 2018] fez com os pobres. Tenta enfraquecê-los com medidas autoritárias, abusivas e retirando-lhes direitos, ao mesmo tempo dando benefícios e criando leis que protegem os grandes produtores rurais. Vemos como um absurdo tirar o direito à aposentadoria dessas pessoas e um abuso fazer com que paguem 600 reais por mês por 20 anos”. Para Veneri, uma possível reforma da previdência estadual deve ser combatida. “O Ratinho Júnior vem querendo criar uma reforma na previdência do estado. As primeiras medidas que esse governo vem tomando podem prejudicar ainda mais quem depende do campo para trabalhar e tira seu sustento dele. É necessária a união dos partidos da oposição, das esquerdas, dos sindicatos, para não deixar isso acontecer”, afirma o deputado.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ponta Grossa, Antonio Ostrufk, afirma que a reforma prejudica o trabalhador do campo. “Essa reforma vem para prejudicar os trabalhadores que dependem do campo em Ponta Grossa. A maioria das pessoas que depende do campo para ganhar seu sustento são pequenos produtores, que dependem de vender em feiras, na rua, e não ganham muito [dinheiro] com isso. Por isso, a maioria não tem a capacidade financeira de pagar, por 20 anos, um valor absurdo como esse que o governo quer que paguem”, alega o sindicalista.
Ostrufk, ao ser questionado pela reportagem se o presidente age com autorismo na reforma da reforma da Previdência, afirma que Bolsonaro tenta prejudicar os trabalhadores do campo. “Do modo como essa reforma vem sendo construída, como salvadora da economia mesmo tendo que sacrificar os direitos construídos por anos de lutas, não pode ser visto como normal ”, ressalta.
A proposta de emenda constitucional (PEC) da Reforma da Previdência, enviada à Câmara dos Deputados em 20 de fevereiro passado, pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em 24 de abril, por 48 votos a favor, 18 contrários e duas ausências. Para aprovação, era preciso 50% mais um do total de 68 integrantes da CCJ. Em 30 de abril, a proposta foi encaminhada à Comissão Especial, que analisou os pontos da reforma, entre eles, a idade mínima para aposentadoria, tempo de contribuição e as regras de transição considerando o texto constitucional. A comissão teve 40 sessões na Câmara Federal e, em seguida, foi encaminhada para votação em plenário 12 de julho. A PEC começou a tramitar de fato no Senado no dia 14 de agosto. Apesar de haver destaques no projeto, a reforma apresentada pelo Ministro da Economia Paulo Guedes foi aprovada quase em sua íntegra, o que desagradou sindicatos e trabalhadores.
Reforma em outros governos
O últimos quatro governos federais propuseram reformas na previdência social dos trabalhadores rurais e civis. No governo Fernando Henrique Cardoso, os deputados aprovaram, em 1999, a lei do “fator previdenciário”, onde se leva em conta a idade, o tempo de contribuição, a expectativa de vida do trabalhador e a alíquota da contribuição.
Quatros anos depois, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso proposta semelhante à de Bolsonaro para tentar mudar as regras para a aposentadoria. Lula propunha que cidadãos contribuíssem por 20 anos com a previdência, para que pudessem se aposentar com a idade mínima de 55 anos (mulher) e 60 anos (homem).
Dilma tentou seguir os passos de seu antecessor no projeto de reforma da previdência, propondo idade mínima para aposentar e um valor limite para o benefício, mas o texto não foi enviado ao congresso nacional em função do impeachment.
O governo de Michel Temer também tentou fazer reforma no setor previdenciário brasileiro, sendo que um dos principais pontos de discussão era a contribuição ao INSS por pelo menos 25 anos para obter benefício. Para que o aposentado recebesse o valor integral da aposentadoria, ele teria que contribuir por 49 anos.
Arquivo Portal Periódico
08/03/2017 - MST protesta contra a reforma da Previdência
14/06/2019 - Reforma da previdência pode gerar empobrecimento da população
20/12/2016 - Ato contra a reforma da previdência reuniu representantes de organizações sociais
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Repórter: Luiz Zak
Edição: Luiza Sampaio
Supervisão: Angela Aguiar, Helena Máximo, Fernanda Cavassana,