Vista panorâmica em 360° de Ponta Grossa.| Foto: Angelo Rocha
Verticalização moderniza a cidade, porém, desconsidera função social de edifícios: tendências específicas na hora de levantar prédios geram debilidades urbanas.
Ponta Grossa conhecida histórica e nacionalmente por ser um entroncamento ferroviário em que três vias importantes da cidade serviam como vias férreas no passado. Para a arquiteta e pesquisadora Nisiane Madalozzo, os caminhos ferroviários se tornaram um atrativo para a construção de grandes edifícios. A ferrovia influenciou a distribuição espacial e os vetores de verticalização da cidade: “A atração por ferrovias desativadas acontece porque são áreas planas e grandes”. A pesquisadora aponta a desigualdade socioespacial causada pelo desenvolvimento urbano “enquanto pessoas mais ricas moravam em vias específicas, a população mais pobre vivia em beiras de rios”. Sobre o contexto atual a pesquisadora completa: “o rio começa a ser grande atrativo para condomínios fechados, e as ferrovias para edifícios altos.”.
Após a retirada das ferrovias da cidade, o espaço não pode ser utilizado por cerca de 20 anos porque a área pertence ao governo Federal. Com o passar do tempo esse terreno localizado na região central se valorizou, até o momento em que a prefeitura conseguiu posse da área e as pessoas que moravam ali foram expulsas. Para o engenheiro Joel Larocca, a desigualdade da cidade se explica por uma série de fatores, a expulsão dos pobres do centro da cidade é o maior deles. Segundo Larocca, a mentalidade da população é a de que pobre tem que morar longe. Das 11 cidades de porte médio do Paraná, Ponta Grossa tem o maior sistema viário e a menor densidade demográfica: “aqui se viaja mais longe pra se fazer tudo”, explica o engenheiro. No Paraná, o município de Ponta Grossa foi o que mais recebeu loteamentos afastados da área central nos últimos anos. Larocca acredita que existem duas verticalizações, a do pobre e a do rico. Os loteamentos do Minha Casa, Minha Vida são exemplos da segunda, conclui Larocca: “os prédios são construídos sempre a um raio de quatro quilômetros do centro, com muitos apartamentos, enquanto isso, o centro não densifica porque os prédios construídos na área central são luxuosos, com um apartamento por andar.” No último censo divulgado, o centro perdeu mais de mil habitantes, enquanto alguns bairros ganharam mais de oito mil.
Joel afirma ainda a complexidade do contexto social do lugar em que essas pessoas vão morar: “embora paguem cinquenta reais de prestação em suas casas, no final do mês vão gastar quase duzentos reais de transporte, antigamente elas não gastavam nada”. Como Ponta Grossa possui um centro comercial, as pessoas precisam ir até a região central para acessar serviços “a prefeitura joga muita coisa fora por falta de planejamento”, conclui Joel.
Contexto histórico de verticalização em PG
A verticalização é interpretada como um dos símbolos mais importantes da modernização urbana. Gera impactos em questões sociais, culturais, políticas e econômicas. Segundo a geógrafa e pioneira nas pesquisas sobre edificações na cidade, Cicilian Sahr, o marco inicial da verticalização de Ponta Grossa é o Edifício Ópera, construído em 1947 na rua XV de Novembro, com seis pavimentos.
Entre 1947 e 2010, 527 prédios foram construídos. No ano de 2011, a lei municipal 6329/99 que aborda sobre uso e ocupação do solo, ganhou um anexo em seu artigo 28: “em terrenos urbanos com área superior a 1000 m² situados em Zona Comercial, o número de pavimentos será livre”, portanto, sem limite de altura. Desde o anexo da lei até 2016, 336 prédios foram construídos, segundo pesquisa de Joel Larocca, engenheiro civil.
Departamento de Urbanismo, arquiva todos os alvarás referentes à construção civil na cidade, os números de 2017 e 2018 não foram obtidos. Em pouco mais de cinco anos edificou-se mais da metade do que se havia construído em 60 anos.
Em 2015, o Ministério Público escreveu uma recomendação à Prefeitura Municipal de Ponta Grossa para revogar a legislação que segundo o MP: “tornou Ponta Grossa uma das únicas cidades do planeta a permitir construções de prédios sem um limite do número de pavimentos”.
Cicilian afirma que já no começo de seu estudo, há 20 anos, projetou a situação de liberdade na construção civil em que a cidade se encontra atualmente: “a mudança na lei de Zoneamento que liberou o número de pavimentos em lotes com mais de 1000 m², se tornou o marco contemporâneo do descontrole da verticalização”. Para a geógrafa, as incorporadoras de grande porte viram um diferencial em relação a outras cidades: “esse foi o convite para se auferir ganhos com mais facilidade e explica o boom da verticalização sem limites de altura na qual vivenciamos”, completa Cicilian.
A arquiteta e urbanista Karla Stamoulis trabalha no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Ponta Grossa (IPLAN) e acredita que a legislação ajudou no processo: “O que a gente considera que deu bastante margem para a verticalização foi a inclusão na lei 6329”. Já para o engenheiro Larocca, a lei foi um “aprofundamento de um escândalo que já existia”.
Entre os anos de 2002 e 2004, Joel Larocca foi presidente do IPLAN e conta um pouco sobre a história do planejamento urbano na cidade: “o primeiro plano diretor foi confeccionado no ano de 1967”, antes disso apenas a capital Curitiba possuía um documento. Durante seu mandato como presidente do Instituto, foi contratada uma empresa para confecção de um novo plano diretor; no entanto, em 2004 com a mudança de gestão municipal o contrato foi cancelado e todo o trabalho vetado. “Os políticos idealizam planos diretores como se fossem deles, invés de ser da cidade, e se algum político contrário ganhar eles não deixam o plano diretor vigorar”, afirma Joel.
A partir de 2011 houve um aumento significativo de edificações na cidade. | Foto: Ingrid Petroski
Plano Diretor municipal passa por revisão desde Março
O Plano Diretor, obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes serve para planejar o desenvolvimento de expansão urbana. O artigo 182 da Constituição Federal de 1988, define que a política de desenvolvimento urbano deve “ordenar o desenvolvimento das funções sociais e garantir o bem-estar de seus habitantes”.
Em Ponta Grossa, o Plano Diretor vigente é de 2006. Em 2016, nova proposta foi feita e deveria ser revisada por uma empresa, porém, a licitação não conseguiu ser cumprida e o contrato foi rescindido. Em março de 2018, uma nova empresa foi contratada para a revisão do plano que tem 330 dias para entrar em vigor. Nisiane Madalozzo, já foi coordenadora de projetos do IPLAN e afirma que nunca existiu planejamento urbano efetivo em Ponta Grossa e que embora todos os planos diretores da cidade fossem bem elaborados, não foram seguidos: “fazer o plano diretor não resolve o problema de ninguém, aplicar o plano sim, mas isso nunca aconteceu”.
Karla Stamoulis conta quais as mudanças do novo Plano Diretor: “a maior expectativa é revisar a lei de Zoneamento porque a cidade é dinâmica e alterou bastante, nosso perímetro urbano hoje é bem recortado com várias alterações pontuais”.
A arquiteta ainda comenta que o plano visa regulamentar algumas tipologias não existentes na cidade, como condomínios com vários prédios e condomínios fechados.
Verticalizar de forma planejada traz benefícios
Segundo a arquiteta e urbanista Luana Santos a verticalização tem pontos positivos e negativos. Os prédios podem causar sombreamento, mudanças na temperatura, microclima; corredores de vento, aumento de fluxo de veículos. “O planejamento é necessário para verticalização e assim, não haveria problemas de infraestrutura sendo possível reduzir impactos negativos”, reforça Santos.
Com uma verticalização bem estruturada e planejada, percebe-se pontos positivos: como a geração de empregos, desenvolvimento, diminuição de deslocamentos e o adensamento de pessoas, diminuindo o crescimento horizontal da cidade.
Os moradores de arredores de edifícios pontuam impactos das obras em suas vidas. Lariane Horn, servidora privada, conta que o fluxo de pessoas e carros na vizinhança a preocupa: “tenho medo de deixar meus filhos ficarem no lado de fora”. Ela menciona que a obra traz poluição sonora e sujeira, mencionando também que a verticalização é necessária: “significa que a cidade está aumentando”.
Vera Fetzer é consultora de empresa e comenta que a edificação próxima valorizou seu imóvel, porém, a obra trouxe alguns incidentes: “o vento derrubou um andaime, ninguém se machucou, mas com o barulho levamos um susto”.
Ana Márcia Deldoto, 56, comerciante, tem um estabelecimento e a casa de familiares ao lado de um prédio de 16 pavimentos inaugurado há quatro anos. “O sol batia em toda a casa, agora não bate mais e a casa ficou fria, gera mofo e bolor”, lamenta. A circulação de pessoas e carros aumentou, diminuindo a segurança. Deldoto entende que a cidade tem que crescer: “eu não esperava que o edifício seria tão alto, ficou aleatório”.
O sombreamento que construções altas causam também impactou a aposentada de 67 anos, Adele Pereira. “só tem sombra, a casa de madeira ficou fria, moro a 42 anos aqui. Tinha que construir um monte de casa bonita e grandona”. Clayton Capri, 60, aposentado revela que a privacidade diminuiu: “não pode mais trocar de roupa com a janela aberta, antes podia”.
Por Ingrid Petroski
Estudos de Impacto de Vizinhança (EIVs) faz parte de um bom planejamento, mas podem ter efeitos contrários ao esperado
O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) é necessário em todos os edifícios com mais de 50 apartamentos. Quem faz o estudo é IPLAN. De acordo com a arquiteta Stamoulis, cada estudo tem suas peculiaridades: “é caso a caso, mas o impacto em comum é no trânsito, no fluxo de pessoas e de veículos. Já pedimos melhorias em projetos nos pontos como meio ambiente, sistema viário, calçadas, na arborização, sistema de drenagem”.
A geógrafa Cicilian critica o estudo regulamentado na cidade, realizado como uma forma de viabilizar empreendimentos: “os EIVs não apontam impactos dos empreendimentos e quando apontam estes são subestimados, levando a adoção de medidas que minimizam, mas não compensam os problemas de sua construção”. Para a geógrafa a ideia de verticalização é “vendida” com sucesso, como sinônimo de progresso e desenvolvimento, colocando as pessoas que a questionam como “atrasadas”.
Perspectivas econômicas interferem de maneira complexa na verticalização
Segundo Joel Larocca, que possui mestrado em economia, “existem verticalizações e verticalizações, mas edifício alto demais é vaidade”. Ponta Grossa é exemplo disso: embora possua o maior Produto Interno Bruto Industrial (PIB), do interior, ainda é a mais pobre dentre as cidades médias do estado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Prédios muito altos são totalmente antieconômicos no ponto de vista por m², e quem pode pagar isso é apenas 4% da população de Ponta Grossa, quem ganha mais de vinte mil reais por mês”, pontua Laroca.
Larocca explica que a tendência à verticalização existe em toda cidade média, a diferença se encontra nos motivos para se verticalizar, algumas verticalizam por motivos sociais como Juíz de Fora/MG que é um grande polo educacional, outras pela pobreza do solo e perímetro urbano reduzido como é o caso de Santos/SP, a cidade mais vertical do Brasil.
Para Madalozzo, um dos maiores problemas são bairros majoritariamente horizontalizados, que têm demandas para um número de pessoas, e ganham prédios, que exigem uma infraestrutura mais complexa: “quando se pega um contexto apenas com casas e se coloca um prédio, é preciso refazer toda estrutura de acordo com essa nova demanda, e esse novo planejamento é feito com dinheiro público.” A prefeitura tem como obrigatoriedade atender todo mundo dentro do perímetro urbano: “não se pode negar levar água, esgoto ou caminhão de lixo até esses lugares”, cita a arquiteta.
Mudanças na lei de Zoneamento afetam estrutura social da cidade
É uma legislação do planejamento urbano que regulamenta o uso e ocupação do solo urbano para estimular o uso adequado e controlar as densidades. Ponta Grossa é subdividida em 13 zonas, cada uma com características e parâmetros para construção. A modificação de zoneamento é inconstitucional se for feita sem participação popular.
Retirado do site da prefeitura Municipal de Ponta Grossa.
Com as mudanças de zoneamento, o perímetro urbano da cidade acaba aumentando gradativamente. Joel Larocca explica que ainda que não haja literatura específica sobre o tema, padroniza-se que uma cidade consiga concentrar em seu perímetro urbano o dobro da população atual residente: “cidades consideradas normais em relação à proporção urbana e seu zoneamento, raramente ultrapassam a marca do dobro do número de habitantes”, comenta Joel.
Em Ponta Grossa, esse número chega a seis milhões de pessoas, ou seja, seria necessário multiplicar vinte vezes a população atual da cidade para que o número de habitantes que cabem no zoneamento fosse alcançado.
Para Cicilian, embora as abordagens modernas de planejamento urbano tentarem encarar a verticalização em Ponta Grossa como forma de controlar a expansão horizontal e consequente aumento do zoneamento urbano, a verticalização não possui disciplinamento de mercado: “o que vivenciamos paralelamente ao crescimento vertical, foi o descontrole também do crescimento horizontal, com construções de loteamentos em áreas de vazio urbano”, conclui Sahr.
Pesquisadores esperam o planejamento urbano ocorra efetivamente em Ponta Grossa.| Foto: Ingrid Petroski
Projeções para o futuro do planejamento urbano são pessimistas
“A gente vai buscar estudar como fazer a verticalização já que há interesse das construtoras e da população. Essa verticalização está ocorrendo sem planejamento.” reitera a arquiteta Stamoulis.
Um dos sinais mais visíveis dos efeitos da verticalização é o aumento populacional e de veículos, para Cicilian o que acontecerá é um grande colapso dos fluxos urbanos: “o que se projeta para a cidade é a redução progressiva da qualidade de vida urbana”, a geógrafa ainda afirma que a construção civil, atualmente um dos maiores geradores de renda da cidade sofrerá uma curva de desvalorização, concluindo com um discurso contra a impotência da administração pública “o que poderia se prevenir hoje com um planejamento e controle efetivo, terá que ser tratado com ações apenas paliativas no futuro”.