O ataque violento que teve como consequência a morte do massoterapeuta ponta-grossense Sandro Murilo Pedrozo, no dia 18 de junho, aconteceu um mês após a data que celebra o Dia Internacional Contra a Homofobia - no dia 17 de maio. O caso ganhou repercussão nas redes sociais, onde amigos e familiares da vítima manifestaram que o motivo do crime teve relação com a homossexualidade de Sandro.
De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, no dia 18 de junho de 2017, às 06h58min, Sandro Murilo Pedrozo foi atacado violentamente com socos, chutes e “pisões” na cabeça e teve seu aparelho celular roubado. Pedrozo ficou 25 dias internado, não resistindo aos ferimentos e veio a óbito em decorrência de um traumatismo craniano, sem a chance de contar a versão do acontecido. De acordo com o advogado do caso, Fernando Madureira, “o acusado não prestou depoimento no momento da prisão, se reservando ao direito de falar em juízo”. As audiências para ouvir as testemunhas e o réu começaram nesta terça-feira, dia 26 de setembro.
Segundo Madureira, que advoga para a família de Sandro, sem o depoimento de nenhum dos lados e com as evidências conforme imagens das câmeras de segurança de uma residência próxima ao local do crime, o inquérito do caso foi concluído pelo delegado responsável e encaminhado ao Ministério Público, que ofereceu a denúncia como latrocínio. O latrocínio é o crime de roubo seguido de morte, em que a pena varia de 20 a 30 anos de reclusão. Para o advogado, tecnicamente o caso é assim tratado pela evidência dos fatos. A família de Sandro, no entanto, não ignora a homofobia como motivadora do crime.
Apenas com os depoimentos do acusado, das testemunhas e com o desenrolar do processo é que será possível saber se a homofobia foi motivo da brutalidade que levou o massoterapeuta a óbito. Como o Brasil não tem leis específicas que combatam esse tipo de preconceito, casos de violência como essa são registradas em outros tipos de crimes, como injúria, discriminação e agressão, entre outros. A reportagem do Portal Periódico investigou os desdobramentos de uma temática polêmica na agenda pública, e que segue paralisada no âmbito legislativo: a criminalização da LGBTfobia.
CRIMINALIZAR A HOMOFOBIA AJUDA NA DIMINUIÇÃO DA VIOLÊNCIA
Por definição, a LGBTfobia se configura como a hostilidade geral, psicológica e social contra indivíduos que saem do padrão heteronormativo estabelecido na sociedade. O nome pode variar: homofobia, transfobia, lesbofobia, mas todos se referem ao mesmo problema de preconceito contra pessoas LGBTTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Quando o preconceito se materializa, se torna violência, que pode ser tanto de caráter moral, verbal e em muitos casos físico.
Para a presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB PG, Thaís Boamorte, a comunidade LGBT conseguiu, ao longo dos anos, um considerável avanço no que diz respeito aos direitos civis, mas que muita coisa precisa ser feita no âmbito penal. De acordo com a presidente da Comissão, as questões civis envolvem casos de indenização por danos morais, por situações vexatórias, processo de adoção, retificação do nome, redesignação de sexo e as próprias políticas da saúde que o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Ministério da Saúde tem para a comunidade. “A área penal em si carece de legislação faz tempo. Nós temos retalhos, somos uma colcha de retalhos. Por exemplo, a Lei do Feminicídio, Lei Maria da Penha, Lei de Drogas, são retalhos, leis especiais que estão fora do código penal e que a gente joga para dentro dele. No entanto, o crime de LGBTfobia, seja ele uma lesão, uma ameaça ou até mesmo uma morte não está amparado”, explica Thaís.
CADA CASO UM NOVO CASO
Enquadrado na “colcha de retalhos” do Código Penal, a reportagem do Portal Periódico encontrou o caso de Henry Miguel Mathias (23), ponta-grossense, que se define transexual e está em processo de transição. Henry convive com a ausência de uma legislação que criminalize atos homofóbicos e que reflete diretamente no tratamento do processo. O jovem está na Justiça buscando criminalizar a mãe de uma amiga, que mandou mensagens de caráter racista e homofóbico pelo Facebook.
Confira o trecho da entrevista em que Henry detalha a situação:
Mesmo com um discurso racista e homofóbico da mulher que ofendeu Henry, apenas o racismo tem força penal e é crime. “Nesse caso, vai pesar mais o racismo do que a própria transfobia, já que a tipificação para o racismo e a pena agravada existem. Transfobia pode resultar em ‘duas vezes o racismo’, digamos assim, dependendo do legislador. A gente usa esse termo no direito de analogia, de usar o racismo para transfobia e aumentar a pena, por conta da carência de legislação específica”, explica Thaís Boamorte.
INICIATIVAS PARA CRIMINALIZAR A HOMOFOBIA
A busca por uma legislação que criminalize a homofobia também parte da população. De acordo com a Constituição Federal, a sociedade pode apresentar um projeto de lei à Câmara dos Deputados conforme demanda social. As Ideias Legislativas propostas que recebem 20 mil apoios em quatro meses, distribuídos em pelos menos cinco estados da federação, são encaminhadas para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e formalizadas como Sugestões Legislativas. Conforme o artigo 61, parágrafo 2, da Constituição Federal, “A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”.
O ativista paulista Gustavo Valente sugeriu, em 2016, a criminalização da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, equiparando ao crime de racismo. A proposta ultrapassou 78 mil assinaturas favoráveis e está sob a relatoria do senador Paulo Paim (PT-RS). Para Valente, incluir a homofobia na legislação é uma necessidade urgente. “Acompanhei todo o andamento do PLC 122/06, projeto semelhante que foi arquivado no Senado após mais de nove anos de tramitação e, após conhecer a ferramenta E-cidadania do Senado, percebi que poderia apresentar uma sugestão para que o Senado volte a discutir sobre a criminalização da homofobia, pedindo que seja igual a do Racismo”, afirma o ativista.
Com poucas estatísticas oficias de violência contra comunidade LGBT, grupos de defesa realizam o levantamento. De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia, um LGBT morreu a cada 25 horas no país em 2017.
O PLC 122/06 a qual Gustavo se refere é o Projeto de Lei da Câmara proposto para criminalizar a discriminação ou preconceito motivados unicamente no gênero, sexo, orientação sexual ou na identidade de gênero da vítima. O texto do projeto buscava a alteração da Lei do Racismo, que abrange a discriminação por cor de pele, etnia, origem nacional ou religião, incluindo o artigo que trata de motivos homofóbicos. Proposto em 2006, o PLC 122 foi arquivado em 2015.
Em conversa com a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP, na época PT-SP), que participou da relatoria do projeto, ela defende que o arquivamento da PLC 122/06 foi um retrocesso. De acordo com a senadora, o avanço na discussão do tema não acontece porque a bancada da bíblia enxerga como uma criminalização do culto religioso. “Nada disso procede. É preciso vencer esse debate deixando claro que respeito e direitos de cidadania todo mundo quer. Não queremos mexer com a fé de ninguém, mas queremos respeito para todos. Precisa de um debate sério, ético e de transparência”, argumenta Marta Suplicy ao portal Periódico, por e-mail.
De acordo com a senadora, alguns políticos acreditam que votar a favor de pautas como essa pode resultar na perda de eleitores. “Tenho para mim que é mito, algo ainda difícil de superar. As bancadas religiosas não aceitam essa pauta, mas a sociedade – ainda com toda a violência e preconceito – está mais aberta. É uma questão de tempo. Os avanços virão. A comunicação no século 21 é a forte aliada de mudanças”, finaliza.
A IMPORTÂNCIA EM CRIAR UMA LEI QUE CRIMINALIZE A HOMOFOBIA
A ausência de uma lei que penalize ações de caráter homofóbico, lesbofóbico e transfóbico é o principal motivo da falta de dados sobre as mortes do público LGBT. Mesmo com trabalhos reconhecidos como o do Grupo Gay Bahia, que mapeia os casos de violência que acontecem no país, as autoridades afirmam que não existem dados concretos. De acordo com a ONG que é referência em estatísticas sobre essa população, só em 2016, um LGBT morreu a cada 25 horas no país.
Em entrevista coletiva na redação do Periódico, no dia 11 de agosto, o secretário municipal de Cidadania e Segurança Pública de Ponta Grossa, Ary Lovato, apontou que para criar leis específicas para homofobia seria necessário criar estatísticas e números. Confira no áudio:
O discurso é contraditório. De um lado as autoridades afirmam que precisam de números para a criação de uma lei, mas sem uma lei é impossível contabilizar os dados oficialmente, já que esses casos não se configuram como crime nas delegacias do país. A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) em São Paulo, é exemplo de espaço onde é possível denunciar crimes de intolerância com uma efetividade maior. No entanto, na maioria das delegacias não é possível registrar um boletim de ocorrência levando em consideração todos os debates de gênero presentes nos dias de hoje.
A SAÍDA: CONSCIENTIZAÇÃO
Enquanto a realidade no poder legislativo não muda, algumas ações pontuais têm sido feitas por coletivos, grupos e instituições que visam combater o preconceito através da informação. A comissão de diversidade sexual da OAB PG promove palestras e exposições que colocam o tema em evidência na sociedade. “A conscientização é a sementinha que a gente planta pra pessoa entender que tem que ser respeitado”, ressalta Thaís Boamorte.
As universidades em Ponta Grossa também apresentam iniciativas estudantis que buscam tratar de temas LGBT dentro do ambiente acadêmico. Além do Grupo Universitário de Diversidade Sexual e Identidades de Gênero (GUDI) na UEPG, o coletivo Marie Curie, formado por acadêmicos da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR/PG), também promove a discussão do tema através da Semana de Gênero, Ciência e Tecnologia, que na terceira edição, em 2017, tratou a identidade de gênero como tema central. “A existência de espaços como esse são importantes pois, além de atuar na conscientização das pessoas, ajudam a acolher as minorias que sofrem preconceito e opressão na sociedade. Nós, do Coletivo, buscamos sempre mostrar às pessoas que somos um ambiente seguro para quem quiser conversar”, conta Gustavo Waldmann, um dos representantes do grupo.
Além da OAB Diversidade e do Coletivo Marie Curie, outras iniciativas acontecem na cidade, com o objetivo de dar visibilidade ao movimento LGBT. Na semana em que se comemora o Dia Internacional de Combate à Homofobia, o Grupo Universitário de Diversidade Sexual e Identidade de Gênero (GUDI) organizou, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, discussões sobre a vivência LGBT no espaço acadêmico, além de intervenções culturais pelo campus central. O Coletivo Sapataria também organizou no dia 27 de agosto, a primeira Marcha de Visibilidade Lésbica em Ponta Grossa.
Só mesmo a conscientização da população, neste momento, pode levar o Brasil a deixar a vexatória posição de líder no ranking de países que mais matam transsexuais no mundo, por exemplo. É um debate que se impõe diante de um parlamento que parece não estar preocupado com o tema. Ignorar esta necessidade é dar tempo para que mais crimes aconteçam e, não apenas sigam impunes aos olhos da população e da legislação, mas que se perpetuem, banalizando o discurso de ódio.
Confira também:
"Travesti tem sentimento, sente dor, fome, frio", desabafa mulher trans