A iniciativa, desenvolvida a partir da edital do Governo Municipal para promoção da cultura afro, reuniu estudantes da rede pública de ensino e da UEPG

 

A seleção de projeto desenvolvido por estudantes do curso de Jornalismo, a partir de edital aberto pela Fundação Municipal de Cultura, abre espaço para a discussão sobre a participação dos negros na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). A iniciativa resultou, junto a estudantes da rede pública de ensino, na produção do telejornal Representa PG.

Desde 2006, ano em que as cotas para negros foram implementadas na UEPG, 170 negros se formaram.Isso significa 2,55% dos 6.644 formandos, aproximadamente 40 vezes menos estudantes em relação ao número de estudantes não-negros.

A disparidade verificada no ambiente acadêmico é consequência da organização social que, historicamente, submeteu o negro à escravidão. Essa condição acarreta, após o fim desse regime de exploração da mão de obra, em uma ausência de direitos políticos, civis e sociais a essa população. É o que destaca o membro do coletivo Sorriso Negro, Eurico Filho: “Faz 130 anos que se aboliu a escravidão, mas os brancos não deram apoio aos recém-libertos”.

O militante também explica que a dificuldade de inserção do negro em espaços de relevância na sociedade, em comparação a outros estratos étnicos da população, advém da falta de estrutura familiar, social e de um ambiente acolhedor. A carência, ainda de acordo com Eurico, resultaria desse passado histórico.

Outro impacto da história de escravidão e apagamento cultural do negro é a identidade. Os preconceitos e dificuldades de inserção e ascensão na sociedade acarretam na negação de ser negro ou na demora de se assumir como tal. “Sou mulher há vinte anos, mas sou negra há cinco”, relata a estudante de Jornalismo da UEPG, Debora Chacarski. A aluna comenta que ser negra é uma construção e que, parafraseando escritora e feminista francesa, Simone de Beauvoir: “Não se nasce negro, torna-se negro”.

Chacarski entrou na Universidade por cota de escola pública e não por cota racial. Isso porque havia pessoas - os “fiscais de melanina”, como se refere a estudante - que diziam que ela não se enquadraria, em função de seus traços, em cota racial. “Isso dificulta o processo de identificação e afirmação da identidade”, destaca a estudante.

Uma forma de tentar inserir os negros em espaços de relevância social é a cota racial. “As cotas são projetadas por pessoas que querem intervir na organização social para corrigir situações, alguns desequilíbrios, de forma técnica”, explica o militante Eurico Filho.

 

Entenda mais sobre cotas com o membro do coletivo Sorriso Negro Eurico Filho 

 

No curso de Jornalismo da UEPG, não tiveram inscrições para o vestibular para cotistas negros neste ano, de acordo com resultado do vestibular de inverno divulgado pela Coordenadoria de Processo de Seleção (CPS). Apesar disso, atualmente, o curso possui oito alunos que se declaram negros.

A jornalista Kauana Mendes é formada na Instituição. A entrada se deu a partir da aprovação no vestibular de 2009, quando ela se inscreveu-se para uma vaga de cotas para negros.

“As cotas buscam equiparar os danos que sofremos”, afirma se referindo ao passado histórico de escravidão no Brasil. Embora considere que a política “tem uma importância muito grande para os negros que entraram numa universidade”, Kauana defende que este é ainda um avanço pequeno em relação ao que a população negra enfrentou.

A jornalista revela que é a única pessoa da família formada por uma universidade pública e, por isso, enfatiza que é muito importante que não aconteçam retrocessos na sociedade. Ao ser questionada sobre o curso de Jornalismo, Mendes relembra as políticas inclusivas e as discussões que eram fomentadas no âmbito das disciplinas e demais atividades acadêmicas.

 

Estudantes de Jornalismo produzem telejornal com alunos da rede pública de ensino

 

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Estudantes do Colégio José Elias da Rocha participam de projeto ganhador do edital da Fundação de Cultura. |Foto: Guilherme Bronosky

 

Na Semana da Consciência Negra, três alunos do curso de Jornalismo da UEPG, vencedores do Edital 22 da Fundação Municipal de Cultura, este ligado às Expressões e Manifestações da Cultura Afro-brasileira, desenvolveram um telejornal, o Representa PG. O intuito foi despertar o interesse de alunos da rede pública de ensino médio da cidade para cursar Jornalismo.

Oito alunos do segundo ano do ensino médio da Escola Estadual José Elias da Rocha, de Olarias, produziram o telejornal. Dois âncoras, três repórteres e três câmeras vivenciaram a experiência de ser jornalistas de TV.

Após uma oficina de informações básicas sobre produção audiovisual ministrada pelos proponentes do projeto, os jovens puderam colocar em prática os aprendizados e produzir um telejornal protagonizado por negros. As atividades incluíram saídas pelas ruas da cidade e gravação nos estúdios do Departamento de Jornalismo  da UEPG.

Mesmo que a população brasileira seja mais da metade composta por “pardos” e negros, 45,3% e 7,4%, respectivamente, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua 2012), no jornalismo apenas 23% dos profissionais se declaram “pardos” ou negros. Ou seja, 18% e 5%, respectivamente, segundo a pesquisa “Perfil profissional do jornalismo brasileiro” realizada em 2012.

O estudante de Jornalismo da UEPG e um dos produtores do telejornal “Representa PG”, João Guilherme, relata que, como o edital deixava livre a decisão do formato das produções, o grupo escolheu um produto audiovisual por se aproximar da área que atuam.

“Para ficar mais fácil e podermos realizar com mais conhecimento, pensamos em algo do jornalismo. A gente vê que, no jornalismo, existem poucas pessoas pardas e negras, seja na produção do jornalismo, seja mesmo como fontes. A ideia, então, era incluir essas pessoas”, revela.

Segundo João Guilherme, a escolha se deu com o objetivo de despertar o interesse dos jovens pela profissão do jornalismo. O estudante destaca que os estudantes secundaristas envolvidos na produção do telejornal estão em idade de prestar o vestibular.

Além de fomentar uma ação no âmbito do reconhecimento da inclusão da população negra, o projeto buscou ainda despertar os adolescentes participantes o desejo de cursar jornalismo. De acordo com a equipe coordenadora, o telejornal é uma iniciativa incentiva o ingresso no mercado de trabalho, o que pode ajudar a mudar o cenário de baixa representatividade nos jornais.

"É a gente que vai dar voz para eles [negros] porque nem todos podem se manifestar”, comenta o estudante secundarista que foi um dos âncoras do telejornal, Alex Ribas do Nascimento. “Com uma câmera na frente, tem um alcance maior. Mais pessoas podem ver o que a gente está falando sobre eles", completa.

O estudante da Escola Estadual José Elias, que cursa o segundo ano do ensino médio, avalia que entrou no projeto pela inovação que oferecia. “A gente não conhece como é o jornalismo. Participando podemos conhecer coisas novas. A gente vê TV todo dia, mas não sabe como é por trás das câmeras”, aponta.

A aluna Letícia dos Santos Fernandes, que participou da equipe de produção do “Representa PG”, considera a possibilidade de cursar Jornalismo. “Eu aprendi muita coisa [com o projeto], como mexer na câmera, no rádio, como entrevistar e falar com as pessoas", destaca ao contar que o interesse pelo curso aumentou com a participação no projeto.

 

A pluralização dos projetos sobre a cultura afro

O Edital 22 de 2018 recebeu 33 inscrições para a seleção de projetos sobre expressões e manifestações da cultura afro-brasileira. A premiação do concurso contempla sete projetos, em três categorias, com os valores de R$ 2000, R$ 3000 e R$ 4000. O resultado aconteceu no dia 05 de Novembro.

Segundo o diretor da Fundação de Cultura de Ponta Grossa, Eduardo Godoy, a idéia do edital surgiu através de uma demanda da sociedade, especialmente da parceria entre a Sociedade Afro-brasileira Cacique e Pena Branca e o Governo Municipal. O projeto integrou as ações do Festival Afro, realizado entre os dias 20 a 24 de novembro. “Nossa ideia era poder ampliar o número de ações do festival selecionando projetos de artistas e produtores locais”, aponta Godoy.

Para o diretor, o maior desafio para seleção dos projetos foi abranger o máximo de linguagens artísticas propostas. “A qualidade dos projetos enviados foi muito alta. Recebemos grandes projetos enviados pelos produtores daqui de Ponta Grossa”, avalia.

“Ficamos muito satisfeitos em perceber que os editais estão ganhando esse corpo, que as pessoas estão acreditando também na viabilidade e seriedade dos editais lançados pela Fundação de Cultura e pelo Conselho Municipal de Política Cultural”, enfatiza.

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