Colégio Estadual Borell insere o projeto Escola Restaurativa | Foto: Patrícia Guedes

As práticas da justiça restaurativa vem mudando a realidade dos alunos da rede estadual de ensino nas instituições com índices de violência entre adolescentes, através do projeto Escola Restaurativa. A proposta usa a mesma metodologia da justiça restaurativa para a solução dos conflitos, com rodas de conversa e círculos de mediação, onde aborda temas relacionados à cidadania e conversação entre os adolescentes nas salas de aula.

O Colégio Estadual Prof. João Ricardo Von Borell du Vernay adotou a metodologia dos círculos de mediação em 2014, com atividades relacionadas à solução de conflitos entre professores e alunos. A iniciativa surgiu junto com o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), que, em parceria com o Núcleo Regional de Educação e o Instituto Mundo Melhor (IMM), buscou solucionar os problemas relacionados a violência dentro das escolas.

Dados do Batalhão da Patrulha Escolar Comunitária (BPEC) mostram que, até setembro de 2019, as ocorrências atendidas na cidade de Ponta Grossa resultaram em 39 prisões de adultos, 138 apreensões de adolescentes, 551g de drogas apreendidas, 4 armas brancas e 4 veículos apreendidos. Além do atendimento a essas ocorrências, foram realizadas 1.226 visitas escolares, 275 palestras interativas, 40 reuniões com direções e pais de alunos e 279 Boletins de Ocorrências, os mais comuns relacionadas a agressões ou ameaças entre alunos, assim como desacato contra professores, porte de drogas, furtos e roubos no entorno das Unidades de Ensino.

Com as demandas para solucionar o número de ocorrências levadas pelas escolas ao Ministério Público da cidade, os gestores das instituições de ensino, junto com o judiciário, se mobilizaram para buscar outras alternativas para solucionar questões que vinham da escola. A diretora do colégio Borell, Claudete Aparecida de Albuquerque, explica que, antes do projeto, não existiam soluções eficientes para conter as ocorrências de violência entre os alunos. “Expulsar o aluno não resolve porque você não está resolvendo o problema, apenas mudando o aluno de escola”, pondera a diretora. Após o início do projeto, em conjunto com outras ações para integrar os alunos – como o incentivo ao esporte, feiras de ciências e círculos temáticos de sociabilização – foi possível ouvir os alunos e compreender a origem dos conflitos.

O projeto Escola Restaurativa tem como base uma iniciativa realizada em uma escola de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, que utiliza técnicas da justiça restaurativa para a solução de conflitos e violência. Em Ponta Grossa, oito colégios estaduais já adotaram (total ou parcialmente) a metodologia da Escola Restaurativa.

Segundo a diretora do Colégio Borell, cerca de 1700 alunos já participaram das atividades dos círculos de mediação e, desde 2014, os índices de violência reduziram drasticamente. “Não é mágica, é você escutar o adolescente, é você dar voz pra ele. O projeto é uma prevenção. Não que os conflitos não existam mais, mas a violência e as brigas a gente conseguiu diminuir drasticamente”. A diretora explica que os problemas sempre vão existir, mas destaca a abertura para o diálogo entre professores e estudantes.

Em 2017, o Colégio se tornou referência na região ao receber o Selo Gralha Azul, concedido pelo Instituto Mundo Melhor e Tribunal de Justiça do Paraná, pelas práticas de cidadania na comunidade escolar. Além de solucionar os problemas do colégio, a Justiça Restaurativa pode influenciar no convívio dos indivíduos em sociedade, além de reparar os vínculos familiares.

A diretora do Borell ressalta a importância dos círculos restaurativos e como políticas públicas desse tipo influenciam de forma positiva toda a sociedade. “Nós aqui do colégio já estamos coletando os dados e escrevendo artigos para falar que é preciso assistentes sociais, psicólogos, precisam atender essa criança. Com os resultados que a gente vem coletando nós já temos a capacidade de falar ‘isso aqui dá certo’”.

Justiça restaurativa no ambiente escolar

A justiça restaurativa constitui-se pelo conjunto de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, por meio do qual os conflitos são solucionados a partir da escuta dos ofensores e das vítimas. Esse conceito institucional encontra-se delineado na Resolução CNJ N.R 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e a sua prática apresenta iniciativas cada vez mais diversificadas à maneira de compreender, viver e aplicar o direito penal.

A psicóloga do entro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), Glaucia Mayara Niedermeyer Orth, explica que a justiça restaurativa é um processo colaborativo em que as partes afetadas, agressor e vítima, determinam a melhor forma de reparar o dano causado pela transgressão. Ambas as partes são ouvidas e compartilham suas histórias a partir de um questionário com perguntas empáticas, num processo de construção coletivo de saber. “Quando temos um determinado problema ou conflito, nós somos muito habituados a dizer como as pessoas tem que ser ou como devem agir, e nos círculos isso fica por último. Primeiro nós vamos nos conectar, vamos humanizar o outro para que seja possível trocar a lente pela qual nós enxergamos essa pessoa e a partir disso conversar sobre os problemas”, descreve a psicóloga. “Muitas vezes o Estado assume o papel da vítima apenas como acusador, e ela não participa mais do processo, a opinião dela não importa. E a justiça restaurativa diz que o crime é antes de tudo um conflito interpessoal entre o vítima, o ofensor e a comunidade”, conclui Niedermeyer.

Para a psicóloga do CEJUSC, o ponto mais imediato a se observar nos casos é a fragilização dos vínculos familiares. “Não quero dizer com isso que as famílias estão desestruturadas e que o problema é na família, até porque a família está inserida numa comunidade, que está inserida numa cidade, num estado e em um país, e todas as conjunturas econômicas, sociais e políticas interferem no modo de ser família”. A psicóloga ainda explica que a adolescência, por si só, traz muitas questões que influenciam no comportamento e na saúde mental do indivíduo. Mas quando o adolescente compreende a escola como um espaço de pertencimento, o estudante acaba criando redes de apoio, que, por consequência, permitem que o adolescente lide melhor com os problemas.

 

Arquivo Portal Periódico

24/10/2019 - Escola Restaurativa diminui conflitos entre alunos da rede estadual

 

Ficha Técnica

Reportagem: Patrícia Guedes
Edição: Natália Barbosa
Foto: Patrícia Guedes
Supervisão: Professores Ben-Hur Demeneck, Hebe Gonçalves, Rafael Kondlatsch, Angela Aguiar e Fernanda Cavassana

 

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