Em 4 anos, orçamento com pessoal diminui 23% nas universidades estaduais do Paraná

 

O contrato de professor temporário de Jonas Nogueira terminou no dia 16 de abril. Após o fim do convênio com a Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Jonas não pretende voltar a atuar como professor no ensino superior do estado. Ele irá continuar na área docente, mas agora atuando em um Instituto Federal de Educação em São Paulo. “Eu tenho uma decepção com as políticas públicas educacionais do Paraná, sobretudo no ensino superior”, relata. Jonas tem duas graduações, em Letras-Português e Educação, e é mestre em Educação, Arte e História da Cultura. Ele já atuou em instituições privadas de ensino e desde 2018 trabalhava como professor temporário na UENP.

 

Campus Central da Universidade Estadual de Ponta Grossa, antes da pandemia. Foto: Divulgação UEPG/Arquivo

 

Inicialmente, Nogueira foi contratado para atuar 20 horas semanais, mas foi requisitado que trabalhasse 40 horas. “Imediatamente eu assinei que aceitava e me mudei para a cidade, mas as condições mudaram. Eu trabalhei por 40 horas, mas recebi por 20”, expõe. Há uma diferença de salário pago pelo estado entre os professores que atuam 20 e 40 horas. No caso do profissional que possui um título de mestre, como é o caso de Nogueira, segundo editais recentes consultados pela reportagem, o salário para 20 horas é de cerca de R$2760, enquanto que para 40 horas, é de R$5520. Nogueira relata que apesar de não receber pelo trabalho, continuou atuando pelo compromisso que havia assumido com as turmas. Jonas também conta que durante seu tempo como professor temporário participou de grupos de pesquisa e extensão, mas não pode assinar como coordenador e o tempo dedicado não foi considerado em sua carga horária. O relato de Jonas é semelhante a história vivida por outros professores temporários no ensino superior paranaense. Dados atualizados no dia primeiro de abril de 2021 no Portal da Transparência do Paraná, indicam que o estado possui 7568 professores atuando no ensino superior, sendo 5394 efetivos e 2117 temporários. Ou seja, atualmente os professores temporários representam 29% do quadro docente do ensino superior paranaense. Nesse número, não são considerados os professores das instituições de ensino superior federais que estão localizadas no estado do Paraná. A situação mais crítica é na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), na qual 42% dos professores da instituição são temporários.

 


“A existência de professores temporários deveria ser uma exceção, mas atualmente o departamento ter professores colaboradores é praticamente uma regra”, expõe Kevin Willian Kossar, membro da chapa que coordenou a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Estadual de Ponta Grossa (SINDIUEPG) até o início do mês de abril. Entre as principais situações que afetam os professores temporários, apontadas pelos entrevistados pela reportagem, estão os salários menores em comparação com os concursados, não poder atuar pelo regime de dedicação exclusiva, não ter fundo de garantia, uma carga horária de aulas maior que a do efetivo e a discriminação sofrida no próprio departamento em que atuam. Os profissionais temporários podem trabalhar por até dois anos em uma Instituição de Ensino, com um contrato que é renovado semestralmente ou anualmente, dependendo da universidade. Porém, o governo e universidades podem não renovar os contratos. Para Washington Luiz Santos, presidente da Seção Sindical dos Docentes da UEM (SESDUEM), a instabilidade financeira e de carreira dos professores temporários afeta o ensino e a produção de conhecimento nas universidades.

"Eles não são nem trabalhadores regulados pela CLT e nem estatutários, então os professores temporários não têm acesso ao seguro desemprego, ao fundo de garantia, à carreira docente e uma série de benefícios que o servidor público tem”, expõe Kelen Bernardo, doutora em sociologia com uma tese que trata sobre o mercado de trabalho dos professores temporários de nível superior no Paraná. Além disso, os acadêmicos também são afetados pela instabilidade, visto que enfrentam uma grande rotatividade de professores e um contrato pode terminar até mesmo enquanto uma disciplina está sendo ofertada. Para Bernardo, o principal problema é causado pela falta de concursos públicos no estado, o que faz com que os profissionais exerçam a função de professor temporário por um grande período de tempo. “Por conta da repressão de não fazer concurso público, eu encontrei no campo professores que estão há 10 anos na condição de temporário”, relata.

Santos, parte do SESDUEM, cuja universidade possui 30% do cargo docente formado por temporários, argumenta que o número elevado de profissionais neste tipo de contrato está transformando o modelo do ensino público paranaense. “Uma vez que os professores temporários não têm as mesmas condições de trabalho que os efetivos, eles não conseguem se dedicar à pesquisa e a pós-graduação da mesma forma. A produção do conhecimento, que já está comprometida pela falta de financiamento, fica ainda mais prejudicada por esta transformação no perfil dos docentes das IES públicas”, explica.
Mas os profissionais e o ensino não são os únicos afetados pelo aumento dos professores temporários. Taíse Ferreira Nishikawa, professora da UENP e membro do Sindiprol/Aduel, sindicato que representa os docentes da UEL, UENP e o campus de Apucarana da Unespar, defende que o cenário limita o atendimento à sociedade em geral. A Universidade do Norte do Paraná tem campus nas cidades de Jacarezinho, Bandeirantes e Cornélio Procópio e oferta 25 cursos de graduação. “A UENP auxilia uma demanda regional muito significativa e carente no estado, através de projetos que atendem a comunidade, e quando praticamente metade do quadro docente é formado por temporários, não só os profissionais e a universidade são afetados, mas também a população como um todo”, aponta Nishikawa.

 

Trabalho (In)Voluntário dos Temporários

 

Segundo o Art. 207 da Constituição Federal, a universidade pública deve seguir o tripé ensino, pesquisa e extensão. Como relatado pelos entrevistados, os professores temporários no ensino superior paranaense não são contratados para seguir esses três princípios. Mesmo assim, muitos participam de projetos de pesquisa e extensão por vontade própria ou para formar currículo para próximos processos seletivos. É o que Bernardo chama em sua pesquisa de trabalho (in)voluntário. “Apesar de não constar na carga horária, o professor realiza a atividade como se fosse voluntário, mas pela construção do currículo e para ganhar uma certa aprovação pelos professores concursados do departamento”, explica. Nogueira concorda com a afirmação de Kelen. “Eu sou um professor temporário, não fui contratado para fazer pesquisa e extensão, só para dar aulas, mas se um dia aparecer um concurso público, ou até mesmo o próximo processo seletivo, você precisa apresentar uma pontualidade da sua produção científica, então mesmo não recebendo, você precisa fazer pesquisa e ter uma pontuação alta. É muito incoerente”, descreve o professor.
Bernardo explica que o teste seletivo para professores temporários no ensino superior do Paraná é formado por provas didáticas, de currículo e de título. “O teste seletivo para professor temporário requer os mesmos requisitos, condições e o tipo de prova que você faria em um concurso”, compara Jonas Nogueira. O professor descreve os processos seletivos como desgastantes e desumanos. “Você participa de um colegiado e daqui um tempo você está concorrendo com uma pessoa que trabalha junto. Tem uma desvalorização total do trabalho do professor e principalmente do trabalho de equipe entre os professores, porque logo eles estarão concorrendo um contra o outro”, expõe. Kevin Willian Kossar, representante do SINDUEPG, destaca que essa instabilidade causa uma tensão para os professores temporários e uma divisão da atenção dos profissionais, entre as aulas nas universidades e a preparação para um próximo processo seletivo, o que prejudica o ensino oferecido.
Os processos seletivos não são os únicos desafios enfrentados por professores colaboradores. Ao entrar em uma universidade, os temporários são designados para as disciplinas que ainda não foram ocupadas pelos efetivos. “Esses profissionais precisam assumir ‘o que sobra’ e tem uma rotatividade de disciplinas grandes, além de uma carga horária extensa”, explica Bernardo. Além disso, passar em um processo seletivo não é garantia que será chamado para atuar como professor na universidade. “Quando você está na condição de temporário você constantemente está se preparando para processos seletivos. Você não sabe se vai abrir processo seletivo, se abrir você não sabe se vai passar, porque tem outros concorrentes, e se você passar, não sabe se será chamado”, retrata a pesquisadora.
A própria Kelen Bernardo atuou como professora temporária e atualmente segue desempregada um ano após finalizar o doutorado. Enquanto conversávamos por vídeo chamada, ela mostrou orgulhosa a tese de 333 páginas enquanto comentava sobre a pesquisa. Juntando graduação, especialização, mestrado e doutorado, um terço da vida de Kelen foi dedicada à academia. Ela ficou em segundo lugar em dois processos seletivos para dar aula, mas até agora não foi chamada. Kelen também distribuiu currículos em empresas privadas e públicas, mas não recebeu respostas. “O foco na carreira docente, que exige tempo e investimento, acaba também limitando a nossa atuação, porque ou você vai atuar nessa área ou você não consegue se inserir em outros espaços”, expressa.
Algumas vezes, Bernardo já se questionou se valeu a pena seguir carreira acadêmica. “Eu estou com 38 anos e tenho pouco tempo de contribuição para o INSS, então eu dificilmente vou conseguir me aposentar. É muito angustiante isso e todos que terminam o doutorado e ainda não estão inseridos na área, passam por isso”, descreve. Mas, apesar disso, a pesquisadora diz que a área docente é a qual pertence e não pretende mudar de área no futuro.
Tanto para Kelen como para Jonas Nogueira, o aumento no número de professores temporários se comparado com o de concursados, se dá por uma precarização nas universidades públicas. “O professor temporário é um profissional extremamente qualificado, mas barato para o estado quando comparado com um professor efetivo”, defende Kelen. “A questão vai além de um descaso com esses profissionais, isso é um desmonte e tem uma intencionalidade em desvalorizar o docente do ensino superior e a universidade como um todo”, defende Jonas Nogueira.

 

Precarização das universidades

 

Entre 2016 e 2020, o orçamento global para as sete universidades estaduais do Paraná teve uma diminuição de 22%. Enquanto que em 2016, o orçamento foi de R$2,3 bilhões, em 2020, o valor foi de R$1,8 bilhões. Esse valor diz respeito aos recursos do tesouro repassados pelo Governo Estadual, ou seja, não incluem recursos próprios das universidades. Se o governo tivesse destinado nos anos seguintes os mesmos recursos destinados no ano de 2016 (nem a mais e nem a menos), as universidades teriam recebido cumulativamente R$11,8 bilhões. Em função da restrição orçamentária, as universidades receberam apenas R$10,9 bilhões, ou seja, 900 milhões a menos.

 


“O modelo de gestão que o governo estadual implantou nas universidades busca restringir as despesas públicas”, fala Luiz Fernando Reis, doutor em Políticas Públicas e Formação Humana. Reis é membro dos grupos de pesquisa Políticas, gestão e direito à educação superior: novos modos de regulação e tendências em construção e desde 2014 realiza o acompanhamento do orçamento destinado às universidades estaduais do Paraná. Ao longo dos anos, ele identificou cortes de orçamentos em diferentes setores.
O pesquisador explica que o valor total do orçamento destinado às universidades estaduais pode ser dividido em três grupos: Pessoal, Custeio e Investimento. Entre 2014 e 2020, as despesas com Pessoal representaram, em média, 95,2% e as despesas de custeio 4,7% do orçamento global das universidades paranaenses. Assim, despesas com Pessoal e Custeio representaram, em média, 99,9% do orçamento das universidades e as despesas com investimentos representaram apenas 0,1% do Orçamento total das universidades no período. “Praticamente não existe investimento dentro do orçamento, então o que acontece é que os reitores recorrem aos parlamentares da região para conseguir recursos de investimentos”, explica Reis. Para ele, essa prática pode comprometer a autonomia das universidades. “Os reitores, na necessidade de conseguir recursos, precisam ter uma articulação muito próxima com deputados e podem ficar refém deles e de uma política de troca de favores”, comenta.

 


“O primeiro setor que o governo restringiu o orçamento nas universidades foi na área do Custeio”, expõe Reis. Entre 2014 e 2020, essa área teve uma perda de 39%. Se o governo do estado tivesse destinado nos anos seguintes os mesmos recursos destinados no ano de 2014 (nem a mais e nem a menos), as universidades teriam recebido cumulativamente R$910 milhões, de 2014 a 2020. Em função da restrição orçamentária, as universidades receberam apenas R$699 milhões, ou seja 211 milhões a menos. “A restrição dos recursos de custeio dificulta muito o funcionamento adequado das universidades paranaenses e compromete as atividades de ensino, pesquisa e extensão”, expõe Reis.

 

 

“Se o Custeio representa cerca de 5% do orçamento global das universidades, o governo pode reduzir o recurso repassado anualmente, mas chega em um limite que se reduzir mais, as universidades terão que fechar as portas, por isso ele começou a cortar recursos da área do pessoal”, explica Reis. O orçamento destinado ao pessoal teve uma perda de 23% desde 2016. “O governo vem reduzindo o número de concursos e a carga horária dos professores temporários para economizar nessa área”, comenta o pesquisador. Se o governo do estado tivesse destinado nos anos seguintes os mesmos recursos destinados no ano de 2016 (nem a mais e nem a menos) para pagamento de pessoal, as universidades teriam recebido cumulativamente R$11,4 bilhões, de 2016 a 2020. Em função da restrição orçamentária, as universidades receberam apenas R$10,4 bilhões, ou seja, aproximadamente R$1 bilhão a menos.

 


“O governo tenta justificar que os cortes na educação superior ocorreram por conta da pandemia, mas os números mostram que eles acontecem a anos”, destaca Reis. Para o pesquisador, o ajuste fiscal tem sido a palavra que sintetiza a política dos governos Beto Richa e Ratinho Júnior de medidas regressivas que, ao reduzir os recursos para o financiamento, podem inviabilizar o pleno funcionamento das universidades estaduais do Paraná e comprometer o desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão. “As universidades estaduais foram fundamentais para a democratização do acesso da juventude do interior do estado à educação superior pública e de qualidade e tiveram papel fundamental no estímulo ao desenvolvimento econômico e social de importantes regiões. Comprometer o futuro das universidades estaduais do Paraná é comprometer o futuro do próprio estado”, finaliza.

 

Ficha Técnica
Repórter: Daniela Valenga
Infográficos: Daniela Valenga
Publicação: Daniela Valenga
Supervisão: Vinicius Biazotti

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