De cada dez vagas para a versão eletrônica, sobraram três

 

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), dos 4.004.764 candidatos ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, apenas 3.109.762 confirmaram a inscrição com o pagamento da taxa. É o menor número desde 2005, e 46% inferior à edição do ano passado, início da pandemia de covid-19. 

Pelo segundo ano consecutivo, serão realizadas duas versões da prova, impressa e digital. Entretanto, em 2021 ambas serão realizadas simultaneamente, com as mesmas perguntas e o mesmo tema de redação. Foram preenchidas apenas 68.891 das 101.100 vagas disponibilizadas para a versão eletrônica - exclusivas para quem concluiu ou quem está concluindo o ensino Médio neste ano.

Para Marcela de Paula Braganholo, professora e coordenadora de ensino Médio e curso pré-vestibular, o menor número de inscritos desde 2005 ainda está atrelado aos desdobramentos da pandemia. “Primeiro pelas incertezas sobre calendário de provas, muita gente desanimada, o que mexe com o preparo dos alunos cansados das aulas remotas. Além disso, todas as questões emocionais, muitos alunos passaram por perdas e ainda vivem o processo do luto”, avalia.

O estudante Roberson Andrade de Souza pretende trocar o curso de Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) pela área de Computação. Para isso, segue uma rotina de oito horas de estudos de segunda à sábado. Segundo ele, o baixo número de inscritos também se deve ao ensino remoto durante a pandemia. “Eu imagino que, assim como eu fui, a maior parte dos alunos sejam do ensino público, uma classe que tem mais empecilhos do que incentivos para entrar em um curso superior. Por problemas financeiros gerados pela pandemia, são forçados a entrar no mercado de trabalho”, afirma.

 

Enem 2020

O Enem gerou discussões desde o início da pandemia. Estudantes criaram a hashtag #AdiaEnem nas redes sociais por conta do aumento do número de casos de Covid-19 no ano passado e a desigualdade no acesso à internet, com o ensino restrito ao ambiente virtual. No entanto, em julho de 2020, o Ministério da Educação e o Inep confirmaram a realização da prova para o início deste ano, com a versão impressa em janeiro e a digital entre 31 de janeiro e 7 de fevereiro, além da reaplicação, que posteriormente se fez necessária, nos dias 23 e 24 de fevereiro.

O resultado do conflito entre os pedidos de adiamento dos alunos e movimentos estudantis, e a confirmação da prova pelos órgãos oficiais, foi a abstenção de 55,3% dos inscritos confirmados, o maior índice da história do Enem, superior à taxa de 39,5% de 2009. 

Segundo Marcela Braganholo, o número foi surpreendente e, ao mesmo tempo, justificável, levando em consideração problemas de transporte, adiamento da prova, medo da doença, questões emocionais, entre outros problemas. “O resultado do Enem 2020 foi um reflexo do que vivemos no ano passado; alunos que tiveram oportunidades se saíram bem, enquanto muitos, infelizmente, nem fizeram a prova. É o reflexo da desigualdade no ensino ampliada pela pandemia.”

 

Excluídos

Em 2020, além das desigualdades sociais e de acesso à internet para acompanhar as aulas, muitos estudantes não puderam ou optaram por não realizar a prova por sintomas de Covid-19. É o caso de Tatiana Grissi: “Fiz o teste RT-PCR, mas o resultado não saiu até o dia da prova, por isso resolvi não comparecer”. Embora o Inep tenha possibilitado a reaplicação do Enem, ele era permitido apenas para quem enfrentou problemas de infraestrutura e diagnóstico de Covid ou doenças infectocontagiosas. Quem teve sintomas, estava inseguro ou enfrentou outros tipos de problemas, não foi contemplado pela nova oportunidade.

Por não ter comparecido nos dias de prova da edição 2020, Thaynna Souza foi impedida de solicitar a isenção do Enem 2021. “Três dias antes da prova, comecei a sentir dores no corpo, perdi paladar e olfato, mas não fui ao hospital fazer teste, por medo. Por não ter a justificativa da falta, perdi a isenção. Esse ano estou desempregada e não consegui pagar a taxa de R$85”.

Até mesmo quem conseguiu prestar o Enem enfrentou dificuldades nos locais de prova. A jovem aprendiz Gabriela Vargas Gonçalves, que realizou a prova em Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo, relatou problemas no segundo dia de exame. “Apesar de protocolos, como distanciamento e álcool em gel na porta terem sido respeitados, a sala era fechada, faltou água nos banheiros e nos bebedouros, então não dava nem pra lavar as mãos”. Além disso, ela cita que seu rendimento foi abaixo do esperado pois estava abalada mentalmente, enquanto a mãe permanecia isolada com Covid-19. “Eu fui porque realmente precisava, se faltasse teria que pagar a taxa de inscrição em 2021, e eu precisava da isenção”, completa Gabriela.

Maria Luiza Oliveira, formada em Relações Internacionais, foi a aplicadora do Enem 2020 em Brasília. Segundo ela, no local de prova não houve problemas com organização, mas sim com o grande número de abstenções. “Na sala em que eu apliquei o exame só tinha um aluno. Como tinha a questão da segurança contra a covid, muitos estudantes desistiram de participar, deixando para o próximo ano e buscando uma maior preparação”. 

Embora alguns locais ainda não tenham retornado ao ensino presencial, Oliveira espera que na edição de 2021 a situação seja diferente. “Esse ano, as pessoas estarão mais preparadas e conscientes para respeitarem os protocolos, o uso de máscara, distanciamento, para se protegerem e protegerem aos outros”, finaliza.

 

Ficha Técnica

Reportagem: Gabriel Ryden

Edição e Revisão: Larissa Godoi e Levi de Brito

Publicação: Larissa Godoi e Levi de Brito

Supervisão: Jeferson Bertolini 

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