Investimentos em Ciência e Tecnologia caíram cerca de 83% entre 2013 e 2021, alcançando este ano o menor nível dos últimos 13 anos
Resumo
- Governo Bolsonaro retira 90% das bolsas de pesquisa no Brasil e passa a ser R$55 milhões;
- PLN 16/2021 prevê crédito suplementar em favor do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e beneficiaria o CNPq;
- Em 2013 a verba para área de ciências e tecnologia era de R$ 11,6 bilhões;
- A bolsa para a produção científica é também uma forma de garantir que os alunos da pós-graduação tenham dedicação exclusiva à pesquisa e consigam fazer os experimentos sem dividir com outras atividades profissionais.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou, no dia 15 de outubro, a lei que retira 92% dos recursos previstos para o financiamento de bolsas de pesquisas este ano. A proposta partiu do ministro da Economia, Paulo Guedes, que modificou o Projeto de Lei nº 16 de 2021 que inicialmente destinava R$ 690 milhões à Ciência e Tecnologia e agora terá o valor alocado para apenas 55 milhões.
A cientista Mellanie Fontes-Dutra, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera que a diminuição do orçamento do MCTI é extremamente prejudicial para a ciência brasileira, pois pode afetar o financiamento de pesquisas: “Os prejuízos são imensos, tanto pessoais, na vida dos pesquisadores que dependem das bolsas para manterem seus projetos, quanto na sociedade, a nível de ciência e de desenvolvimento. Sem a ciência o país não vai progredir”.
Segundo Mellanie, os maiores afetados pelo corte de verbas são os pesquisadores que realizam um mesmo trabalho durante anos, necessitando fazer coletas de dados com datas específicas para que haja uma avaliação e uma análise de parâmetros ao longo do tempo. “Há pesquisas que estão sendo feitas há anos, há grupos de pessoas que estão sendo acompanhadas há décadas. Se você interromper uma pesquisa dessas, não tem como retomar em um outro momento”, completa.
Fotografia - Alexandre Douvan
Entenda o que é o PLN 16/21
O PLN 16/21 prescrevia um crédito suplementar em favor do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), especificamente para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT e para a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN. O projeto também beneficiava diretamente o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, órgão responsável pela concessão de bolsas de estudo para estudantes e pelo apoio a projetos de pesquisa.
No entanto, poucas horas antes da votação do PLN 16/2021, o Ministério da Economia enviou um ofício à Comissão Mista do Orçamento do Congresso Nacional (CMO) solicitando a divisão dos valores e a alocação da maior parte dos recursos para outras áreas. O maior beneficiário será o Ministério do Desenvolvimento Regional, que receberá cerca de R$ 252 milhões.
O remanejamento de recursos pelo Governo Federal gerou críticas entre entidades científicas. Em nota conjunta, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e a Academia Nacional de Medicina (ANM) alegaram que a retenção de recursos da ciência para o pagamento da dívida pública é ilegal e que é inaceitável que os recursos destinados para o setor sejam desviados para outras funções.
A alteração do projeto recebeu críticas até mesmo de partidários do presidente Jair Bolsonaro, incluindo o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes: “Falta de consideração. Os cortes de recursos sobre o pequeno orçamento de Ciência do Brasil são equivocados e ilógicos. Ainda mais quando são feitos sem ouvir a Comunidade. Científica e Setor Produtivo. Isso precisa ser corrigido urgentemente”, escreveu.
Em debate na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, no dia 13 de outubro, Marcos Pontes declarou que o corte de verbas prejudica a destinação de recursos para os institutos nacionais de ciência e tecnologia e para o Centro Nacional de Vacinas, além de afetar as bolsas da Chamada Universal do CNPq lançada em setembro, que destinava R$ 250 milhões para projetos de todas as áreas do conhecimento e em instituições de todo o país.
O histórico de cortes verbas para a Ciência e Tecnologia
Cortes de verbas nas áreas de ciência e tecnologia não são uma novidade e vêm sendo realizados frequentemente desde 2014. Segundo levantamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, o ano que o MCTI teve o maior orçamento foi 2013, quando contava com cerca de R$ 11,6 bilhões, em valores corrigidos pela inflação. O orçamento foi reduzido para R$ 10,6 bilhões em 2014 e continuou sofrendo cortes nos anos subsequentes até atingir o menor patamar em 2021, com R$ 1,9 bilhão em caixa, o que equivale a apenas 17% do orçamento de 2013.
O Brasil vem contrariando a tendência global de aumento nos investimentos em ciência, que foram impulsionados pela pandemia de covid-19, embora já estivesse em crescimento vertiginoso nos últimos anos. De acordo com o mais recente Relatório de Ciência da UNESCO, lançado em junho de 2021, os gastos com ciência em todo o mundo aumentaram 19% entre 2014 e 2018. A média mundial de investimentos em pesquisa científica era cerca de 1,8% do PIB em 2018, enquanto o Brasil investia apenas 1,3% da parcela do PIB nacional.
Os atuais desafios da pesquisa científica no Brasil
O caminho para um país se tornar desenvolvido, de acordo com Mellanie Fontes-Dutra, passa necessariamente por um projeto sólido de desenvolvimento científico, o que, na opinião dela, não vem sendo feito pelo governo brasileiro: “Fazer pesquisa no Brasil é algo bem desafiador porque nós estamos vivendo essa série de cortes de verbas relevantes para a produção científica no país, para a continuidade de bolsas de pós-graduação, então temos um ambiente instável e não sabemos ao certo quanto de investimento nós vamos receber para programarmos nossas próprias atividades científicas”, lamenta.
A bolsa para a produção científica é também uma forma de garantir que os alunos da pós-graduação tenham dedicação exclusiva à pesquisa e consigam fazer os experimentos sem dividir com outras atividades profissionais, além de ser, muitas vezes, a única fonte de renda que os alunos têm: “Muitos, como eu, não teriam conseguido fazer a pós-graduação se não tivesse a bolsa”, relata Mellanie.
O ambiente instável para a produção científica brasileira é uma das causas da chamada “fuga de cérebros”, quando pesquisadores decidem deixar o país. Quanto a isso, Mellanie declara: “Nós estamos vendo esse fenômeno da fuga de cérebros há algum tempo e, com certeza, isso vai ser agravado por conta do cenário polarizado que o Brasil vive e de baixos investimentos na ciência. Nós precisamos desses investimentos para manter essas pessoas aqui, onde elas podem atuar e contribuir para o desenvolvimento científico do país”.
Ficha Técnica
Repórter: João Vitor Pizani
Edição e Publicação: Leonardo Duarte
Supervisão de Produção: Vinícius Biazotti
Supervisão de Publicação: Marcos Zibordi, Maurício Liesen