Empresa responsável pelo transporte público é alvo de três CPIs e atua com constante greve de funcionários.
A Viação Campos Gerais está presente na cidade de Ponta Grossa desde 1993 e pertence ao Grupo Gulin. Em 2002 ela assumiu, pela primeira vez, a concessão de transporte coletivo na cidade. “Na época existiu um processo licitatório que era pra ser uma concorrência de concessão onerosa, a condução desse processo foi feita de maneira errada por parte do poder público, não houve uma investigação adequada para a contratação da empresa”, afirma o ex-vereador Antônio Laroca. O contrato entrou em vigência em 2003, com duração de 10 anos.
Em 2012, o então prefeito Pedro Wosgrau Filho renovou o contrato para mais dez anos, para entrar em vigência no ano seguinte. Segundo a lei municipal LEI Nº 7018/2002, a renovação só pode ocorrer se a empresa contratada cumprir dois critérios: primeiro um índice de eficiência de 98% e a renovação da frota operante durante o tempo de atuação. Para o ex-vereador, não foi feita uma análise aprofundada sobre a atuação da VCG em Ponta Grossa. “Tivemos a oportunidade de não renovar, de fazer uma nova licitação e o atual prefeito fez ao contrário, não foi feita uma análise que apresentasse a contabilidade da empresa, sendo que a cada pedido de renovação, a empresa deve prestar contas de sua atuação ao poder público”, completa. Na época, o índice de satisfação foi feito pela Viação Campos Gerais.
A análise para renovação foi pedida através de um processo administrativo que afirmava que: a prorrogação da concessão promove a manutenção do monopólio na prestação do serviço de transporte coletivo municipal, contrariando princípios constitucionais e normas vigentes no contrato. Entretanto, segundo o Poder Judiciário do Estado do Paraná, o pedido de anulação foi definido como inválido por ter violado direitos e desrespeitado os princípios constitucionais, não dando a oportunidade da empresa de transporte apresentar defesa. O vereador Pietro Arnaud afirma que esta situação pode ter sido uma jogada política, “é importante ressaltar que não existe um monopólio da empresa concessionária, o monopólio é feito pela Prefeitura Municipal, por meio da Autarquia Municipal de Transporte (AMTT). O transporte público é um tema que dá votos e toca todas as pessoas”.
A atuação da VCG na cidade é marcada pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) feitas pelos vereadores. Em 2009, 2013 e 2017, elas foram realizadas principalmente com o objetivo de discutir o valor da tarifa em Ponta Grossa. A CPI de 2009 foi realizada principalmente com o objetivo de investigar o preço da tarifa em Ponta Grossa, segundo o relatório, considerado abusivo. Na época, foram solicitados vários documentos para o Poder Executivo Municipal e Legislativo. O então prefeito, Pedro Wosgrau Filho, deixou de encaminhar determinados documentos solicitados através de requerimento.
No mesmo relatório da CPI de 2009, foi considerado que não havia indícios de efetiva fiscalização por parte do governo municipal com relação à remuneração por quilometro rodado e ao índice de passageiros por quilômetro. Os dois fatores são a base para a composição da tarifa. A prefeitura deve utilizar o valor gasto pela empresa para determinar o preço da passagem. Os dados são cedidos pela concessionária e não do órgão gestor do transporte público, por isso, na época foi determinada a fixação da tarifa.
No relatório da segunda CPI (2013), foram feitas indicações de medidas que deveriam ser cumpridas pela prefeitura. Abaixo é possível conferir as que foram realizadas:
A construção do Terminal Santa Paula é uma decisão que vem desde a primeira concessão com a empresa, entretanto, devido gastos superiores ao que estava previsto em contrato, a obra não foi iniciada. O terminal deveria ser construído junto com o do bairro Uvaranas, inaugurado em 2004.
O OUTRO LADO DA MOEDA: A VISÃO DOS FUNCIONÁRIOS
A relação entre funcionários e a VCG é conturbada por diversas paralisações de protesto, que tratam dos direitos dos trabalhadores da empresa. Desde o início de 2017 que os colaboradores se encontram em estado de greve, para reivindicar as melhorias que há tempos são pedidas. Outro motivo é a acusação de assédio moral contra a empresa feita pelo Sindicato dos Motoristas, Cobradores e Trabalhadores em Empresas de Transportes Coletivos de Ponta Grossa (Sintropas).
“Foi descontado da folha de pagamento alguns problemas no veículo em que eu trabalhava, mesmo provando que não tinha acontecido na minha escala”, afirma Joel Gomes*, que deixou de trabalhar na empresa há cinco anos. Ele ainda comenta que esses problemas acontecem apenas com o escalão mais baixo de funcionários. Ainda com relação ao tratamento dos funcionários, Alex Moreira*, outro ex-colaborador, conta que são comuns dificuldades na relação entre ambas as partes. “A questão é que existem muitos interesses particulares que passam por cima de direitos e deveres dos dois lados, isso dificulta a relação entre patrão e funcionário. Se as coisas fossem mais justas e sérias talvez evitassem algumas situações”.
Mesmo as pessoas que trabalham na empresa há anos não sabem como algumas coisas são feitas como, por exemplo, a gerência dos gastos e valores investidos. “É necessário mais clareza sobre a administração do transporte no município, as coisas são colocadas sem o devido diálogo ou explicação prévia, o que fica complicado tanto para o trabalhador quando para o usuário” explica, Alex. O ex-colaborador ainda diz que a questão vai desde problemas pequenos como o desentendimento de funcionários, até o aumento da tarifa ou momentos em que envolve-se o poder municipal. A questão da passagem sempre foi um quesito de discussão na cidade, por envolver diversas pessoas, por vezes causa confusão, em que geralmente quem sai perdendo é o usuário do transporte público. “Pessoas que têm o passe livre enfrentam problemas quando não funciona o cartão, por qualquer que seja a situação, eles não podem seguir se não pagar a passagem, mesmo sendo um direito. Alguns trabalhadores até compreendem o momento, outros nem tanto, até porque seria descontado do salário”, explica.
Outros pontos de debate que causam conflito na relação empresa e usuário é a falta de máquinas para carregar os créditos em haver dos cartões, do lado de fora do terminal central. A única possibilidade do passageiro recarregar o cartão é dentro do próprio terminal de ônibus, mas para isso deve pagar a passagem integral. A falta de preparo dos atendentes para lidar com essas situações é visível, principalmente em relação às pessoas com necessidades especiais. “Os funcionários não tem capacidade para lidar com passageiros deficientes visuais, por exemplo, o senhor tinha uma carteira de isenção do Estado do Paraná, mas a VCG não aceita outra coisa a não ser o próprio cartão” esclarece, Moreira.
CONTRATO DE CONCESSÃO EM OUTRAS CIDADES
Questões sobre transporte público são problemáticas a nível nacional. No relatório da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) divulgado em 2014, mostra que ao contrário do que dizem os candidatos e prefeitos das cidades, o transporte público não é prioridade. Foram analisadas 438 cidades, entre elas Curitiba, Maringá e Ponta Grossa. De acordo com o relatório, transporte individual é responsável por 77% dos gastos públicos com mobilidade. No entanto, transporte individual provoca custo de acidente de trânsito 6 vezes maior que o coletivo.
Em Curitiba o contrato é feito com URBS - Urbanização de Curitiba, é uma empresa de economia mista e controla o transporte público de Curitiba e toda a região metropolitana. A empresa trabalha com a terceirização de serviços, que contrata outras empresas, através de licitação, para atuarem juntas no sistema de transporte integrado.
A Família Gulin tem quase 70% dos consórcios para controle do transporte em Curitiba. A família também é dona da empresa Viação Campos Gerais, que controla o transporte coletivo em Ponta Grossa.
Cada empresa contratada circula com sua própria frota de ônibus e toda a articulação com a Prefeitura é com a URBS, que também tem sua própria frota de ônibus em circulação, principalmente ônibus maiores. As empresas terceirizadas funcionam mais como alimentação para suprir o transporte.
Mariene Christinne Oliveira é usuária de transporte coletivo em Curitiba há 25 anos e afirma que a grande vantagem, comparando com outras cidades, são os corredores de ônibus, que fazem parte da rede integrada de transporte e os tubos que permitem maior agilidade. “O problema de superlotação é sempre presente, assim como em qualquer cidade, a tarifa é a mais cara de todas as capitais brasileiras, sendo R$4,50, toda eleição os candidatos prometem abrir a “caixa preta da URBS” para revelar as planilhas de preços e a composição da tarifa, mas a eleição passa e isso acaba caindo no esquecimento da população”, completa.
Em Maringá, a empresa Transporte Coletivo Cidade Canção (TCCC) tem o contrato de concessão na cidade. A empresa atua sozinha e não existe concorrência na cidade. “A prefeitura de Maringá, normalmente, renova o contrato com a TCCC sem licitação para outra empresa concorrer, o transporte coletivo é um monopólio da empresa com a prefeitura. Falta competição no transporte da cidade, para que possa existir uma análise e eficiência entre as empresas, assim, melhorar o serviço para o consumidor e deixa acesso mais barato”, afirma Naiara Bortoloci, usuária de ônibus em Maringá.
* nomes fictícios para evitar retaliações