Apesar do crescimento da popularidade, o rap é silenciado nos espaços públicos da cidade e alvo de repressão pelo poder público

Foto: Gabriel Miguel/Lente Quente

Numa noite fria de sábado, 19 horas, jovens se reúnem na plataforma do antigo depósito da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), hoje Estação Arte, no Parque Ambiental. Logo, se aproximam mais pessoas do grupo, que começa a se preparar para a Batalha de Rimas da Estação.

 

Uma roda é formada e o público começa a se revezar nas rimas improvisadas, no ritmo do beat da uma caixa de som.  A roda logo dá espaço para um sarau de poesia Slam, em que as performances de letras bem escritas são aplaudidas pelo grupo que, aos poucos, vai se somando.

 

O público aumenta com as pessoas que descem do Terminal Central para acompanhar o evento principal da noite, a batalha de freestyle. Os organizadores do encontro dão início às inscrições e os MC’s se aglomeram em volta, para ver seus nomes postos chave de confrontos.

 

Aos gritos, a organização apresenta as duplas que irão competir na primeira fase. A aglomeração de pessoas se estreita e o “juíz” das batalhas pergunta: “ O que a gente quer”? “Sangue!”, respondem, repetidas vezes, os espectadores da disputa. Tem início a Batalha de Rimas da Estação, um dos principais momentos de encontro da cultura hip-hop em Ponta Grossa.

 

Após a primeira disputa, a torcida escolhe, na garganta, o dono das rimas mais bem articuladas no improviso, que passa para a segunda de quatro etapas da competição. Dos 16 inscritos, um dos competidores vai para casa com o prêmio da noite.

 

Patrick Mariano Lacerda, conhecido como MC Patrick, é um dos organizadores da Batalha da Estação. Para ele, o evento serve como uma válvula de escape para a rotina de trabalho e estudo. “A Batalha é rua. Todo mundo que chegar tá em casa. Ela também é escola. A gente tenta suprir a ausência de educação fornecida pelo Estado com a vivência da rua mesmo e com acesso à uma informação crítica”, afirma o compositor.

 

O aglomerado de MC’s, improvisando em pleno parque, é predominantemente masculino. São poucas as mulheres que frequentam a batalha, e as poucas observam o agito à distância. Esse problema não se restringe à Batalha. Em geral, o espaço para elas nesse meio é pequeno em relação ao dos compositores homens, seja nas rimas, no grafite ou na dança.  

 

Quem aponta a crítica é Mc Thaty, Thatyane Ribeiro Primo. A rapper relata que é fraca a representação das mulheres, que são uma minoria no cenário do hip-hop na cidade. “Quase todos os eventos em que já me apresentei não tiveram outra mina que mandasse som também. Algumas mandam umas rimas mas têm medo de encarar a caminhada do rap”, aponta

 

Repressão na batalha

 

Não é incomum a presença da Polícia Militar ou da Guarda Municipal na Batalha, desde eventuais rondas até revistas, marcadas por agressões e constrangimentos. “Na última Batalha, eles chegaram chamando de vagabundo e jogando gás de pimenta. Um mano nosso levou dois tapas na cara por dar um passo sem permissão”, relata  MC Patrick.

Foto: João Guilherme de Castro/Lente Quente

As agressões chegam a níveis mais graves, como relata o organizador da Batalha. “Levaram um garoto que estava alterado pro banheiro do Parque e espancaram ele lá”, relembra. Segundo o relato, a vítima toma medicação controlada e, por isso, se alterou.  

 

Um rapaz agredido em uma dessas revistas, que não quis se identificar, comenta como foi a abordagem. “Estava ocorrendo a batalha, normalmente, em um sábado chuvoso. Começou uma movimentação da Guarda Municipal pelo parque. Em seguida, chegou uma caminhonete da tropa de choque espirrando spray de pimenta e mandando todos irem para a parede”, relata.

 

Durante o tempo da abordagem, comenta o MC, os policiais tomaram sua mochila para revista, chutaram suas pernas para abri-las e o ameaçaram de agressão por olhar para eles. “Você quer que eu quebre seu nariz para você ficar olhando pra frente?”, disse um dos PMs à vítima durante a ação. A batalha acabou após a revista e os participantes foram dispersados.

 

A Secretaria Municipal de Segurança Pública, órgão responsável pela Guarda Municipal, afirma que as abordagens são feitas para garantir a ordem e segurança. Segundo o órgão, o procedimento é amparado pelo artigo 244 do Código de Processo Penal e  tem por objetivo procurar indivíduos com porte de armas ou drogas, antecedentes criminais ou mandato de prisão.

 

Sobre as agressões, a Secretaria declara repúdio a qualquer ilegalidade cometida durante as abordagens. Indivíduos que se sentirem constrangidos por agentes de segurança municipal devem procurar a Ouvidoria da Secretaria ou ligar para o telefone 156 da prefeitura.

 

O público do rap

 

O rap é um estilo cultural de nicho restrito em Ponta Grossa. Isso quer dizer que ele possui um público pequeno se comparado com outros estilos musicais. Apesar disso é um público fiel e atuante em um espaço próprio.

 

Levantamento sobre preferências musicais em Ponta Grossa, feito pelo Datafolha com apoio da Rodonorte, apontou o rap como gênero favorito de apenas 6% dos 241 entrevistados em Ponta Grossa, ficando atrás do rock, pop e sertanejo.

 

 


O movimento hip-hop ponta-grossense realiza suas manifestações nos espaços públicos. Porém, a competição com outros estilos é grande. Exemplo disso é o evento “Sexta às Seis”, organizado pela prefeitura, que leva bandas e músicos locais ao palco no Parque Ambiental, no Centro da cidade.

 

Na escala das apresentações que aconteceram neste ano, há apenas um rapper, o “Gafanhoto”, junto a 17 grupos que tocaram rock’n roll no evento. Segundo a coordenadora do projeto, Raissa Viana, isso se deve a uma maior presença do rock em outros espaços da cidade, que estimulam a presença de bandas do gênero nos espaços públicos.

 

A coordenadora explica também que as atrações do “Sexta às Seis” inscritas são confirmadas pelo interesse do público. “Tem menos público do rap frequentando esses eventos. Não tem tanto espaço para eles na cidade”, comenta.

 

Vivendo do som

 

Nem só dos encontros em espaço público vive o rap ponta-grossense. Muitos rappers inclusive tentam ganhar a vida com ele. Ponta Grossa viu, nos últimos anos, um crescimento de estúdios de gravação de rap, assim como de MC’s que tentam viver da música. Esse é o caso de Orelha MC, Alexandre Lima, 20 anos.

 

Junto do seu grupo “Mafia 042”, Lima vem desenvolvendo músicas do estilo Trap, derivado recente do rap que se utiliza de batidas de música eletrônica. “Orelha” comenta que o estilo demorou a ser conhecido na cidade, mas atualmente há outros compositores que adotaram o ritmo.

 

Lima, que divulga seu trabalho pela internet, precisa estar sempre acompanhando o público, assim como eles o acompanham, porque, segundo ele, é preciso sempre saber sobre o gosto musical deles.

 

O rapper reforça a importância de se conhecer e estudar as músicas antes de partir para a profissionalização do trabalho. “A cada novo aprendizado vou incorporando métricas novas pras nossas músicas”, complementa.  

 

A velha guarda

 

O movimento hip-hop começou a crescer e ganhar força na cidade a partir da década de 1990, na região periférica do bairro Santa Paula. Um dos nomes mais conhecidos do movimento, Ismael Gueg, surgiu dessa cena. O rapper e produtor comenta as mudanças que ocorreram com o hip-hop ponta-grossense.

 

“A diferença é que antes os MCs davam mais valor pros evento. Colavam pra participar e ouvir grupos da cena local. Compravam CD. Eram mais atuantes na participação dos pequenos e grande eventos”, comenta. Atualmente, o número de MCs participantes de eventos reduziram, aponta Gueg.

 

“Pela acessibilidade a mega shows ao vivo, de uma certa forma, banalizou a cena local. Muita internet e pouca rua. Mas vejo a resistência de alguns grupos cantando com mais frequência assim como eu levando rap e boa música pra diversos lugares”, avalia.

 

Apesar do esvaziamento, Gueg observa que a cena do rap local cresceu, com muito investimento e gente trabalhando pra fazer seus sonhos virarem realidade. “Ainda falta um pouco de profissionalismo na busca de conhecimento musical. Nem sempre um notebook e um mic te farão um bom mc”, declara.

 

Ele aponta que algumas portas se abriram hoje pro rap como editais de shows e participações mas ainda há muito para essa cultura ter seu lugar em Ponta Grossa.

 

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