Após mais de dez anos, ainda não foram esclarecidas completamente as causas do incêndio que levou o prédio do Clube Sírio-libanês a ser demolido. O edifício, localizado na Rua XV de Novembro, centro de Ponta Grossa, foi inaugurado por imigrantes na década de 1930 e pegou fogo por volta das 7h da manhã, do dia 3 de agosto de 2007. O incêndio demorou cerca de uma hora para ser controlado. Na época, a propriedade constava na lista de propriedades inventariadas para tombamento desde 1999.
A Lei Municipal nº 6.183/99, que dispõe sobre a preservação do patrimônio cultural do município de Ponta Grossa, prevê que a proteção e conservação de um bem tombado é responsabilidade dos respectivos proprietários, sem permitir reformas que descaracterizem o local. Segundo a lei, os casos de possíveis reformas devem ser encaminhados ao Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (COMPAC), para que se determinem as diretrizes a serem seguidas pelos donos dos imóveis. De acordo com a legislação, todos os edifícios passam por um estudo prévio antes do tombamento e o proprietário pode recorrer da decisão por meio das audiências organizadas pelo COMPAC.
Outro exemplo de incêndio em prédio histórico na cidade aconteceu no início dos anos 2000, no antigo Hotel Dallas, localizado próximo à Estação Saudade. Na época, houve divergências entre o Conselho e o dono do prédio, que não concordava com o tombamento. Atualmente, outro prédio já foi construído no local. A reportagem não conseguiu contato com os proprietários dos edifícios incendiados.
O artigo nº 43 da Lei Municipal prevê uma multa que pode variar entre R$ 1.760,00 e R$ 176.000,00 se houver demolição, destruição ou mutilação da propriedade. Como o prédio não estava oficialmente tombado, ninguém foi punido. O caso do Hotel Dallas segue paralisado na justiça. Atualmente, um estacionamento ocupa o terreno do antigo Clube Sírio-libanês. Em contrapartida, o prédio da antiga Sociedade Polonesa Renascença e o Clube Dante Alighieri são exemplos de patrimônios culturais que acabaram sofrendo danos em suas estruturas e hoje passam por processos de revitalização.
Para o vice-presidente da Associação de Proteção ao Patrimônio Cultural e Natural (APPAC), Leonel Brizzola, poucos cidadãos compreendem o processo de conservação de patrimônio em Ponta Grossa. “A maioria das pessoas possui um pensamento simplista, de que é preciso trocar o que é velho por algo novo, pensando em modernização, o que acaba desvalorizando aspectos culturais, como por exemplo, demolir um prédio histórico para construir algo novo no lugar, sendo que é possível ter uma coisa sem deixar de ter a outra”, explica.
Brizzola lidera um grupo de pesquisa sobre o patrimônio cultural da região. A partir dessa ideia, surgiu a APPAC, uma instituição que defende os interesses relacionados aos edifícios históricos e que busca participação nos conselhos existentes na cidade, entre eles, o COMPAC. “Infelizmente, ainda não há espaço para a nossa associação dentro do conselho”, alega Brizzola. “Estamos negociando com o COMPAC porque queremos ter mais participação e influência nas decisões tomadas a respeito dos patrimônios da cidade”, completa.
Mesmo sem ter voz ativa no conselho, a APPAC possui frentes de liderança que discutem os problemas relacionados ao patrimônio cultural e encaminham essas discussões aos demais conselhos municipais. “Houve uma discussão a respeito de propagandas em prédios históricos. Existem leis que não permitem que isso aconteça, em respeito à preservação da cultura municipal. É deste tipo de discussão que a associação participa”, conta Brizzola.
Lei dificulta preservação dos patrimônios tombados
Recentemente, o Clube Dante Alighieri, localizado na Rua Comendador Miró, aos fundos do Colégio Estadual Regente Feijó, entrou em discussão a respeito de uma eventual reforma. O prédio é tombado desde maio de 2012. A diretora geral do COMPAC, Carolyne Abilhôa, recorda que, na época, a estrutura do prédio estava bastante desgastada. Segundo ela, o antigo proprietário alugava o edifício, o que levou a danos causados pelos próprios locatários. “O ‘Dante’ foi doado à Paróquia Nossa Senhora do Rosário, com a proposta de preservar os telhados e a fachada, reformando aquilo que foi descaracterizado. A ideia é dividir a área em um memorial do clube, além de construir outro espaço a parte no local para eventos da igreja”, completa Abilhôa.
Outro local em Ponta Grossa que foi alvo de especulações a respeito de sua estrutura é o prédio da antiga Sociedade Polonesa Renascença. As especulações de que o local seria demolido porque corria risco de desabar foram desmentidas pelos responsáveis da propriedade. O prédio é tombado e será reformado, conforme avaliação do conselho. “Não existe como ‘destombar’ um patrimônio, no entanto, ocorre aqui na cidade um processo no qual cabe ao Prefeito Municipal dar a palavra final sobre o tombamento, além da decisão do conselho”, explica Brizzola.
Inativa há aproximadamente 10 anos, a Sociedade Polonesa Renascença faz parte da herança cultural estrangeira em Ponta Grossa. Enquanto clube social, o prédio fundado em 1934 era utilizado como ponto de encontro dos imigrantes poloneses da cidade. Nos últimos anos de funcionamento, o prédio recebia aulas de dança, capoeira, entre outros. O valor do aluguel era utilizado para pagar as contas do edifício em pleno funcionamento, no entanto, os altos custos inviabilizaram a manutenção do prédio, tombado oficialmente em 2005.
“A legislação atual deixa a conservação do patrimônio à mercê do proprietário. Se ele não tiver dinheiro, é muito difícil o patrimônio sobreviver”, afirma o presidente da Sociedade Polonesa Renascença, Gary Dvorecky. De acordo com ele, a isenção de 70% no IPTU após o tombamento, previsto no artigo nº 41 da atual legislação, não cobre os gastos com a restauração do edifício. “Muitos materiais exigidos pelo COMPAC após o tombamento do edifício não estão disponíveis em abundância no mercado. São tipos específicos de telhas, estruturas de madeiramento muito antigas. Atualmente, tudo isso custa um valor muito alto”, relata o presidente.
Dvorecky acredita que a preservação completa do imóvel ocorre quando não é necessário um grande investimento no prédio. “A partir do momento em que o patrimônio exige uma grande reforma, acaba pegando fogo”, lamenta. A Sociedade Polonesa Renascença firmou uma parceria com uma empresa de administração, que ocupará o espaço por um período de tempo pré-determinado em acordo. Após o fim do contrato, o dinheiro arrecadado com o aluguel será utilizado na restauração da memória polonesa presente no local. “Temos fotografias, filmes, livros que remetem à cultura europeia. A proposta é que tudo isso seja devidamente recuperado”, comenta.
O atual Diretor de Patrimônio do COMPAC, Alberto Portugal, admite a necessidade de uma nova discussão a respeito da lei, atualizada em 2005. “Alguns aspectos redigidos na época necessitam de um debate mais amplo. O processo de revisão da lei teve início no ano passado. O conselho pretende apresentar uma reformulação em breve, junto ao departamento de patrimônio cultural”, afirma Portugal.
Versão do COMPAC a respeito dos incêndios em prédios históricos
“As investigações a respeito do incêndio no Clube Sírio-libanês foram inconclusivas”, afirma ngela Pilatti, presidente do COMPAC em 2007. Ela conta que o prédio da Rua XV de Novembro foi um dos primeiros a ser inventariados em Ponta Grossa, em virtude de sua importância histórica, mas o tombamento não foi concluído por problemas internos entre os antigos proprietários e os conselheiros. “Com o tempo, o imóvel desocupado foi deteriorando, sem manutenção, foi invadido por vândalos e começou a ser destruído”, completa.
De acordo com a ex-presidente, o Ministério Público foi solicitado em defesa da preservação do local após o incêndio, mas sem sucesso. “O antigo proprietário conseguiu o alvará que precisava e o prédio foi demolido”, relata.
Com relação ao Hotel Dallas, Pillati aponta as divergências com o proprietário como a principal causa do incêndio. “O prédio estava inventariado para tombar, mas o dono não concordava e a situação emperrou”, lameta. “Ao contrário do caso do Clube Sírio-libanês, onde as investigações foram inconclusivas, o caso do Hotel Dallas é investigado até hoje”, completa a ex-diretora.
Níveis de tombamento
Segundo o COMPAC, o tombamento de um edifício é classificado de acordo com diferentes níveis de proteção. Para os classificados no grau 1, não são permitidas quaisquer alterações que modifiquem os aspectos particulares do edifício, mas podem sofrer leves mudanças internas condizentes com as características do prédio.
O nível 2 é mais flexível, pois admite uma reconstituição maior do prédio, em caso de desgaste. No grau 3, deve-se manter características originais da fachada, porém, é possível modificar completamente o interior do edifício. O Clube “Dante” e a Sociedade Polonesa se enquadram neste caso.
Por fim, o nível 4 de tombamento engloba unidades que permitem uma modificação integral do patrimônio, desde que seja condizente com o entorno histórico. O município não possui nenhum prédio nesta categoria. Atualmente, Ponta Grossa possui 58 imóveis tombados em definitivo e outros 56 inventariados para uma eventual preservação futura.
Mapa dos patrimônios culturais de Ponta Grossa
-Tombados pelo COMPAC (clique para acessar)
-Inventariados pelo COMPAC (clique para acessar)
Arquivo Portal Periódico
10/08/2016 - Papo Periódico: preservação do patrimônio em Ponta Grossa
Ficha Técnica
Reportagem: Allyson Santos e Cícero Goytacaz
Edição: Hygor Leonardo, Nadine Sansana e Thailan de Pauli Jaros
Foto: Allyson Santos
Supervisão: Professoras Angela Aguiar, Fernanda Cavassana e Helena Máximo