Ponta Grossa é a terceira cidade do Paraná com a maior população de rua nas regionais de saúde, perdendo somente para Curitiba e Londrina, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) de 2017. Atualmente, o município possui mais de 311 mil residentes. São mais de 200 pessoas que moram na rua ou se encontram em situação de rua, segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social. Nos últimos anos, a quantidade de pessoas nessa situação tem diminuído.

 

 

Morador de rua não é o mesmo que morador em situação de rua. Quando a pessoa não tem endereço fixo, está com vínculo familiar rompido ou fragilizado e não tem renda ela é caracterizada como moradora de rua. Se algum desses pontos não seja verificado, não trata de um caso de alguém que está vivendo na rua, mas de uma pessoa é classificada como moradora em situação de rua.

 

No Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2015, existem mais de 101 mil moradores de rua. A maior parte dessa população (77,02%) está nas cidades com mais de 100 mil habitantes, como é o caso de Ponta Grossa. No Paraná, segundo o MDS, cerca de 32 mil pessoas estão nessa situação.

 

Os motivos que levam as pessoas a viverem na rua são variados, como vínculos familiares interrompidos, desemprego e até dependência química e transtornos mentais. O professor de geografia e doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Willian Castro (31), conta que não é por vontade própria que as pessoas se encontram em situação de rua, embora grande parte da sociedade pense o contrário.

 

“Esta situação está vinculada ao processo de como a sociedade se organiza, atualmente, em um sistema em que a inclusão é precária, que o preconceito é escancarado e a pobreza extrema banalizada”, considera o pesquisador.

 

Em Ponta Grossa, o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas) é o órgão da prefeitura que atende pessoas que estão em situação de risco ou vulnerabilidade, incluindo os moradores de rua ou em situação de rua. A instituição faz o registro dos indivíduos e os encaminha para os atendimentos específicos que possam auxiliar cada pessoa conforme elas precisem. Os dependentes químicos são encaminhados para o Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas (Caps ad) e os indivíduos que têm transtornos mentais utilizam os serviços do Caps TM  (Transtornos Mentais).

 

“Os casos que estão mais agravados são encaminhados para o Pronto Socorro e para o São Camilo para o tratamento de desintoxicação”, explica a assistente social Ana Carolina da Silva Reis, da organização Ministério Melhor Viver, que desenvolve projetos sociais e assistenciais para a população de rua, além de ter um abrigo.

 

A pessoa fica, em média, 20 dias no hospital para a realização do processo. “Essa desintoxicação é tirar a substância química do corpo da pessoa para que ela possa ir para uma instituição iniciar ou retomar um atendimento”, explica a assistente social. Reis também informa que, para estar no abrigo, a pessoa tem que permanecer em abstinência.

 

“Algumas pessoas, dependendo do comprometimento com a substância, não conseguem ficar em abstinência. A maioria consegue, mas quando a gente identifica que a pessoa não está conseguindo, que ela não está se adaptando à instituição, aí a gente encaminha pro Caps”, justifica a assistente. Ana Carolina explica que, no Caps, o indivíduo vai ter atendimento de um psiquiatra e pode ter acompanhamento com medicação. “Ele vai estar morando aqui [no abrigo], mas fazendo acompanhamento médico lá”, esclarece.

 

A dependência química não é atendida como uma questão social, mas como uma questão de saúde. É por isso que os moradores de rua ou em situação de rua são encaminhados para órgão de atendimento à saúde nesses casos.

 

Não há na cidade um serviço de saúde específico para moradores de rua. Então, eles são indicados para serviços que possam suprir as demandas, como o tratamento para a dependência química ou o transtorno mental.

“Mas todas as pessoas em situação de rua, independente de ter ou não o cartão SUS, podem ser atendidas em qualquer das nossas Unidades Básicas e também nos serviços de urgência”, afirma o secretário municipal de Saúde, Robson Xavier.

 

Atendimento à população de rua

 

No município, existe o serviço Centro Pop que atende as pessoas em situação de rua. A instituição procura atender a demandas imediatas da população de rua, como alimentação e higiene. São distribuídos café da manhã, lanches, tíquetes de almoço do Restaurante Popular e kits de higiene pessoal. Além disso, o órgão possui espaços de guarda de pertences e provisão de documentação civil.

 

A Assessoria de Imprensa da prefeitura afirma que a instituição oferece “atendimento e acompanhamento técnico para análise das demandas dos usuários, através de entrevista de escuta qualificada e orientação individual e em grupo”. Identificadas as necessidades dos sujeitos, o Centro os encaminha a outros serviços socioassistenciais e demais políticas públicas, a fim de garantir direitos da população em situação de rua.

Em Ponta Grossa, existem alguns lugares onde o morador de rua ou em situação de rua pode passar a noite ou mesmo permanecer por um tempo. Existe somente um abrigo na cidade, o do Ministério Melhor Viver, que atende, em dois endereços, apenas homens ou famílias, totalizando 50 vagas. A fila de espera é organizada pelo Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas).

 

O abrigo não acolhe mulheres sozinhas, solteiras. “Não é nenhuma forma de preconceito e nem que a gente não queira atender aqui, mas é que o público de rua tem suas limitações que a gente tem que tomar cuidado, com segurança, preservar a mulher”, explica a assistente social do Ministério Melhor Viver, Ana Carolina da Silva Reis. A assistente ainda conta que, em situações de calamidade, a prefeitura encaminha famílias para ficarem no abrigo.

 

O Ministério Melhor Viver tem como objetivo promover ações para a reinserção do sujeito na sociedade. Isso significa que o tempo de permanência no abrigo não é limitado. Em média, eles permanecem 6 meses, mas esse prazo vai se estendendo conforme a necessidade do sujeito para construir o próprio projeto de vida.

 

O projeto de vida que o Ministério procura formar com o indivíduo envolve a profissionalização, a capacitação para o mundo do trabalho, a escolaridade e o resgate de vínculos familiares. Caso não haja reconstrução dos laços, busca-se criar novas relações. Quando a pessoa consegue autonomia financeira e uma emancipação, ela pode sair do abrigo.

 

Quando a pessoa atendida consegue um emprego formal, ela é encaminhada para uma república, um outro projeto. “Lá, eles ficam num sistema de cogestão, eles mesmos se organizam para criar as regras da casa, em conjunto com a instituição.  Existe um coordenador que se reúne para dividir as despesas, como se fosse um condomínio”, relata a assistente social.

 

Na república, há 15 vagas. A instituição estimula a realização de uma reserva financeira para que as pessoas consigam se desligar e se manter independentes. “Esse tempo que ele estiver na república trabalhando, é um tempo que ele vai pôr em prática um projeto de vida que ele já tinha construído”, conta.

 

É comum a volta das pessoas que foram do abrigo para as ruas quando é um caso de dependência química. “São números altos de pessoas que voltaram para o mercado de trabalho, que retomaram suas famílias ou reconstruíram novas vidas”, destaca. “Só que a dependência química tem essa característica da pessoa ter, ao longo da vida, uma série de recaídas”, lamenta.

 

Outro lugar para a estadia de moradores de rua ou em situação de rua é a Casa da Acolhida. O estabelecimento é uma casa de passagem que acolhe homens e mulheres. Diferente do abrigo, esse espaço tem um período máximo de permanência de 90 dias.

 

O objetivo da instituição é abrigar o morador até ele conseguir uma saída, desde que solução encontrada não demande muito tempo, como arranjar um emprego. “Se a pessoa procurar o abrigo hoje, ela não encontra vaga. Ela vai ficar na fila de espera. Então, ela pode ficar na Casa da Acolhida aguardando uma vaga”, explica.

 

O direito à moradia

 

O estudo do Ipea alerta sobre a necessidade da população de rua ser incluída no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) para que ela possa ter acesso à transferência de renda e habitação. Porém, em 2015, somente 47,1% dessa população estavam cadastrados.

 

Os moradores de rua ou em situação de rua realizam circuitos específicos diariamente para suprir as suas necessidades básicas, conta o pesquisador William Castro. “Suas vidas cotidianas se resumem em buscar abrigo e lugares para sua alimentação”, relata.

 

O pesquisador ainda alerta que a situação precisa de uma atenção especial do poder público “que, nos últimos anos, não tem praticado uma política pública ampla e eficiente, além de casos de violações de direitos e negligência”.

 

Segundo Castro, essa situação de peregrinação poderia ser amenizada ou até resolvida se essas pessoas tivessem uma moradia fixa. “A moradia é muito mais do que quatro paredes”, afirma. O pesquisador argumenta que “ela [moradia] proporciona o sentido de pertencer a uma comunidade e ser reconhecido enquanto um cidadão, além da garantia da sua privacidade”.

 

Segundo a Constituição Federal, a moradia é um direito social. No artigo 23, está designada, ao Estado e aos municípios, a função de “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. Contudo, o Brasil não possui dados oficiais sobre a população de rua.

 

O especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado do Ipea, Marco Antonio Carvalho Natalino, critica,  no documento “Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil”, que “essa ausência [de dados oficiais] prejudica a implementação de políticas públicas voltadas para este contingente e reproduz a invisibilidade social da população de rua no âmbito das políticas sociais”.

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