Pedófilos usam a IA para modificar fotos de crianças dos perfis dos pais

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O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê como crime vender, expor e armazenar fotos ou vídeos de abuso e exploração sexual infantil. Foto: arquivo

 

As denúncias de imagens de abuso e exploração sexual infantil atingiram recorde histórico desde a criação da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos. O ano de 2023 teve crescimento de 77,13% nas denúncias de imagens de abuso contra crianças e adolescentes, em relação a 2022, segundo dados da SaferNet Brasil. A central é uma plataforma online brasileira criada pela SaferNet responsável, desde 2006, por receber, analisar e encaminhar para as autoridades competentes as denúncias de crimes cibernéticos que violam os direitos humanos. O sistema é administrado em parceria com o Ministério Público Federal e outras entidades. Segundo a organização, existem três motivos que explicam esse  aumento: o uso de inteligência artificial (IA) para a produção de imagens de exploração sexual infantil; a disseminação da venda de pacotes com nudez infantil; demissões em massa nas big techs de equipes que cuidam da segurança, integridade e moderação dos conteúdos na internet. 

Em 2023, foram recebidas mais de 101 mil denúncias relacionadas a 71.867 mil páginas com  imagens de abuso e exploração sexual infantil. Dessas denúncias, os endereços que identificam os dispositivos (IPs) foram encontrados em 65 países dentro de seis continentes,  recorde absoluto de denúncias novas (sem repetição) em 18 anos de trabalho da central da SaferNet. As denúncias novas são links nunca antes reportados à SaferNet - os links duplicados são descartados para evitar duplicidade de investigação. Em relação aos IPs identificados dentro do Brasil, 2023 teve um aumento de 40,03% em comparação ao ano de 2022.

 

Aumento de casos de imagens de exploração sexual infantil está relacionado ao uso de Inteligência Artificial. 

 

O avanço das tecnologias têm trazido impactos negativos no aumento de casos de imagens de exploração sexual infantil. A IA tem sido usada por pedófilos para produzir fotos com conotação sexual de crianças. Pais e responsáveis são vítimas sem ao menos saber, já que pedófilos roubam fotos de crianças das redes sociais dos pais ou responsáveis, as modificam com a inteligência artificial  e as vendem em grupos do Telegram. Além disso, os criminosos usam códigos para identificar as fotos das crianças. Alguns desses códigos são “me perdoe, menina” e “errei, fui Raulzito”, eles são postados pelos criminosos em comentários de fotos e vídeos de crianças para identificar os conteúdos para outros pedófilos.

Essas expressões são muito comuns em redes sociais como Tik Tok e Instagram. Keyla Beninca é mãe de uma menina de três anos e relata os cuidados ao saber das novas estratégias dos  criminosos. “Eu me preocupo muito com a possibilidade das fotos da minha filha serem usadas indevidamente. Ainda mais depois de saber que os pedófilos modificam elas”. Keyla relata que toma cuidado com as fotos que posta da filha, não expõe a criança  e deixa seus perfil no  privado para  impedir que contas falsas ou pessoas desconhecidas tenham acesso a sua conta. O médico psiquiatra  Tarcísio Dornelles diferencia os tipos de abusos cometidos contra crianças e adolescentes: pedofilia e parafilia. Enquanto a pedofilia é um crime tipificado pelo Código Penal, a parafilia é um transtorno psiquiátrico, quando o indíviduo tem desejo sexual por crianças e isso causa sofrimento a ele. “Na grande maioria das vezes, os indivíduos que têm parafilia não chega a cometer o crime. Por outro lado, as pessoas que cometem o crime de pedofilia não têm a parafilia. Isso liga o crime a questões sociais, culturais ou de exploração econômica por meio da prostituição ou venda de imagens”.  O psiquiatra afirma que existem casos em que o criminoso tenta alegar o transtorno mental como uma tática de defesa a fim de evitar a condenação criminal. Mas, na maioria das vezes, esse comportamento criminoso não  acompanha o transtorno. Dornelles enfatiza o impacto psicológico e emocional causado às crianças e as famílias vítimas do compartilhamento de imagens de abuso e exploração sexual infantil. “O impacto é tremendo. Um trauma que precisa ser trabalhado e pode ter consequências gravíssimas na vida do indíviduo”.

Nas redes sociais, em vídeos de crianças com poucas roupas ou dançando é possível encontrar comentários de pedófilos. Foto: autora

A legislação brasileira para crimes de abuso e exploração sexual infantil é rigorosa. As punições previstas são  descritas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na lei 8.069/1990 e com alterações introduzidas pela lei 11.829/2008. A produção, distribuição e venda de conteúdos de exploração sexual infantil pode chegar a reclusão de 4 a 8 anos. Além disso, outras leis, como a de crimes cibernéticos, podem ser aplicadas como agravantes, aumentando a pena. O advogado João Maria de Goes alerta para os cuidados com a exposição excessiva das crianças nas redes sociais, o que as tornam mais suscetíveis ao uso indevido das imagens. Para Goes, ainda existe um desafio no combate às imagens de abuso e exploração sexual infantil. “O crime está cada vez mais organizado quando se trata de se esconder. O uso da tecnologia dificulta a localização do criminoso, é um trabalho árduo até chegar a ele”, afirma. 

Os canais de atendimento para denúncias de imagens de abuso e exploração infantil são o Disque 100, os conselhos tutelares, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da SaferNet e delegacias. 

É uma recomendação mundial que o termo “pornografia infantil” seja substituído por “imagens de abuso e exploração sexual infantil” ou “imagens de abuso contra crianças e adolescentes”. A justificativa é de que as imagens de nudez e sexo de crianças e adolescentes não são consensuais. Por isso, não trata-se de pornografia, mas sim, imagens de crianças e adolescentes  abusadas e exploradas sexualmente.

 

 

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