Como em uma caça de gato e rato, golpes online aumentam, enquanto instituições tentam contê-los
O advogado James Ribas estava a passeio em um dos pontos turísticos da cidade do Rio de Janeiro quando acabou sentindo falta do seu celular. Imediatamente, saiu a procura do telefone, mas não encontrou. O aparelho recebia chamadas, mas ninguém atendia. Ele havia sido roubado. Voltando para o hotel em que estava hospedado, tentou fazer login na sua conta da Apple para bloquear o dispositivo; porém, a senha não estava mais funcionando.
Os criminosos conseguiram desbloquear o celular, o aplicativo bancário e fazer empréstimos de mais de 15 mil reais, transações pelo PicPay e pelo Mercado Pago. Tanto a segurança do dispositivo, quanto a do aplicativo bancário, falharam. Quando o advogado ligou para o banco para bloquear o cartão, a instituição solicitou a confirmação dos dados da conta, mas os criminosos haviam alterado os dados.
Foto: Maria Luiza Pontaldi
O advogado então realizou a contestação das transações pelo aplicativo, email e SAC, como foi solicitado. No total, foram 11 e-mails e cinco ligações para o Nubank, além de três e-mails para o Picpay. James afirma que durante o atendimento do banco precisou explicar o ocorrido várias vezes, para diferentes atendentes.
A instituição deu um prazo para retorno, que, porém, não foi cumprido. Somente quando o advogado resolveu levar a reclamação ao Banco Central, o banco Nubank solucionou o problema e fez a devolutiva dos valores, depois de quatro dias. Foram realizados todos os trâmites possíveis para recuperação do valor, como por exemplo, o boletim de ocorrência.
Golpes por PIX
A psicóloga Rafaela Mendes caiu em um golpe através do Whatsapp. Ela cuida dos pagamentos da família e faz parte do seu cotidiano realizar várias transações de pagamento. Então, em uma tarde, sua mãe, que não estava em casa, mandou mensagem pedindo para ela fazer um PIX para uma conta.
Rafaela conta que o CPF que foi informado não era de uma conta conhecida, mas como era normal ela realizar esses pagamentos, enviou. Passou alguns minutos, a “mãe” mandou outra mensagem pedindo um novo Pix para a mesma conta. Ela então achou meio estranho, chegou até a questionar a pessoa com quem conversava, mas foi convencida pelos golpistas. Foi quando pediram um terceiro PIX, com um valor muito maior, que a psicóloga percebeu que se tratava de um golpe.
De acordo com ela, os golpistas usavam as mesmas expressões que a sua mãe, a forma de falar e sabiam dados específicos das contas bancárias. Todas essas transações aconteceram por duas horas, em um intervalo de tempo em que ela e sua mãe não estavam juntas. Os golpistas ainda pediram dinheiro para muitos contatos, alguns chegaram a ligar pedindo os dados para depósito. A psicóloga não quis revelar o valor que perdeu, mas afirma que o prejuízo foi grande. A família está processando o banco e a operadora do celular, mas ainda não conseguiram recuperar nada: os processos estão todos parados.
O advogado Enzo Camargo reforça a obrigatoriedade que os bancos têm em prestar atendimento em casos de fraude e estelionato. “Quando você contrata um serviço do banco, você está dentro de uma situação regida pelo código de direito do consumidor. A instituição tem uma responsabilidade objetiva, ou seja, independente se é culpado ou não pelo acontecido, o consumidor é mais fraco. Provando ou não a sua responsabilidade, o banco vai responder”.
É da responsabilidade do banco controlar a movimentação de dinheiro. Em casos de movimentações estranhas e falta de serviços de segurança, o consumidor não pode ser lesado em uma obrigação que o banco deixou de cumprir.
A partir de novembro de 2021, foi estabelecido o Mecanismo Especial de Devolução (MED), pelo Banco Central (BC). Segundo o BC, a ferramenta tem como objetivo dar autonomia para o banco recebedor devolver o dinheiro. No entanto, ele só pode ser acionado em situações específicas: quando há suspeita do uso do PIX para fraude, ou quando há falha operacional no sistema de qualquer dos participantes envolvidos na transação.
Golpe no Instagram
Outro golpe muito comum nas redes sociais é a tentativa de estelionato por meio de venda de eletrodomésticos no Instagram. A conta é hackeada e são publicados nos stories vários produtos com o preço muito abaixo do valor de mercado.
A estudante Meire Dias teve seu Instagram hackeado, porém conseguiu recuperar. “Assim que começou a ser publicado os stories, minha irmã, que estava em casa, me perguntou sobre as postagens e comecei as etapas para recuperar minha conta”. Como a conta foi recuperada de forma rápida, não deu tempo de muitas pessoas verem, porém alguns chegaram a demonstrar interesse pelos produtos.
Nesses casos, o indicado é iniciar imediatamente a recuperação da conta. O Instagram vem incentivando a adoção da verificação em duas etapas, recurso de segurança que impede que a conta seja roubada, através do número de telefone ou email - este, indicado como principal meio de recuperação, levando em consideração que muitas vezes o telefone celular é clonado também.
Vale ressaltar a importância do cuidado sempre que for negociar algum item na internet, desconfiar de contas de pagamento diferentes do vendedor, negociações muito abaixo do valor de mercado e sempre guardar comprovantes de transferências. Em relação às redes, sempre prestar atenção em mensagens de SMS, e-mails ou ainda anúncios de promoções suspeitas.
Para que serve o BO?
Segundo o advogado Enzo Camargo, o boletim de ocorrência tem dupla função. Serve tanto como registro, ou seja, uma forma de levar ao conhecimento das autoridades policiais os fatos que aconteceram, mas existe também o desdobramento por parte da investigação da polícia.
É a partir do BO que pode-se iniciar a fase da instauração do inquérito policial. Porém, para que essa fase aconteça, é necessário ter indícios da autoria de quem praticou o crime e a prova da materialidade, de que o crime ocorreu mesmo. No entanto, nem sempre todos os boletins de ocorrência registrados vão ter desdobramentos, um inquérito policial e, posteriormente, uma ação penal perante o juiz.
“Dependendo da quantidade de informações que você apresenta no seu boletim de ocorrência, pode virar um inquérito policial e uma ação penal com a condenação da pessoa. Como estamos diante de fraudes em meios eletrônicos, é muito difícil identificar quem foi o responsável. Por isso, às vezes os boletins ficam só nos registros, mas eles têm a dupla função policial”, pontua Camargo.
Vale salientar que o boletim de ocorrência tem “fé pública”. Então, registrar atos que não foram praticados, também é crime. Em casos de estelionatos e fraudes eletrônicas, é indispensável realizar o B.O, mesmo que fique apenas no registro, para conseguir a devolutiva dos valores por parte de banco e demais empresas, o documento é obrigatório.
Ficha técnica:
Reportagem: Rafael Piotto
Edição e publicação: Lucas Ribeiro
Supervisão de produção: Marcos Zibordi
Supervisão de publicação: Marcos Zibordi e Maurício Liesen