Queda no consumo do impresso influência na derrocada das bancas

 

Até o começo dos anos 90 o jornal impresso ainda vendia significativamente e a Banca Nova Rússia, na Avenida Ernesto Vilela, era comandada por dona Maria.  “Jornal aqui só sai pra ser usado em canil de animais de estimação. Até 2015 vendíamos em média 200 jornais por semana. Em 2020 não vendemos nem 5 por semana” lamenta Anderson Carneiro, atual dono do ponto. A solução é transformar a banca em uma loja de conveniência.

De 2013 a 2020 o consumo de jornalismo impresso caiu de 50% para 23% no Brasil, segundo O Relatório de Notícias Digitais 2020 do Instituto Reuters que analisa o impacto do coronavírus no consumo de notícias e nas perspectivas econômicas para os editores - O instituto Reuters entrevistou 2.000 brasileiros para essa pesquisa.

O pai de Anderson assumiu o ponto na Praça dos Bichos - agora com todos os animais extintos - em 1991. “Eu sempre acompanhei e assumi integralmente as atividades aqui faz um ano e meio” me conta Anderson enquanto caminhamos entre pilhas de jornais e revistas que não foram vendidas, sorvetes, tabaco, revista adulta, mangá, fones de ouvido e carregadores. Às vezes alguém aparece precisando de uma impressão ou de uma cerveja.

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Legenda: Anderson Carneiro atende sozinho o caixa da banca, seu pai, já idoso, mora em outra cidade

Porém, o fenômeno de baixo consumo de jornalismo impresso, que acarreta no desligamento das atividades das bancas, não é novo e se desenrola desde os anos noventa. As bancas de jornais reduziram seus pontos comerciais em 45% nos últimos 10 anos, no Paraná, segundo o Sindicato dos Jornaleiros do Estado do Paraná (Sinjor-PR). 

O jornal Diário dos Campos e o Jornal da Manhã são os únicos veículos impressos privados que circulam em Ponta Grossa. “Temos os dois jornais locais principais. Porém, em 2021 cancelamos assinaturas de fora, como por exemplo, Folha de S. Paulo. Não vendia quase nada, então não rendia. As revistas são o mesmo caso dos jornais impressos, não vendem muito e o trâmite de compra com a gráfica é muito complicado” finaliza Carneiro.

O relatório do Instituto Reuters mostra que as redes sociais ocuparam um lugar importante na vida das pessoas e o consumo de conteúdo jornalístico por meio de redes sociais cresceu de 47% para 67%. O uso de smartphones para consumo de notícias também teve expressivo crescimento e saltou de 23% para 76%. “O mercado digital tem facilidade na procura e aquisição de produtos. Para acompanhar conteúdo jornalístico e entretenimento sigo perfis no Instagram que nos direcionam diretamente ao seu conteúdo e site” relata Cadu Kordiak, colecionador de quadrinhos e mangás.

Segundo o colecionador, Cadu Kordiak, as bancas estão em um processo de desconstrução. “Nos dias de hoje as bancas não são rentáveis, e dá pra ver isso nos esforços que elas precisam fazer para se adaptar, gerando uma desconstrução do que ela é. Você vê cada vez mais produtos incomuns na banca ocupando o lugar de conteúdos impressos” conta o colecionador. O mercado editorial flui aos poucos para um mercado majoritariamente digital e as bancas se tornam lojas de conveniência. “Não abro mão de consumir livros e quadrinhos por colecionar e realmente gostar e também vejo o valor do impresso devido a visibilidade que ele deu a grandes cartunistas, porém com a modernidade, o hábito de leitura e acessibilidade do digital acabam ganhando” complementa Cadu Kordiak.

Postos de trabalho

As assinaturas digitais se tornam cada vez mais comuns no dia a dia e isto aumenta a demanda por profissionais em pontos de trabalhos em portais de notícias. Porém, o fechamento de jornais impressos têm impactado diretamente na relação de trabalho dos jornalistas e no fechamento de postos de trabalho. Segundo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor-PR), de 2010 pra cá é crescente o número de jornalistas que são demitidos ou estão pedindo demissão devido ao acúmulo de trabalho ter aumentado. Isso acontece por conta da mudança do modelo de negócio, migrando do impresso para a internet, onde o acompanhamento de notícias, são 24 horas por dia. 

“O aumento no consumo do digital a partir de 2014 até 2016 resultou em muitos jornalistas demitidos e desligados, especialmente de jornais impressos. No interior vários jornais também estão fechando, não é só na capital. Isto reduziu drasticamente as vagas de trabalho de jornais que eram impressos e viraram portais” explica Gustavo Henrique Vidal, diretor-presidente do Sindijor-PR.

 De acordo com Gustavo Henrique Vidal é muito relativo avaliar pontos positivos e negativos dessa migração do trabalho em jornal impresso para o digital e que depende muito da estrutura e condições de trabalho que as empresas oferecem. “Se um jornal do interior fecha as portas para o impresso, demite jornalistas e mantém uma equipe reduzida para cobertura online, o volume de trabalho vai ser bem excessivo", conta o diretor-presidente do Sindijor-PR. O lado positivo seria que quanto mais demanda você tem, mais jornalista você precisa, o que geraria mais contratação, porém, não é o que acontece. “Diversas denúncias de longa jornada, trabalho excessivo e dupla jornada mostram que o cenário se agravou negativamente” finaliza Gustavo Henrique Vidal.

Procura e Venda

O colecionador de quadrinhos e mangás, Cadu Kordiak, tem esse hobbie desde a infância. “Eu frequentei banca por um tempo. Sempre fui muito fã de quadrinhos e mangá. Logo que comecei a colecionar fui atrás de uma banca para adquirir esses produtos aqui em Ponta Grossa, porém sem muito sucesso. Em outros lugares a variedade de cultura impressa é maior, fica mais fácil achar quadrinhos que te chamam atenção. Mesmo assim, não só em Ponta Grossa, o perfil das bancas está mudando” aponta Cadu Kordiak.

“Por exemplo, você quer adquirir um conteúdo impresso, semanal, mensal, enfim, é muito fácil você ir na internet encontrar o que você quer. Isso reflete no mercado editorial, na banca e nessa relação. Você vê publicações e editoras grandes fechando. Abril, Panini, JPC”, comenta o colecionador. 

Editoras como a Panini já cancelaram a impressão e comercialização de várias publicações na banca, muito diferente do que você vê no site, onde essas editoras oferecem um catálogo maior de venda. “O conteúdo que você encontra nas bancas de Ponta Grossa é mais geral. Revista de culinária, automobilística, infantil, conteúdo adulto, Revista Mundo Estranho, Revista Recreio, Revista Superinteressante, não tem mais lançamentos e aquele excitamento de ir lá comprar. Quando surgiu ela cumpria uma demanda que atualmente é bem menor. Agora funciona bem e melhor em grandes centros urbanos” finaliza Cadu Kordiak.

Em atividade desde os anos 50, a Editora Abril encerrou em janeiro deste ano a operação da sua gráfica, localizada na Marginal Tietê, em São Paulo. Todas as revistas da editora serão impressas terceirizadamente. Segundo informações do portal Clube da Criação, em agosto de 2018, o Grupo Abril entrou com processo de recuperação judicial, com o intuito de renegociar dívidas, que somariam R$1,6 bilhão. A editora também já havia finalizado as atividades das revistas Boa Forma, Bebe.com.br, Casa Claudia, Casacor, Casa.com.br, Cosmopolitan, Elle, Mundo Estranho, Veja Rio, Arquitetura & Construção e Minha Casa. Um plano de recuperação judicial foi aprovado pelos credores do Grupo Abril - ex-funcionários, bancos, prestadores de serviço editorial e demais fornecedores - em agosto de 2019. O processo já previa a venda do prédio da sede da Abril - onde fica localizada a gráfica - e de imóveis em Campos do Jordão (que somam 750 mil m²), além do leilão da marca Exame.

Analista de Mídias Digitais e acadêmica do curso de Jornalismo da Faculdade Maringá, Isabela Gobbo comenta que a migração do público para o digital foi impulsionada ainda mais com a pandemia, onde as pessoas passaram a sair menos de casa, evitar o contato com outras pessoas, e consequentemente diminuindo suas idas a bancas, mercados ou até mesmo livrarias para o consumo dos impressos. O digital tem tomado uma grande proporção na vida dos brasileiros, em todos os aspectos de suas vidas: informações, compras, saúde, entretenimento. “Infelizmente isso afetou diretamente o comércio, em específico esses donos de bancas, e por isso é tão importante se reinventar nesse momento, e uma alternativa que deve ser levada em consideração é a internet. Quem sabe trabalhar com e-commerce, venda pelas próprias redes sociais, e várias outras alternativas que podem ser levadas em consideração” diz a Analista de Mídias Digitais. “Pensando no jornalismo, também tem sido muito importante se reinventar cada vez mais através do digital, seja com pacotes de assinaturas online ou publicidade” finaliza Isabela Gobbo.

De acordo com O Relatório de Notícias Digitais 2020 do Instituto Reuters 27% dos entrevistados pagam por notícias online.

Ficha técnica:

Repórter: David Candido

Edição: David Candido

Supervisão:  Vinicius Biazotti

 

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