Prefeitura não tem cálculo, mas reconhece crescimento; antes da pandemia eram 185 em situação de rua
Desde o começo da pandemia de Covid-19 no Brasil, muitas pessoas viram nas ruas uma saída por conta dos problemas econômicos como falta de emprego, despejo, perda da fonte de renda. Em Ponta Grossa, esse aumento foi visível e a prefeitura e as associações da cidade se dividem para amenizar essa situação e amparar essas pessoas que estão em situações vulneráveis.
Em março de 2020, logo depois do início da pandemia, a cidade possuía cerca de 120 pessoas em situação de rua, que são aqueles que dormem nas ruas e 65 pessoas que moravam nas ruas, por conta de diversos motivos. Ainda não houve uma pesquisa aprofundada para entender os motivos desse crescimento.Em Curitiba, capital do estado do Paraná, também ainda não há estudos aprofundados sobre o aumento do número de moradores de rua em 2020. De acordo com o Cadastro Único, em 2015 eram em torno de 1.200 pessoas nas ruas, número que em 2019 marcou mais de 2.200.
O Centro Pop, da Fundação de Assistência Social de Ponta Grossa (FASPG), oferece aos moradores de rua refeições como café da manhã, almoço, lanche da tarde, e também outros atendimentos essenciais de higiene como banho e local para lavagem de roupas. ‘‘Foi realizada uma reunião esse ano entre o Serviço de Abordagem Social (FASPG) e Guarda Municipal para ações em parceria, pois sabe-se que muitas dessas pessoas que estão nas ruas, são usuários de drogas ou egressos do sistema prisional (muitos com tornozeleira eletrônica), a parceria seria para verificar quem está descumprindo a lei para serem encaminhados a justiça, e aqueles que quiserem tratamento de saúde serem encaminhados ao serviço correto.’’, informa a Assessoria da Prefeitura.
O Serviço de Abordagem Social trabalha nas ruas e oferece aos moradores encontrados um local para dormir, Ponta Grossa possui duas entidades que somam 100 vagas para acolhimento de população de rua.
Além da ajuda fornecida através de serviços da Prefeitura da cidade, muitas organizações trabalham para prestar assistência aos mais vulneráveis. Presidente e voluntária na Organização Irmã Scheilla, Artemis de Oliveira, conta que com a pandemia diminuiu muito o número de voluntárias, pois a grande maioria são pessoas de idade. O dinheiro do atendimento de pessoas carentes também é arrecadado a partir da venda de artesanatos produzidos por essas voluntárias e com o valor distribuem todo mês cestas básicas para os carentes cadastrados, além de todo dia acontecer a distribuição de sopas no horário do almoço e jantar, e nos sábados café da manhã. ‘‘Antes da pandemia as pessoas eram recolhidas no refeitório, e se alimentavam sentadas ali, agora teve a modificação desse atendimento, elas recebem a refeição em uma marmita que entregamos pela janela para evitar aglomeração.’’, explica.
Artemis ainda relata sobre o aumento visível no número de pessoas que buscam uma refeição. A organização serve uma média de 150 a 200 marmitas na parte da manhã e à tarde. O que os ajuda, além da venda de artesanatos, são as doações de alimentos por parte de pessoas e empresas, assim como o bazar de roupas usadas com a renda voltada a manutenção da casa.
Integrante de outra organização, a presidente da Casa da Sopa, Elena Cazini, relata que 150 famílias estão cadastradas na associação. E dessas 150, antes da pandemia, mais ou menos 35 estavam trabalhando em diversas áreas como diarista, mensalista, babá, em condomínios, serventes; entre eles 12 moradores de rua. Com a pandemia, todas essas pessoas que estavam trabalhando perderam seus empregos. ‘‘Eu fazia duas panelas, uma de 60 litros e outra de 40, hoje estou fazendo as duas de 60 e mais uma de 40. Faço também café, achocolatado, chá e suco três vezes na semana. Praticamente utilizamos um quilo de café, dois quilos de açúcar.’’, ressalta.
Elena ainda conta que antes o horário de funcionamento era das seis da manhã com fechamento às 14, hoje estão abrindo às cinco da manhã e fechando às 11h para que não tenha aglomeração. A Casa da Sopa teve que adequar também os protocolos de saúde para se evitar a contaminação pelo coronavírus. O álcool, a limpeza, as máscaras entraram na rotina.
A Organização já repassou aos moradores de rua 1.200 máscaras que foram doadas. Muitos ainda buscam almoço na Casa da Sopa e levam para a família em casa, além de verduras e frutas. São utilizados em média 250 pães. Elena conta que os moradores de rua atendidos possuem problemas de drogas, alcoolismo, ou ambos; também prestam ajuda no momento para uma menor grávida, com enxoval, encaminhamento ao pré-natal e a escola.
De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no documento ‘‘População em situação de rua em tempos de pandemia: um levantamento de medidas municipais emergentes’’ de junho de 2020, antes da pandemia foi realizada uma pesquisa nacional sobre a população em situação de rua em 71 cidades, identificando quase 32 mil pessoas acima de 18 anos em situação de vulnerabilidade. Foram entrevistadas pessoas em vias públicas, viadutos, galpões e outras estruturas precárias, além das pessoas que se encontravam em albergues. São em maioria homens (82%), negros (67%), jovens (43,21% dos homens e 52,23% das mulheres até 35 anos), com baixa escolaridade (17,1% é analfabeto). Estão na rua ou em albergues há bastante tempo (48,4% há mais de 2 anos), por conta de problemas com álcool e/ou outras drogas (35,5%), desemprego (29,8%) e desavenças familiares (29,1%), 51,9% têm parentes na cidade em que se encontra, mas 38,9% não mantêm contato. A maior parte trabalha (70,9% exercem alguma atividade remunerada e 58,9% afirmam ter alguma profissão). Apresentam algum problema de saúde, em proporção acima da população geral de baixa renda (30% têm algum problema de saúde) e 24,8% não têm documentos. Então, a partir da pesquisa pode-se ver que a população de rua é de maioria masculina, negra e com baixa escolaridade.
O documento também mostra que a pandemia apresenta desde o início um enorme desafio para as políticas de atenção à população em situação de rua, ainda mais por conta do aumento desses moradores em todo o país.
Especialista em políticas públicas e gestão governamental na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea, Marco Antonio Natalino, Pesquisadora do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Disoc do Ipea, Marina Brito Pinheiro e a Técnica de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea, Tatiana Dias Silva, integrantes da equipe técnica do documento, citam que além dos riscos da doença, que tem como medidas sanitárias prioritárias o isolamento, distanciamento social e higiene, a ausência de circulação social nas ruas coloca obstáculos para a subsistência diária dessa parte da população, por conta da escassez das fontes de trabalho, renda e doações.
Mesmo com a aprovação do auxílio emergencial pelo governo federal para pessoas de baixa renda, que possuem atividades informais, as pessoas em situação de rua enfrentam outras dificuldades como ausência de qualquer documento, o que atrapalhou o acesso ao auxílio.
Além de orientações mais amplas para o Sistema Único de Assistência Social (Suas) e o Sistema Único de Saúde (SUS), houve recomendações específicas para a atenção à população em situação de rua desde o início da pandemia.
Em Ponta Grossa, nenhum serviço novo foi implantado, apenas no período do inverno de 2020, foi disponibilizado o ginásio Zukão para pernoite da população de rua. A FASPG foi contatada para esclarecimentos sobre futuras ações no Centro Pop, mas até o fechamento desta matéria não houve retorno. O Centro Pop está localizado na rua Tobias Monteiro, número 74 e a FASPG na rua Joaquim Nabuco, 59.
Ficha Técnica:
Repórter: Mirella Mello
Supervisão: Professor da Disciplina de Textos III, Vinícius Biazotti.
Publicação: Kauana Neitzel