Além de paratleta, Pâmela Aires é árbitra, estudante e palestrante

Campeã nacional universitária de atletismo, vice-campeã do Campeonato Brasileiro, recordista estadual e no top 3 do ranking de atletas do país. Além da vida de esportista, também é estudante de Educação Física, palestrante e árbitra de atletismo. Aos 26 anos, a ponta-grossense Pâmela Aires é uma mulher guerreira, persistente em seus sonhos e otimista. “Correria”, expressão popular para quem luta na vida, tem também sentido direto no caso de Pâmela.

“A Pâmela é uma pessoa persistente e que luta pelos seus sonhos”. Convicta no que diz, ela prova que seu relato é real dia a dia. Cabelo preso, relógio no pulso, sempre usa roupas de tecidos para a prática esportiva, além, é claro, do inevitável tênis de corrida. Ou seja, logo de cara a reconhecemos como atleta. Olhando mais de perto seus gestos, percebemos o peito estufado, queixo erguido e, sobretudo, a convicção na fala e nas expressões que definem bem o que procura dizer. Pâmela prende a atenção por esse aspecto particular: o gestual que explica didaticamente o próprio relato.

O boné, item essencial para os treinos de qualquer atleta, no caso de Pâmela se deve ao problema de visão que carrega desde nascença, agravado ao se posicionar contrária à luminosidade solar. “Uma vez eu estava treinando no Lago de Olarias e o sol batia contrário ao meu rosto. Acabei trombando de frente com uma moça e quase derrubei ela”. Como prevenção, além do boné, Pamela procura treinar acompanhada, sobretudo em ambientes abertos.

A baixa visão de Pâmela surgiu durante a gestação. A mãe teve toxoplasmose, doença infecciosa que pode causar, além de lesões oculares, dano cerebral - este último problema não a atingiu. Como não poderia deixar de ser, nossa atleta teve uma infância diferente da maioria das crianças, porém isso não diminuiu o tamanho de seus sonhos. Na verdade, ela relata que a baixa visão aumentou a dimensão de seus objetivos, sua noção de mundo e sua vontade de vencer.

Da quadra às pistas

Pâmela entrou no esporte através do meio mais comum à maioria esmagadora dos brasileiros, o futebol, por influência paterna. Coração verde, ela é palmeirense desde que se entende por gente. Além do time, a construção de sua personalidade como torcedora deve muito aos locutores esportivos que contaram a história de seu time. Seus ouvidos sempre estiveram muito atentos às narrações de profissionais do microfone como José Silvério e, atualmente, de Ulisses Costa.

Envolvida pelo futebol, começou a treinar futsal ainda na infância. Um dos motivos que a fez escolher o esporte da bola pesada foi o fato de ser praticado em locais cobertos, evitando o sol nos olhos. Após alguns anos no futsal, um dos professores perguntou se não tinha o desejo de conhecer um novo esporte: o atletismo. Ela fez pouco caso do convite. “Eu não tinha muita vontade de ir. Mas um dia, de tanto o professor insistir, eu fui. Aí, na semana seguinte, fui de novo, e de novo”.

Amor à primeira vista, ou melhor, à primeira corrida. Dando as primeiras passadas com 12 anos, logo sentiu que alcançaria grandes feitos nas pistas. Entre as novidades, conheceu várias cidades pelo Paraná durante as competições, que terminavam corriqueiramente com ela no pódio. Ao perceber que, em pouco tempo, os resultados começavam a ser muito relevantes, e sabendo do próprio potencial, um ano depois de iniciar carreira no atletismo, começou a treinar em alto nível.

No começo da carreira, Pâmela Aires integrava a categoria T12, para atletas com baixíssima visão, mas logo foi transferida para a T13, para atletas com baixa visão. A decisão pela mudança foi da arbitragem da Federação Paranaense de Atletismo (FAP) com base nos resultados dela, muito superiores aos demais da mesma categoria. Por muito tempo disputou provas de estilos diferentes: além das corridas de 400 e 1.500 metros rasos, Pâmela também participava do salto em altura, também obtendo destaque estadual. Com o tempo, teve que focar e se aperfeiçoar em um estilo. A escolha foi pela corrida.

Essência

Pâmela é a segunda filha entre quatro irmãos, dois deles são homens, e, desde pequena, teve a família apoiando a sua vida no esporte. Para a realização de uma das entrevistas, Pâmela foi acompanhada do irmão mais novo, Júnior, um rapaz magro, alto, de cabelo ruivo e que usava acessórios como pulseiras e óculos. A confiança que Pâmela deposita em seu irmão é perceptível na forma como se porta junto dele, ambos mantêm grande parceria.  “Tenho uma relação muito forte com minha família, com meus irmãos. Eu amo meus irmãos”.

Antes de começar a entrevista, parei e observei o comportamento de Pâmela junto ao irmão. Eles estavam em pé me aguardando no exato local onde havíamos combinado e ela demonstrava certa preocupação porque achava que eu estava com dificuldade para a encontrar. Percebi que ela pediu para seu irmão olhar ao redor para me procurar. Noto que Pâmela é uma pessoa extremamente atenciosa.

Quando decidi me aproximar, ela foi cumprimentada por uma mulher que passava e iniciou uma breve conversa. Algo semelhante aconteceu em nosso segundo encontro, quando conversamos por alguns instantes antes de começar seu treino matutino de corrida no Parque Ambiental. Naquela ocasião, Pâmela foi cumprimentada por algumas pessoas e demonstrou simpatia e reciprocidade ao responder e fazer breves comentários como “hoje está bom para treinar, né?”, ou “e aí, como você está, tudo bem?”. Pequenas palavras que demonstram muito da essência da atleta.

Além disso, em nosso segundo encontro, Pâmela aguardava um amigo para treinar junto. Enquanto ele não chegava, conversei com ela. Pâmela o avisou da nossa localização por meio de mensagem e que estava dando uma entrevista. Me pediu para olhar ao entorno a fim de ver se Douglas não chegava, pois caso o encontrasse, poderia lhe chamar, evitando que o atleta tivesse dificuldade para nos achar. Quando chegou, fiquei perplexo. A descrição que Pâmela fez dele para mim era perfeita, visto que consegui encontrá-lo. O perfil que eu havia imaginado era exatamente o perfil de Douglas. Naquele momento me espantei, pois Pâmela, que tem baixa visão, conseguiu descrever exatamente seu amigo. O que também comprova sua capacidade descritiva.

Correria atual

Pâmela compete pelo município de Paranaguá. Ela escolheu a cidade do litoral paranaense pela estrutura física e de profissionais. Além da questão financeira. A bolsa que recebe de Paranaguá é 18 vezes maior do que a de Ponta Grossa. Este é também um dos motivos que fez ela deixar de competir pelo município dos Campos Gerais. “A falta de apoio, o descaso com nós atletas é o que me deixa indignada. Para minha carreira, continuar a competir por Ponta Grossa é inconcebível, não há incentivo”.

A atleta realiza treinos diários, em dois períodos. Durante as manhãs, faz trabalhos a céu aberto, normalmente aqueles que envolvem corridas. À tarde, realiza exercícios na academia, onde vai três vezes por semana. Sua cartilha de treinos se altera a cada mês.

Entre as manhãs e tardes de treinos, tem as noites de muito estudo, ela faz graduação em Educação Física. Pâmela ganhou uma bolsa integral pelo seu desempenho dentro das pistas. E um de seus objetivos, ao se formar, é trabalhar com o esporte de base, formando e descobrindo atletas.

Atualmente, Pamela se prepara para participar de uma competição organizada pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBA) em Minas Gerais no mês de setembro. A competição tem o objetivo de qualificar os atletas para participar de campeonatos nacionais. É necessário cumprir as metas para poder se credenciar. Este tipo de competição acontece anualmente. Caso o atleta não alcance as marcas estabelecidas, fica limitado aos estaduais.

Além de atleta e estudante, desde 2019 Pâmela é árbitra, atuando pela Federação de Atletismo do Paraná (FAP). Para isso, realizou o mesmo procedimento de admissão na área daqueles que não apresentam nenhuma dificuldade visual, obtendo o mesmo nível de conhecimentos técnicos, sem restrições.

Em meio a tantas outras tarefas e obrigações, Pâmela continua levando conhecimento e perspectiva de vida por meio das suas palavras. Dentre tantas paixões, mais uma delas é ministrar palestras que tratem do paradesporto e palestras motivacionais, uma vez que toda sua trajetória inspira e estimula para que continuemos a persistir. “A mensagem que eu quero passar para as pessoas é que elas não desistam, que persistam e lutem pelos objetivos. Minha luta dura anos e sei que no final vai me dar alegria.”

 

Ficha técnica:

Reportagem: Ana Luiza Bertelli Dimbarre e Kadu Mendes

Edição e publicação: Victória Sellares

Edição de vídeo: Kadu Mendes

Supervisão de publicação: Marcos Zibordi e Maurício Liesen