Torcida organizada feminina incentiva a presença das mulheres no esporte

A Torcida Trem Fantasma foi criada no dia  21 de fevereiro de 2009, resultado da fusão das Torcidas Revolução Operariana, Garra Operariana, Jovem Independente e torcedores independentes. Desde então, a TTF se reúne para os jogos do Operário Ferroviário em frente ao portão 3 do Estádio Germano Krüger, localizado no bairro de Oficinas. Além disso, a sede oficial da Torcida Trem Fantasma, situada na Avenida Visconde de Mauá, transmite as partidas e é ponto de encontro para aqueles que desejam acompanhar os jogos e fazer amizades. 

Junto com o surgimento da torcida organizada, nasceu a Expresso Feminino, o segmento feminino da Torcida Trem Fantasma. Composta, em maior parte, por esposas de torcedores, o grupo durou pouco tempo. Após o primeiro lugar no Campeonato Paranaense em 2015, a cidade passou a abraçar mais o time. Com isso, mulheres e crianças começaram a frequentar as partidas e a vontade de voltar a ter um movimento feminino dentro do Operário fez com que a Expresso ressurgisse em 2018.

 

A Expresso Feminino procura chamar mais mulheres para fazer parte da torcida

A Expresso Feminino procura chamar mais mulheres para fazer parte da torcida. Foto: Danilo Schleder/Arquivo Torcida Trem Fantasma.

Fernanda Dimbarre dos Santos, uma das participantes da Expresso Feminino, acompanha o Operário Ferroviário desde 2011, motivada pela paixão por futebol e pela proximidade do Germano Krüger da sua casa. O primeiro jogo que assistiu ao vivo foi uma vitória de 2x1 contra o Athlético Paranaense. Nesse dia, por conhecer algumas pessoas da torcida organizada, Fernanda passou a ter interesse em fazer parte dela. A torcedora conta que se sentiu representada ao ver uma torcida feminina, mesmo em meio a tantos homens. “Quando eu frequentei, eu vi mulheres. Eu achava o máximo ver aquelas mulheres representando a Expresso Feminino. Eu falava: ‘eu quero participar daquilo, futuramente, quando eu crescer’, porque até então eu era menor. Você ver outras mulheres, uma torcida organizada, a faixa que a gente tem, estendida lá no estádio, isso dá um ar de ‘eu não estou sozinha’”, relata.

A torcedora explica que, quando começou a acompanhar o time, sofreu preconceitos de outras mulheres por estar presente em um ambiente majoritariamente maculino. Além disso, os homens também a assediavam verbalmente. Fernanda, no entanto, nunca se deixou levar por esses comentários. “Minha defesa era ignorar, porque eu estava ali para curtir o ambiente. Acho que foi o que me fez permanecer”, conta. Apesar de mais famílias frequentarem os jogos do Operário, a torcedora percebe que as mulheres que acompanham o time continuam passando por essas situações. “É difícil, depende muito de como você liga para aquilo. Se você começa a ignorar, não te afeta tanto, mas tem momentos em que pode te prejudicar e, às vezes, até te afastar. Acho que isso leva algumas mulheres a desistirem de frequentar o estádio”.

Kamila Rodrigues Padilha é uma dessas mulheres que se ressente pelo ambiente misógino. A torcedora não faz parte da Expresso Feminino, mas acompanha o Operário Ferroviário desde 2004. “Eu sofri bastante no começo, não tinha muitas mulheres. Antes do título em 2015 era bem pior. Você passava na frente das torcidas e todos os homens mexiam com você. Eu tentava entrar sempre por trás, pra não passar na frente, não usava shorts de jeito nenhum”, relata.

Apesar de reconhecer o trabalho da Expresso Feminino na torcida e nas ações sociais, Kamila afirma sentir falta da organizada na luta pelos direitos das mulheres dentro do estádio. Até 2022, o Operário contava com o plano de sócio torcedor “sócio feminino”, no qual as mulheres pagavam mais barato que os homens para assistir aos jogos, como uma tentativa de maior inclusão feminina na torcida. Kamila conta que quando o sócio feminino deixou de ser uma realidade, algumas mulheres foram questionar a diretoria do clube, mas a Expresso não estava lá.

Samantha Kuller Chaves acompanha o time fielmente desde 2021, quando começou a frequentar o estádio. A torcedora relata que também já sofreu misoginia nesse ambiente e passou por situações de assédio. “Fui ao banheiro durante o jogo e, passando perto de um senhor, ele me agarrou por trás, me puxando para perto dele. Eu me senti muito mal, com medo e enojada”. Depois disso, Samantha passou a frequentar os jogos apenas com a presença de seu namorado, por medo de situações como essa acontecerem novamente.

As três torcedoras percebem que, apesar do machismo, a torcida do Operário está mudando e, atualmente, as mulheres têm mais espaço. No ano passado, devido a  brigas  entre torcidas, o time recebeu uma punição do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) que determinou, durante dois jogos, que homens não poderiam frequentar as partidas e que seus ingressos fossem destinados à mulheres e crianças, que lotaram o estádio. Fernanda conta que “foi um momento em que a gente conseguiu chamar muitas mulheres e mostrar que temos voz e participação. Eu não estava lá, mas eu chorei horrores, porque eu me senti lá”.

Durante as duas partidas, a Expresso Feminino montou uma bateria exclusivamente com mulheres. Samantha, mesmo sem participar da Expresso, se sente representada pela união feminina. “Temos voz e representamos tanto quanto os homens. Um exemplo foi o jogo em que o público foi somente de mulheres e crianças. Cantamos o jogo inteiro e apoiamos o time. Não faço parte da organizada, mas tenho certeza que nossas dores são as mesmas, e que caso uma precise de algo, todas estão ali para apoiar”, salienta.

 

Ficha Técnica

Produção: Mariana Borba

Edição e publicação: Ana Beatriz de Paiva, Luisa de Andrade, Mariana Real

Supervisão de produção: Carlos Alberto de Souza

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado

Equipes do município buscam dar visibilidade aos atletas para que realizem seus sonhos no futebol

O MBM Jardim Esplanada realiza trabalho com meninas no futsal e no Futebol

O MBM/Jardim Esplanada realiza trabalho com meninas no futsal e no Futebol. Foto: Arquivo Pessoal Thaís Spinelli.

 

A Taça das Favelas do Paraná é um campeonato de futebol entre favelas  e oferece oportunidades para jovens atletas da periferia mudarem de vida. O campeonato no Brasil já revelou jovens talentos como Patrick de Paula, que atualmente joga pelo Botafogo-RJ. Em 2023, a cidade participou com a equipe feminina MBM/Jardim Esplanada e com o masculino Ouro Verde.

O MBM/Jardim Esplanada que chegou às quartas de final, integra um projeto social  na cidade. A equipe recebe adolescentes em situação de vulnerabilidade e oferece formação de base no futebol e futsal. A coordenadora do projeto, Thaís Spinelli, ressalta que o campeonato dá oportunidade para jovens que nem sempre têm possibilidade de mostrar seus talentos. “A Taça das Favelas proporciona visibilidade para todos os atletas que sonham em ser jogadores e, muitas vezes, por uma série de interferências sociais e econômicas, não conseguem ter  acesso ao futebol”.

Além de coordenadora, Thaís é mãe de Eloah, que disputou a Taça em 2023. Segundo ela, sua filha aprendeu a ter autonomia, consciência de classe e empatia. “O esporte cria laços de solidariedade e elas fazem exatamente isso, se apoiam, vibram juntas e agem como família”, observa.

Apesar de todas as barreiras e dificuldades da vida social, muitos atletas de Ponta Grossa aproveitaram a oportunidade de jogar um campeonato regional para buscar o sonho de se tornarem profissionais. A equipe masculina do Ouro Verde ficou em terceiro lugar na Taça das Favelas de 2023. Ryan Crystopher dos Santos, por seu desempenho como atleta pontagrossense, conquistou um lugar na seleção do Paraná na Taça das Favelas Nacional (Favelão), equipe que se sagrou campeã. O jovem de 16 anos relata que a competição representou uma “mudança de chave em sua vida” e que abriu diversas portas para testes em clubes profissionais de futebol. 

Além de ganhar visibilidade no futebol, Ryan realizou outros sonhos. “Passei na TV [Globo], não somente jogando, mas indo a programas em razão do meu título”. Atualmente, Ryan Christopher joga pelo Pinheiral, time da cidade de Palmeira. A  promessa da cidade diz que ainda é reconhecido pela conquista do Favelão 2023.

Técnico da equipe do Ouro Verde, Diego Siqueira sempre valorizou o poder do esporte na área social. “Essa molecada da cidade tem muito talento e muitas vezes não tem oportunidade de estar jogando”.

Como funciona a Taça das Favelas

Como funciona a Taça das Favelas. Imagem: Diogo Laba

A Taça das Favelas acontece desde 2012. Organizada pela Central Única das Favelas (CUFA), começou no Rio de Janeiro, O professor Márcio Careca, coordenador da CUFA Ponta Grossa, explica que a  competição tem o objetivo de revelar atletas habilidosos  da periferia. A última edição da Taça, em 2023, contou com a participação de 200 favelas e aproximadamente 11 mil atletas. A primeira fase foi composta por 48 times masculinos e 12 femininos. 

 

Ficha Técnica

Produção: Diogo Laba

Edição e publicação: Eduarda Macedo, Lucas Veloso, Maria Tlumaski e Radmila Baranoski

Supervisão de produção: Carlos Alberto de Souza

Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Kevin Furtado

Durante períodos de competição atletas escolhem métodos contraceptivos para não menstruar

A pesquisa “A influência do ciclo menstrual no rendimento de atletas” foi desenvolvida no ano passado pelos profissionais de educação física Lucas Willian Darif, Mauricio Padilha da Luz e João Paulo Crensiglova da Silva da Universidade UniDomBosco. Segundo Mauricio, o que os motivou a desenvolver este trabalho foi a escassez de pesquisas que estudam o tema. “Percebemos a importância de se desenvolver essa pesquisa por ainda não se ter uma resposta concreta do que realmente o ciclo menstrual influencia no rendimento das atletas, na verdade verificamos uma série de fatores”, destaca. 

Maurício conta que a questão hormonal é um dos principais fatores que influencia no rendimento do atleta. Ele explica que durante os 28 dias do ciclo menstrual ocorrem flutuações de hormônios como estrogênio, progesterona, hormônio folículo estimulante e hormônio luteinizante. Porém, de acordo com Padilha, as duas principais variantes são o estrogênio e o progesterona, pois, durante o período em que a mulher menstrua, ocorre queda significativa  desses hormônios, tanto que muitas mulheres não gostam de treinar nesses dias. “Há alguns estudos que apontam que a mulher pode ter algumas vantagens durante este período, por exemplo a questão de inibidores, ou seja o aumento de energia de ativação, mas que como consequência diminuem a velocidade da reação química”, explica. 

O profissional comenta que durante o período em que a atleta menstrua há oscilação hormonal que afeta seu desempenho, nesta situação o preparador físico tenta adaptar o treino e diminuir a intensidade. “A atleta vai ter mais aproveitamento após a semana da menstruação, quando ocorre a elevação do estrogênio e, assim, ela terá uma melhora no rendimento”, analisa. 

Para obter dados da pesquisa, Lucas Willian Darif desenvolveu um questionário que tinha o objetivo de compreender como era o ciclo menstrual das atletas que participaram da pesquisa e se durante o período elas sentiam que esse fator influenciava no seu rendimento. “No questionário muitas mulheres relataram que não sentiam nenhum sintoma no período pré-menstrual (TPM), porém outras relataram ter vários sintomas, então conseguimos perceber que se trata  da individualidade de cada atleta”, avalia. Darif explica que a TPM afeta tanto a parte física quanto a parte emocional da atleta. 

De acordo com o profissional, a melhor forma do preparador físico evitar que o ciclo menstrual influencie o rendimento da atleta é, primeiramente, conhecer a mulher como indivíduo singular.  “A partir deste conhecimento, tanto do desempenho físico quanto do emocional da atleta, é importante que o preparador físico trace um plano para acompanhar o ciclo dela”, explica. 

Para o especialista, outro fator que deve ser levado em consideração é que determinadas modalidades esportivas exigem maior resistência física, nesta situação, um componente muito importante é o calendário de competições. Um exemplo utilizado por Darif é que o esporte coletivo tem a predominância do indivíduo fazer parte de um grupo, mesmo que a pessoa não esteja bem, o preparador físico consegue trabalhar atendendo às peculiaridades de cada atleta durante o  ciclo menstrual de forma que seja melhor para a equipe e de modo a não interferir no rendimento da mulher. No caso do esporte individual, é mais complexo, porque, além da atleta depender do calendário, ela não tem a opção de não competir ou de até mesmo revezar com alguém. Além do fator da pressão psicológica do esporte individual também ser maior. 

Darif diz que durante a pesquisa ele percebeu a idade como outro fator que influencia o rendimento de atletas durante o ciclo menstrual.Por exemplo, enquanto a mulher mais jovem que faz  uso de anticoncepcional para controlar o  ciclo não demonstra ter sintomas que influenciam o seu rendimento, a mulher a partir dos trinta anos, que também faz uso de medicamento, apresenta.

Cópia de MARIANA AFINOVICZ

Atletas precisam adaptar sua rotina de treinos em período de ciclo menstrual | Foto: Arquivo Pessoal

 

Métodos contraceptivos

A jogadora de futsal do time Leoas da Serra, Mariana Afinovicz, de 19 anos, conta que o treinamento do time em que participa é realizado em dois períodos do dia que podem variar entre academia, quadra, treino tático, treino técnico e análise de vídeo. De acordo com a jogadora, o calendário das competições influencia diretamente na semana de treinamento. “Nosso dia a dia é voltado para o time desde nossa alimentação até nossos cuidados com o bem estar. O time banca nutricionista, psicólogo, dentista e ginecologista”, conta. Mariana diz que em determinadas circunstâncias, por conta do ciclo menstrual das atletas, os preparadores alteram a carga dos treinos. 

A atleta relata que menstruou pela primeira vez quando tinha quatorze anos e durante  o ciclo menstrual sempre sente muita fadiga, dificuldade cardiorespiratória e irritabilidade. “Eu e as meninas  percebemos que nessa semana o ritmo do treino cai muito, porque cansamos com mais facilidade”, comenta. 

A jogadora de vôlei da seleção brasileira sub-20 e jogadora pela University at Buffalo, Manoela Forlin Gonçalves, de 18 anos, conta que menstruou pela primeira vez aos 11 anos de idade. A  atleta diz que na semana em que menstruava ela ficava muito mal e sentia muita cólica. Manoela  relata que o maior incômodo era o fluxo intenso do ciclo e isso interferia no seu rendimento. Em dezembro do ano passado, a atleta  colocou o implante hormonal no braço para não menstruar. “Fiquei sabendo do chip através de uma amiga que tinha colocado e ela me falou que foi muito bom para ela, o único efeito colateral que nós duas tivemos foi menstruar muito nos quatorze primeiros dias após colocar o chip”, destaca. Ainda segundo Manoela, com base em informações médicas que recebeu, os efeitos deste recurso podem variar de acordo com o organismo de cada mulher.

Os métodos contraceptivos são adotados pelas atletas tanto no período de treino, quanto no  das competições, e trata-se de um processo de conhecimento do treinador ou treinadora para que elas tenham o melhor desempenho de acordo com o que é possível.

Cópia de Manoela Forlin Gonçalves

Em épocas de competição. muitas atletas adotam os métodos contraceptivos para não menstruar e buscar melhor desempenho | Foto: Arquivo Pessoal

Ficha Técnica

Produção: Tayná Landarin
Edição e Publicação: Joyce Clara, Iolanda Lima, Annelise dos Santos e Betania Ramos da Silva
Supervisão de produção: Muriel Amaral 
Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira e Kevin Furtado

A formação de um time de mulheres deve acontecer apenas em 2027, quando for obrigatório

A falta de investimento e de incentivo financeiro são alguns dos obstáculos que impedem a inclusão de mulheres no Operário Ferroviário Esporte Clube. O time completou 111 anos em maio de 2023, porém ainda não tem perspectiva para a formação de equipes femininas. Enquanto isso, a equipe masculina do alvinegro disputa competições nacionais, como a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro da Série C. 

Desde 2019, os clubes que disputam a primeira divisão do Campeonato Brasileiro cumprem a exigência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em manter equipes femininas. Durante um evento da Copa do Brasil, o presidente da instituição, Ednaldo Pereira, afirmou que até 2027 todos os clubes das quatro divisões do Brasileirão devem formar times de mulheres.

 Captura de tela 2023 08 24 164157

Enquanto não são formados time femininos, mulheres ocupam as arquibancadas do Germano Krüger. Foto: Ana Beatriz de Paiva

 

A inexistência de equipes femininas impossibilita que as atletas locais tenham oportunidades e representem o clube em competições locais e nacionais. Eloah Spinelli, de 15 anos, é atleta pontagrossense da Escola de Futsal Independente E.C. e participou de testes em São Paulo. Mesmo aprovada, ela não tem condições financeiras para se estabelecer em outra cidade. A atleta acredita que o pouco incentivo pelo Operário prejudica a formação profissional de novas atletas. “Hoje eu treino em uma equipe amadora, mas seria importante um time com reconhecimento, como o Operário, para que pudéssemos jogar. Mesmo tendo pessoas com interesse, o futebol feminino não é incentivado”, explica Spinelli.

O Campeonato Paranaense Feminino de 2022 contou com a participação de apenas seis equipes (Rio Branco S.C., Foz do Iguaçu F.C., Athletico PR, Coritiba, Sobi São Braz e Toledo E.C.). Dessas, somente o Athletico e o Coritiba disputam competições nacionais, apesar de todas as seis equipes manterem times femininos.

Ao ser questionado se o cenário do futebol feminino no Paraná não instiga o Operário, Paulo Balansin, diretor de futebol da base do clube, afirmou que há necessidade de investidores próprios para essas equipes. De acordo com ele, equipes femininas serão formadas assim que o time possuir estrutura, verba e investidores para isso.

 

 

Ficha técnica:

Produção:  Laura Urbano

Edição de texto: Mariana Borba

Publicação: Rafaela Colman

Supervisão de produção: Muriel Amaral

Supervisão de Publicação: Luiza Carolina dos Santos e Marizandra Rutili 

Além de paratleta, Pâmela Aires é árbitra, estudante e palestrante

Campeã nacional universitária de atletismo, vice-campeã do Campeonato Brasileiro, recordista estadual e no top 3 do ranking de atletas do país. Além da vida de esportista, também é estudante de Educação Física, palestrante e árbitra de atletismo. Aos 26 anos, a ponta-grossense Pâmela Aires é uma mulher guerreira, persistente em seus sonhos e otimista. “Correria”, expressão popular para quem luta na vida, tem também sentido direto no caso de Pâmela.

“A Pâmela é uma pessoa persistente e que luta pelos seus sonhos”. Convicta no que diz, ela prova que seu relato é real dia a dia. Cabelo preso, relógio no pulso, sempre usa roupas de tecidos para a prática esportiva, além, é claro, do inevitável tênis de corrida. Ou seja, logo de cara a reconhecemos como atleta. Olhando mais de perto seus gestos, percebemos o peito estufado, queixo erguido e, sobretudo, a convicção na fala e nas expressões que definem bem o que procura dizer. Pâmela prende a atenção por esse aspecto particular: o gestual que explica didaticamente o próprio relato.

O boné, item essencial para os treinos de qualquer atleta, no caso de Pâmela se deve ao problema de visão que carrega desde nascença, agravado ao se posicionar contrária à luminosidade solar. “Uma vez eu estava treinando no Lago de Olarias e o sol batia contrário ao meu rosto. Acabei trombando de frente com uma moça e quase derrubei ela”. Como prevenção, além do boné, Pamela procura treinar acompanhada, sobretudo em ambientes abertos.

A baixa visão de Pâmela surgiu durante a gestação. A mãe teve toxoplasmose, doença infecciosa que pode causar, além de lesões oculares, dano cerebral - este último problema não a atingiu. Como não poderia deixar de ser, nossa atleta teve uma infância diferente da maioria das crianças, porém isso não diminuiu o tamanho de seus sonhos. Na verdade, ela relata que a baixa visão aumentou a dimensão de seus objetivos, sua noção de mundo e sua vontade de vencer.

Da quadra às pistas

Pâmela entrou no esporte através do meio mais comum à maioria esmagadora dos brasileiros, o futebol, por influência paterna. Coração verde, ela é palmeirense desde que se entende por gente. Além do time, a construção de sua personalidade como torcedora deve muito aos locutores esportivos que contaram a história de seu time. Seus ouvidos sempre estiveram muito atentos às narrações de profissionais do microfone como José Silvério e, atualmente, de Ulisses Costa.

Envolvida pelo futebol, começou a treinar futsal ainda na infância. Um dos motivos que a fez escolher o esporte da bola pesada foi o fato de ser praticado em locais cobertos, evitando o sol nos olhos. Após alguns anos no futsal, um dos professores perguntou se não tinha o desejo de conhecer um novo esporte: o atletismo. Ela fez pouco caso do convite. “Eu não tinha muita vontade de ir. Mas um dia, de tanto o professor insistir, eu fui. Aí, na semana seguinte, fui de novo, e de novo”.

Amor à primeira vista, ou melhor, à primeira corrida. Dando as primeiras passadas com 12 anos, logo sentiu que alcançaria grandes feitos nas pistas. Entre as novidades, conheceu várias cidades pelo Paraná durante as competições, que terminavam corriqueiramente com ela no pódio. Ao perceber que, em pouco tempo, os resultados começavam a ser muito relevantes, e sabendo do próprio potencial, um ano depois de iniciar carreira no atletismo, começou a treinar em alto nível.

No começo da carreira, Pâmela Aires integrava a categoria T12, para atletas com baixíssima visão, mas logo foi transferida para a T13, para atletas com baixa visão. A decisão pela mudança foi da arbitragem da Federação Paranaense de Atletismo (FAP) com base nos resultados dela, muito superiores aos demais da mesma categoria. Por muito tempo disputou provas de estilos diferentes: além das corridas de 400 e 1.500 metros rasos, Pâmela também participava do salto em altura, também obtendo destaque estadual. Com o tempo, teve que focar e se aperfeiçoar em um estilo. A escolha foi pela corrida.

Essência

Pâmela é a segunda filha entre quatro irmãos, dois deles são homens, e, desde pequena, teve a família apoiando a sua vida no esporte. Para a realização de uma das entrevistas, Pâmela foi acompanhada do irmão mais novo, Júnior, um rapaz magro, alto, de cabelo ruivo e que usava acessórios como pulseiras e óculos. A confiança que Pâmela deposita em seu irmão é perceptível na forma como se porta junto dele, ambos mantêm grande parceria.  “Tenho uma relação muito forte com minha família, com meus irmãos. Eu amo meus irmãos”.

Antes de começar a entrevista, parei e observei o comportamento de Pâmela junto ao irmão. Eles estavam em pé me aguardando no exato local onde havíamos combinado e ela demonstrava certa preocupação porque achava que eu estava com dificuldade para a encontrar. Percebi que ela pediu para seu irmão olhar ao redor para me procurar. Noto que Pâmela é uma pessoa extremamente atenciosa.

Quando decidi me aproximar, ela foi cumprimentada por uma mulher que passava e iniciou uma breve conversa. Algo semelhante aconteceu em nosso segundo encontro, quando conversamos por alguns instantes antes de começar seu treino matutino de corrida no Parque Ambiental. Naquela ocasião, Pâmela foi cumprimentada por algumas pessoas e demonstrou simpatia e reciprocidade ao responder e fazer breves comentários como “hoje está bom para treinar, né?”, ou “e aí, como você está, tudo bem?”. Pequenas palavras que demonstram muito da essência da atleta.

Além disso, em nosso segundo encontro, Pâmela aguardava um amigo para treinar junto. Enquanto ele não chegava, conversei com ela. Pâmela o avisou da nossa localização por meio de mensagem e que estava dando uma entrevista. Me pediu para olhar ao entorno a fim de ver se Douglas não chegava, pois caso o encontrasse, poderia lhe chamar, evitando que o atleta tivesse dificuldade para nos achar. Quando chegou, fiquei perplexo. A descrição que Pâmela fez dele para mim era perfeita, visto que consegui encontrá-lo. O perfil que eu havia imaginado era exatamente o perfil de Douglas. Naquele momento me espantei, pois Pâmela, que tem baixa visão, conseguiu descrever exatamente seu amigo. O que também comprova sua capacidade descritiva.

Correria atual

Pâmela compete pelo município de Paranaguá. Ela escolheu a cidade do litoral paranaense pela estrutura física e de profissionais. Além da questão financeira. A bolsa que recebe de Paranaguá é 18 vezes maior do que a de Ponta Grossa. Este é também um dos motivos que fez ela deixar de competir pelo município dos Campos Gerais. “A falta de apoio, o descaso com nós atletas é o que me deixa indignada. Para minha carreira, continuar a competir por Ponta Grossa é inconcebível, não há incentivo”.

A atleta realiza treinos diários, em dois períodos. Durante as manhãs, faz trabalhos a céu aberto, normalmente aqueles que envolvem corridas. À tarde, realiza exercícios na academia, onde vai três vezes por semana. Sua cartilha de treinos se altera a cada mês.

Entre as manhãs e tardes de treinos, tem as noites de muito estudo, ela faz graduação em Educação Física. Pâmela ganhou uma bolsa integral pelo seu desempenho dentro das pistas. E um de seus objetivos, ao se formar, é trabalhar com o esporte de base, formando e descobrindo atletas.

Atualmente, Pamela se prepara para participar de uma competição organizada pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBA) em Minas Gerais no mês de setembro. A competição tem o objetivo de qualificar os atletas para participar de campeonatos nacionais. É necessário cumprir as metas para poder se credenciar. Este tipo de competição acontece anualmente. Caso o atleta não alcance as marcas estabelecidas, fica limitado aos estaduais.

Além de atleta e estudante, desde 2019 Pâmela é árbitra, atuando pela Federação de Atletismo do Paraná (FAP). Para isso, realizou o mesmo procedimento de admissão na área daqueles que não apresentam nenhuma dificuldade visual, obtendo o mesmo nível de conhecimentos técnicos, sem restrições.

Em meio a tantas outras tarefas e obrigações, Pâmela continua levando conhecimento e perspectiva de vida por meio das suas palavras. Dentre tantas paixões, mais uma delas é ministrar palestras que tratem do paradesporto e palestras motivacionais, uma vez que toda sua trajetória inspira e estimula para que continuemos a persistir. “A mensagem que eu quero passar para as pessoas é que elas não desistam, que persistam e lutem pelos objetivos. Minha luta dura anos e sei que no final vai me dar alegria.”

 

Ficha técnica:

Reportagem: Ana Luiza Bertelli Dimbarre e Kadu Mendes

Edição e publicação: Victória Sellares

Edição de vídeo: Kadu Mendes

Supervisão de publicação: Marcos Zibordi e Maurício Liesen