A lei n° 12.527, aprovada em 2011, determina que órgãos governamentais divulguem informações de interesse público sempre que solicitados. Na prática, depois de quase três anos, a cultura do sigilo permanece forte e há irregularidades no cumprimento da legislação.
Nas salas de redação e escolas de Jornalismo, é comum ouvir uma anedota sobre um repórter que saiu a campo para cobrir um incêndio. Chegando ao local, percebeu que não havia nada em chamas por lá. Trava-se de um trote recebido pelo corpo de bombeiros. Astuto, o profissional não se deixou abater e escreveu uma matéria sobre alarmes falsos que ganhou destaque na capa do jornal.
A história, apesar de quase piegas e com ares de conto da carochinha, retrata algo comum no trabalho jornalístico. Às vezes, diante das dificuldades para conseguir informações sobre um fato, surge a oportunidade de escrever sobre temas maiores, mais importantes e impactantes.
Esse texto serve como exemplo. A reportagem, originalmente, pretendia analisar o crescimento urbano de Ponta Grossa e um possível aquecimento do mercado imobiliário, especialmente no centro da cidade.
Entretanto, a recusa ou incapacidade da Secretaria de Planejamento em repassar informações básicas, como o número de alvarás de construção expedidos nos últimos anos, não apenas impediram a realização da matéria como revelaram um problema grave.
Os órgãos públicos de Ponta Grossa não costumam facilitar que a população tenha livre acesso à informação. Essa postura, relatada por jornalistas, advogados e pesquisadores, desrespeita a Lei de Acesso à Informação, aprovada pelo parlamento federal em 2011.
A lei garante que qualquer cidadão pode pedir informações a órgãos públicos pessoalmente ou por meio de um ofício, sem ter de justificar os motivos da solicitação. Para tanto, precisa disponibilizar apenas o número do documento de identidade e um endereço físico ou eletrônico para contato. Além disso, a regulamentação determina uma série de obrigações que os gestores públicos devem cumprir para garantir que o acesso aconteça de maneira prática e efetiva.
As sucessivas tentativas do repórter para conseguir as informações servem, em certa medida, para ilustrar como essas obrigações são deixadas de lado e a transparência ainda engatinha na cidade. A determinação legal de que a publicidade é regra e o sigilo, exceção, parece não ter sido assimilada pela gestão municipal.
Cidadão enfrenta caminho árduo para obter informações públicas
De acordo com a Lei de Acesso à Informação, toda prefeitura precisa manter um balcão de Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), dedicado a processar os pedidos de acesso e a orientar quem deseja fazer algum requerimento. Quando o Portal Comunitário foi à prefeitura em busca de dados sobre o crescimento urbano de Ponta Grossa, teve de utilizar o protocolo geral da Praça de Atendimento do município.
Depois de aguardar por mais de uma hora, a equipe de reportagem foi avisada de que precisaria fazer um cadastro prévio, com comprovante de endereço e uma fotocópia do documento de identidade. Como o jornalista não dispunha dos documentos no momento, não pode registrar o pedido de informação.
Uma alternativa seria recorrer ao formulário disponível no site do governo municipal, conforme a lei exige. Porém, outro problema surge: apesar da alternativa do requerimento online existir, nas duas vezes em que a reportagem enviou o pedido, com dois e-mails diferentes, não houve retorno com o número do protocolo gerado. Na prática, o pedido era impossível de acompanhar.
Por fim, restava o contato direto com os responsáveis pela emissão de alvarás, no Departamento de Urbanismo. A secretária informou que não dispunha das informações específicas sobre o número de alvarás de construção, mas afirmou ter todos os documentos em formato digital. Conforme a lei orienta, disse que poderia enviá-los por e-mail para que a reportagem extraísse os dados necessários.
Entretanto, a funcionária informou que precisava da autorização de um superior antes de enviar os arquivos. Ela transferiu a ligação para o diretor do departamento, que alegou não poder deslocar um funcionário para realizar a tarefa.
O que poderia fazer, explicou, era enviar por e-mail uma tabela com o número absoluto de alvarás expedidos a cada ano, sem a divisão por tipo – construção, reforma ou ampliação. Apesar de o repórter ter informado um endereço eletrônico para contato, os dados não foram enviados até o fechamento da matéria.
De acordo com a professora do curso de Direito da UEPG, Regina Wolochn, que também trabalha como procuradora na prefeitura, não há nenhuma determinação legal que proíba o atendimento no protocolo geral. Ela afirma que o cadastro prévio, apesar de não previsto na legislação, funciona como uma maneira prática de acompanhar e dar resposta aos pedidos.
Entretanto, deve existir um funcionário dedicado a atender prioritariamente as solicitações de acesso à informação, sem que o requerente precise aguardar na fila com pedidos de outra natureza. Quando o repórter tentou protocolar o ofício na prefeitura de Ponta Grossa, não havia uma triagem específica.
Regina também explica que os órgãos públicos não precisam processar documentos para conseguir as informações solicitadas caso ainda não disponham dos dados exatos: não têm a obrigação de catalogar o número de alvarás separados por tipo somente porque foi feita uma solicitação, por exemplo. Nesses casos, devem oferecer todas as informações que já possuem sobre o tema – inclusive os documentos na íntegra, se necessário - para que o cidadão possa extrair as informações necessárias. Entretanto, existe a obrigação de refinar os dados disponíveis, em longo prazo.
“A lei diz que os gestores públicos precisam tornar a informação mais tangível e melhorar a seletividade. Conforme mais pedidos forem feitos sobre um dado específico, mais a triagem deve melhorar. Uma vez que as pessoas solicitem e os gestores constatem que a informação sobre o número de alvarás de construção, por exemplo, é relevante e tem demanda, devem trabalhar para oferecê-la”, explica.