Em visita à cidade de Ponta Grossa/PR para uma conversa sobre "As reformas neoliberais e o futuro da democracia no Brasil", o historiador e deputado federal Chico Alencar, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) conversou com a reportagem do Periódico.

Atualmente em seu quarto mandato consecutivo, Chico Alencar é membro da Comissão dos Direitos Humanos, do Conselho da Ética da Câmara dos Deputados e da Comissão da Constituição, Justiça e Cidadania. Desde de 2006, está incluído na lista dos 100 parlamentares mais influentes do Congresso.

 

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Confira na íntegra e entrevista realizada pela repórter Ana Luísa Vaghetti:

 

Portal Periódico: Enquanto historiador, como o senhor enxerga a conjuntura política atual? É possível comparar esse momento com algum outro da história?
Chico Alencar: É aquela velha afirmação de Marx que “a história não se repete, a não ser por tragédia ou farsa”. O momento político atual é muito parecido com outros, tem aspectos de semelhança, mas a própria encruzilhada do processo de desenvolvimento capitalista do Brasil, nessa segunda década do século 20 é muito singular, são questões novíssimas na nossa história econômica. O esgotamento da nova república, com suas promessas de democratização radical de garantia os direitos sociais, se expressa agora na degradação política, no derretimento partidário e na afirmação dos neo-liberais que acreditam que direitos sociais não cabem no orçamento. É uma situação muito nova. Enfim, acho que estamos vivendo uma crise identitária, de sentido, civilizatória e com características agudas da crise econômica e política do país.

 

Portal Periódico: Como está funcionando o processo da Comissão da Constituição, Justiça e Cidadania no pedido da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para eleições diretas?

Chico Alencar: Nós já conseguimos a garantia do presidente da comissão, deputado federal Rodrigo Pacheco (PMDB/MG), pautar na quinta-feira a proposta da emenda, com o pedido de “diretas sempre”. Como não deu quórum na discussão de quinta-feira passada, onde apenas 19 dos 34 deputados necessários compareceram, o presidente da comissão se comprometeu em colocar em pauta novamente na próxima terça-feira, mesmo sabendo que a base do governo vai tentar retirar. Será uma grande batalha. Ao nosso ver, é impensável o Brasil de hoje fazer eleições indiretas, onde os eleitores serão 513 deputados e os 81 senadores, em um momento de crise de credibilidade que o congresso enfrenta. Caso o direcionamento seja para eleições indiretas, nós do PSOL não votaremos em ninguém, nem se a madre Teresa de Calcutá ressuscitasse e fosse candidata.


Portal Periódico: De que forma as eleições indiretas afetariam a conjuntura nacional?
Chico Alencar: O perigo está na continuidade da junta governativa atual, mesmo que eleito um novo maquinista, uma vez que o mercado, a elite econômica, querem continuar atacando as poucas conquistas que o povo teve na legislação trabalhista, nos direitos sociais previdenciários, nos direitos dos povos indígenas e quilombolas, a afirmação da juventude pobre negra, avanços das conquistas das mulheres e LGBTs. Esse governo é de assalto aos direitos tão duramente conquistados e pouco consolidados. Mesmo que mude o nome do dirigente, uma eleição indireta com esse congresso atual consagraria mais do mesmo, e seria complemento desse programa de destruição dos direitos sociais.


Portal Periódico: Como a Comissão da Constituição, Justiça e Cidadania pode contribuir para o exercício da democracia?
Chico Alencar: Em primeiro lugar, fazendo um bom debate, mesmo sendo minoria aparente no congresso. Depois da delação da JBS a nossa força depende das manifestações de rua, do querer da população, da confirmação do desgaste do governo Temer. Sem uma ampla conscientização de massa, nós da comissão pouco podemos fazer.

 

Portal Periódico: O senhor acredita na renúncia do presidente Michel Temer?
Chico Alencar: Hoje em dia qualquer previsão se torna arriscada, a conjuntura está muito dinâmica e a única certeza é que está tudo incerto pela nossa frente. Nessa semana saiu o relatório final horroroso e criminoso da Funai [CPI da Funai e do Incra na Câmara, que aprovou o texto-base do relatório que sugere o indiciamento de mais de 70 pessoas] e estávamos com a sensação de derrota. Na quarta-feira (17), quando surge as bombas das delações, quem passa a sofrer é o próprio Temer e seu governo. Tudo mudou de um dia para outro. Acho que sempre temos que apostar na esperança que se constrói que pode mudar a conjuntura atual, melhorando a favor do povo, da população e dos trabalhadores.


Portal Periódico: Sobre os possíveis candidatos à presidência em 2018, qual é o grande perigo em relação às lutas do partido PSOL, qual candidato representa um grande ataque?
Chico Alencar: Os ataques já estão acontecendo fortemente. É o aprofundamento desse programa neoliberal, autoritário, com elementos do estado de exceção. Eu entendo que o cenário ainda está muito indefinido. Eu diria que nem mesmo o nicho da extrema direita, que não tem o mínimo de memória histórica, que são aqueles que aparecem em pesquisa de intenção de voto e manifestam preferência pelo Jair Bolsonaro [deputado federal] sabem. Nem mesmo a candidatura dele está assegurada, ninguém sabe quem vai sobreviver. Existe uma Lava Jato [operação da Polícia Federal] no meio do caminho, que afeta todas as forças políticas hegemônicas. Antes de nomes, o partido tem que apresentar uma plataforma mínima para debates com outras forças sociais e partidárias. Eu acho que a nossa tarefa agora é pensar em cinco ou dez pontos principais para abrir um debate na sociedade brasileira, não só sobre a divisão do Brasil e a sua crise, como também caminhos para sua superação.


Portal Periódico: Quem a esquerda deve temer mais, o Jair Bolsonaro (PSC) ou o próprio João Dória (PSDB)?
Chico Alencar: O Bolsonaro eu tenho a impressão que ele tem um teto. É muito difícil imaginar que alguém com as posições dele, pela sua formação política precária, mesmo que deputado de muitos mandatos, consiga dirigir um país, nem na perspectiva da burguesia da direita mais raivosa. O Dória [atual prefeito de São Paulo] vem do show business, criado como alguém da burguesia, do patronato. Ele não tem uma história produtiva, ele prosperou como homem de televisão. O governo dele em São Paulo ainda é muito recente, certamente não é se vestindo de gari e pintando o muro que vai ser considerado um bom gestor como ele se vende. Mas é óbvio que ele pode ser uma alternativa para as forças conservadoras, já que os quadros tradicionais estão sendo queimados. Eu diria que qualquer um é péssimo para os interesses populares.


Porta Periódico: O senhor pretende se candidatar pelo PSOL como presidente?
Chico Alencar: Tem um samba chamado “Plataforma” [interpretado por Elis Regina] que diz, “não sou candidato a nada, meu negócio é batucada, mas meu coração não se conforma, o meu peito é do contra e por isso mete bronca nesse samba plataforma”. Eu insisto nisso, acho que o PSOL tem a obrigação de fugir do lugar comum dos partidos tradicionais, que personaliza os processos sem ter o mínimo de estrutura e proposta. Eu achei a decisão do último Diretório Nacional correta, no sentido de trabalhar em torno de alguns pontos centrais, de contestação do sistema, do modelo econômico, oferecendo alternativas concretas, viáveis e de mudança radical nas estruturas desse país, para depois culminar isso em quem pode melhor encarnar essas propostas.
No cenário de eleições de 2018, que eu continuo achando que é o mais provável, embora agora com essas denúncias contra o Temer, a perspectiva de eleições esse ano e mesmo de diretas já venha ganhar um certo alento. É verdade que eu considero meu papel como deputado federal importante dentro do PSOL, mas eu considero que já cumpri meu papel, minha missão, já estou no quarto mandato, a quem avalie também que saindo para o senado teria chances reais, evidentemente tem chances, porque as máquinas tradicionais do Rio estão todas destroçadas. O PMDB com Sergio Cabral na cadeia, o Pezão [governador do Rio de Janeiro] nesse estado de falência, então pode se abrir uma perspectiva para o PSOL numa eleição majoritária para o senado, mas também não desconsidero assumir essa tarefa nacional. Tem que discutir, inclusive as condições mínimas que o partido terá nessa missão. Eu estou discutindo. É preciso debater, desde os grupos mais próximos, como familiares e amigos, até com o meu próprio gabinete. Estamos em uma fase de consultas, mas não estamos com as portas fechadas.


Portal Periódico: Visto que o senhor já passou por esses quatro mandatos, como define sua trajetória?
Chico Alencar: O parlamento é muito limitado. Parlamento burguês mais ainda. Você fica muito condicionado a uma atuação que é sempre restrita, dentro daquele formalismo, chamado “cretinismo parlamentar” e isso desgasta e cansa um pouco. O fato também de você viver, ter relações, inclusive políticas, em um Estado e precisar se deslocar toda semana para Brasília, o lugar da política, dá uma sensação de esquizofrenia. Eu já apresentei mais de 150 projetos de lei ligados a educação, meio ambiente, saúde, tudo nessa perspectiva de políticas públicas, já travamos muitos combates contra a degradação política, corrupção, já fui do Conselho de Ética, eu acho que fica o conjunto da obra. Apresentar o projeto é uma coisa, tê-lo aprovado é outra, existe uma distância muito grande. Fazer lei não é uma grande missão, é lutar para que a população se organize e conquiste outra sociedade, isso você faz no parlamento ou fora dele. Claro que a presença na institucionalidade tem um peso, mas também fico tranquilo porque eu vejo que lá no meu estado, no Rio de Janeiro, tem uma nova geração que vai manter a chama de desafinar o couro dos contentes com o neoliberalismo dentro do parlamento. Em geral, em condição minoritária, a gente até brinca lá. Normalmente na Câmara a gente luta como sempre e perde como sempre também.

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