Com a chegada do serviço de transporte urbano UBER, que opera em Ponta Grossa desde o dia 18 de abril, as discussões sobre a competição com o táxi aumentaram. Em julho, 93 taxistas estão com a licença em dia, distribuídos em 35 pontos fixos, principalmente na região central da cidade. Enquanto serviço de utilidade pública, os táxis locais seguem a Lei Municipal nº 4.916 que, desde 1993, dispõe sobre a execução do serviço na cidade, mas que não evita ilegalidades como a compra e venda de concessões de táxi, que podem custar R$ 120 mil.
De acordo com o Departamento de Trânsito da Autarquia Municipal de Trânsito e Transporte (AMTT), o número de licenças para táxis na cidade é de 150, mas variam para menos conforme a validade das autorizações e os documentos pessoais de cada permissionário. Como cada condutor possui carros e habilitação com vencimentos diferentes, o número de licenças pode ser alterado a qualquer momento. Segundo a Lei nº 4.916/93, o número de veículos em operação para a atividade, em uma população de 300 a 400 mil habitantes, deve ser de 205. A estimativa populacional de Ponta Grossa em 2016, de acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), é de 341.130 mil pessoas. As 150 licenças disponíveis na cidade são inferiores as 205 prescritas na lei para cidades com população como Ponta Grossa.
Após denúncias sobre a ausência de fiscalização nos táxis e irregularidades nos processos de transferência de permissões, a nossa equipe de reportagem conversou com taxistas atuantes, candidatos da possível lista de espera de concessão, vereadores, jornalistas e recorreu à própria legislação municipal para saber como funcionam os trâmites que ocorrem por trás das leis.
A Lei é fraca e a vaga antiga
Para ser taxista em Ponta Grossa, o processo, além de demorado, pode sair mais caro que o imaginado. Todas as autorizações dos taxistas, atualmente, são reflexos das doações de concessões realizadas há pelo menos 50 anos, exceto as poucas criadas na década de 1990. De acordo com o chefe do Departamento de Trânsito da AMTT, Fernando Bueno, “antes da criação de uma lei específica para licitações e concessões de táxi, os prefeitos doavam placas e pontos nas décadas de 1970 e 1980”. Somente em 1993, com a lei sancionada pelo prefeito de Ponta Grossa na época, Paulo Cunha Nascimento, o serviço de táxi e suas outras providências entram em vigor.
Neste processo, existe um embate entre a Lei Federal das Licitações, de 1993, e aqueles permissionários que já haviam recebido placas e pontos de táxi anteriormente à Lei Municipal ponta-grossense do mesmo ano. De acordo com a Lei Federal nº 8.666/93, as concessões, assim como outros serviços da administração pública contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação. Entretanto, de acordo com a Lei Federal nº8.987/95, em seu artigo 42, as concessões de serviço público realizadas antes da vigência desta lei são consideradas válidas pelo prazo fixado em contrato ou no ato de outorga.
A partir dessa realidade, as placas autorizadas antes da lei permanecem sob concessão dos permissionários e seus familiares, uma vez que a Lei Municipal Nº4916/93 permite apenas a transferência de uma autorização em caso de falecimento, aposentadoria, incapacidade, por permuta ou para outro motorista não titular de autorização.
Mercado de “doações”
Prestar serviço público enquanto taxista se torna uma ocupação difícil para quem não possui uma licença, como nos informou Ariel* (32). “Protocolei um pedido de autorização de placa para ser motorista de táxi, mas não consegui, a fila é muito grande”, lamenta. Essa é a mesma queixa de José* (44), que há 10 anos aguarda na chamada lista de espera de concessões. Solicitada a lista para Bueno, o chefe do Departamento de Trânsito da AMTT garantiu que esse documento não existe e que não passa de uma articulação de vereadores para garantir votos.
Na medida em que o acesso de mais taxistas a concessões se torna difícil, sem novas licitações ou possibilidades para a entrada no ramo, nossa equipe de reportagem conversou com algumas pessoas para conhecer as negociações internas destes condutores.
Após 15 dias da instação da UBER em Ponta Grossa, um de nossos repórteres acompanhou a rotina de José*, condutor de táxi há mais de uma década, que não possui concessão própria. Segundo o condutor, com a legislação municipal abrangente e sem uma fiscalização constante, são os próprios taxistas que ditam suas leis. “Existem alguns empresários no ramo do táxi que possuem várias placas em nome de familiares e que acabam exercendo influência sobre os outros”, afirma. O motorista, que pediu o sigilo de sua identidade, garante que são esses concessionários de táxis que travam as negociações da classe junto ao legislativo. “Como eles possuem mais carros, mandam mais e antecipam nossas conversas. Assim, quando vamos falar com o prefeito para pedir mais concessões, esses empresários barram, porque não é de interesse deles mais concorrência”, reforça.
O relato de José é lamento também de outros taxistas que, sem permissão para conduzir veículo próprio, trabalham para os permissionários. Essa modalidade é garantida perante a Lei nº 4916/93, que autoriza o motorista autônomo ceder seu veículo, em regime de colaboração, para até dois outros profissionais inscritos no Cadastro de Condutores de Táxi.
O que é irregular, no entanto, são os esquemas de arrendamento de veículos, prática comum em Ponta Grossa, de acordo com o taxista entrevistado. “Acontece aqui de donos de pontos de táxi arrendarem sua concessão para outro condutor. É só colocar o carro no nome da pessoa, inscrever ela no cadastro e cobrar no fim do mês um salário mínimo”, afirma José. Segundo o taxista, essa prática é recorrente, uma vez que o dono da concessão não tem gastos, já que o carro não é seu, não precisa pagar IPTU e é mais rentável que alugar um imóvel, por exemplo.
No dia oito de maio, em horário de pico, outro repórter embarcou no táxi de Gildo*, da redação do Periódico até sua residência. A corrida que custou R$ 35 demorou aproximadamente 16 minutos, tempo suficiente para o repórter descobrir com o condutor como funciona a compra de uma placa de táxi em Ponta Grossa. Gildo não sabia que estava sendo gravado e optamos em preservar sua identidade alterando sua voz.
Na busca por mais informações sobre as vendas ilegais das placas de táxi, Maria relatou que as negociações comerciais existem. Segundo ela, que garante estar na lista de espera para poder atuar na área, uma placa de táxi em Ponta Grossa custa entre R$ 100 e R$ 120 mil, sem o veículo. Receosa com a informação, Maria decidiu não falar mais nada. Em um segundo contato, através do mesmo repórter, ela apontou que “a falta de taxistas em alguns pontos acontece porque não existe uma transparência na lista de espera e na fiscalização”, afirma. O taxista José reforça os valores. De acordo com o condutor, uma placa de táxi na cidade circula entre os R$ 100 mil e o retorno pode demorar até três anos.
Segundo o vice-presidente do Sindicato dos Taxistas Autônomos de Ponta Grossa, José Carlos Menon, comprar um táxi na cidade é possível, desde que o taxista não queira mais trabalhar e venda sua concessão para o interessado na compra. Menon aponta que a Prefeitura Municipal não abre novas concessões. “Digamos que eu não queira mais trabalhar como taxista, eu posso vender meu táxi para o interessado através de uma transferência”, afirma. Questionado sobre o valor de um táxi, o vice-presidente do sindicato afirmou que “varia de acordo com o preço de cada veículo”.
Segundo a Lei nº 4.916/93, a comercialização de placas de táxi é ilegal, assim como a terceirização informal para condutores que não constam no Cadastro de Condutores de Táxi. Procuramos o promotor Márcio Pinheiro Dantas Motta, da 12ª Promotoria de Justiça da Comarca de Ponta Grossa para comentar o caso. Em 2016, Motta abriu inquérito para averiguar as irregularidades e a fiscalização dos táxis na cidade. Em resposta, a assessoria da promotoria informou que para não comprometer as investigação em andamento não são concedidas entrevistas, apenas manifestações mediante nota escrita veiculada por meio da Assessoria de Comunicação do Ministério Público do Estado do Paraná.
Distribuição de táxi em Ponta Grossa privilegia área central
Das irregularidades relatadas por motoristas e por quem aguarda na lista de espera, as concessões, que ao longo do tempo se tornam privadas ‒ mesmo sendo um serviço público ‒ incomodam também, assim como a concentração de táxis em regiões que tendem a ser mais lucrativas.
De acordo com o plano de distribuição de táxis do município, os taxistas devem atender demandas de diferentes regiões da cidade. Nesse sentido, a Lei nº 7346/2003, acréscimo da legislação de 1993, obrigou a criação de seis pontos de táxis em distritos administrativos de Ponta Grossa – dois em Itaiacoca, três em Guaragi e um em Uvaia –, mas estes atualmente estão inutilizados. Segundo o chefe do Departamento de Trânsito da AMTT, Fernando Bueno, os pontos nos distritos não possuem demanda. “Mesmo que exista necessidade de táxis nessas regiões, a fiscalização dos carros não seria possível, uma vez que eles não possuem GPS ou sistemas informatizados que permitam um controle eficiente”, ressalta.
A partir da lista de táxis regularizados em Ponta Grossa, atualizada pela AMTT no dia sete de abril de 2017, a distribuição geográfica das 105 placas de táxi para os respectivos 35 pontos fixos não atende a todas as exigências apresentadas na lei. Bueno aponta que a “oferta de mototáxi e do transporte coletivo nas regiões não centrais são capazes de suprir as demandas da população, assim, não existindo a necessidade da abertura de novos pontos de táxi”.
O mapa de pontos fixos em Ponta Grossa a seguir mostra como a distribuição ocorre. A grande maioria está concentrada, principalmente, na região central da cidade, deixando os bairros periféricos e distritos sem o serviço público dos táxis, mesmo garantidos pela lei.
*Alguns nomes foram trocados na execução dessa reportagem para preservar a identidade do entrevistado.
Atualizado em 11/07/2017 às 11h33min.