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Foto: Andressa Fabri


Indústria funciona próxima a área residencial e incomoda vizinhança com mau cheiro e fuligem

 

Os moradores do distrito Periquitos, zona oeste de Ponta Grossa, enfrentam problemas com o funcionamento de uma usina de asfaltos próxima a área residencial. A Arena Asfaltos opera no trecho urbano da BR-376, conhecida como Avenida Souza Naves, na saída para Guarapuava e para o Norte do Paraná. Os habitantes da região relacionam os componentes que a usina emite a problemas de saúde, principalmente respiratórios, de quem vive ao redor da indústria. Pesquisadores apontam que a exposição aos fumos e vapores do asfalto liberados durante a produção são prejudiciais ao contato humano. A Secretaria de Meio Ambiente de Ponta Grossa está ciente das reclamações dos moradores do Periquitos, mas, afirma que a usina opera dentro da legislação.

 

 

A vizinhança do local fez um abaixo-assinado que foi entregue às autoridades para fiscalização dos excessos nas emissões de poluentes cometidos pela usina Arena Asfaltos. A solicitação contém aproximadamente 100 assinaturas. Contudo, conforme a idealizadora da denúncia, Nair Dessoldi, não houve alterações no funcionamento da empresa. “A partir do momento em que se prejudica a saúde das pessoas e o meio ambiente, alguma coisa precisa ser feita. Há dias que não dá para abrir a janela e as portas de casa, de tanta poeira que vem do local, e também por causa do cheiro, que se assemelha a um cheiro de borracha queimada”, relata Nair.

 

 

A aposentada Maria José da Silva, 50 anos, possui doenças respiratórias crônicas, como rinite e bronquite, e afirma que os problemas se intensificaram depois da instalação da usina na região.

 


Confira o relato de Maria: 

 

 

moradora Maria
Maria José é uma das moradoras que reclama do funcionamento da usina. Foto: Andressa Fabri

 

 

Em frente à usina, do outro lado da BR-376, a aproximadamente 150 metros da indústria, está a Escola Municipal Professora Zeneida de Freitas Schnirmann. A professora da escola e moradora do distrito, Liliane Krik, possui asma e sente a saúde prejudicada quando a produção de asfaltos está em alta. A servidora relembra que, em junho deste ano, o cheiro e a poeira emitidos pela usina inviabilizaram atividades na quadra da escola. “Fomos até a quadra ensaiar para a festa junina, juntamente com os alunos, mas como o local fica mais exposto às poluições por ser logo de frente com a indústria, não conseguimos treinar por conta do cheiro e da poeira vindos da usina”, conta.

 

 

Mapa da região identifica o local de instalação da usina e a proximidade das moradias e da escola municipal.

 

Os moradores também relatam que é comum a usina funcionar desde às 5h e que mesmo durante este período o cheiro que provém da fábrica incomoda. Outra moradora do bairro, Salete Soares, conta a situação: “em uma madrugada eu acordei e achei que algo estava pegando fogo, por causa do cheiro. Fiquei desesperada, e em casa estava tudo em ordem. Saí de casa e vi que o cheiro vinha da usina. Nem mesmo de madrugada nós temos sossego, porém não são todos os dias que se sente o cheiro ruim”.

 

 

Um morador do bairro, que preferiu não ser identificado, produziu um relato colaborativo para o Portal Periódico, contando a experiência vivenciada. Confira:

 

 

 

Para a professora do Departamento de Engenharia Civil e do Laboratório de Mecânica dos Solos e Pavimentação da UEPG, Lilian Gouveia, os fumos e vapores do asfalto liberados na atmosfera podem causar efeitos que passam despercebidos aos moradores da região e até dos próprios funcionários da empresa. “Não é só o contato físico que pode causar danos às pessoas. A fuligem que a usina emite pode se impregnar nas roupas que estão no varal, por exemplo, ou até nos móveis das casas, e quando as pessoas entram em contato com os objetos, os resíduos podem causar prejuízos à saúde humana”, diz a engenheira.

 

 

A acadêmica de Ciências Contábeis da UEPG, Elisandra Iensen, era moradora do Periquitos e se mudou para outro bairro em função dos problemas enfrentados com a instalação do empreendimento. “A usina foi um fator determinante para a minha mudança e da minha família. Tentamos tomar várias providências, como reclamações na prefeitura e abaixo-assinados, porém nada surtiu efeito e por isso nos mudamos. O cheiro é insuportável, dá dor de cabeça e mal estar, além da fumaça e poeira preta que se acumulam nas calçadas”, relata.

 

 

Há dois anos, a equipe do Periódico fez um contato inicial com alguns moradores do distrito, que desde então já reclamavam da poluição no local. Na época, a aposentada de 59 anos e moradora do Periquitos, Vera Scheiffer, possuía enfisema pulmonar e respirava com a ajuda de um cilindro de oxigênio. Segundo Vera, o mau odor vindo da usina e a fuligem presente no ar agravavam seu estado clínico. “Não adianta respirar com a ajuda do oxigênio, se quando tiro para fazer algo, sinto o cheiro insuportável do local, que prejudica o meu estado”, disse Vera. Em 2016, Vera Scheiffer faleceu, devido às complicações de seu estado de saúde.
Divair Aparecida dos Santos relata que sua filha de 13 anos, que estudava na escola próxima à usina, há 5 anos ficou doente, com problemas pulmonares, e a contaminação do ar por conta dos poluentes foi um agravante. “Ela tossia muito quando chegava da escola. Levei-a ao médico, e descobri que ela estava com uma mancha no pulmão, devido às alergias de poeira e petróleo”. O laudo médico foi enviado para a Secretaria Municipal de Educação.

 

Usina de asfaltos fica a aproximadamente 150 metros de uma escola municipal. Alunos e professores convivem com a poluição da fábrica. Foto: Andressa Fabri

 

O técnico em Segurança do Trabalho da Secretaria de Educação, Francisco Barros, que investigou o fato, atesta que a criança foi diagnosticada com problemas pulmonares, mas alega que não há nada comprovado de que o caso clínico é resultado da emissão de gases da usina. Francisco afirma receber várias reclamações da direção da instituição e dos pais dos alunos. “Solicitamos que o município instalasse um medidor de poluição no local, mas o poder público da cidade alegou que não possuía verbas para a compra do medidor. Fora disso não podemos fazer mais nada. A solicitação foi feita, mas cabe aos órgãos públicos cumprir”, completa Francisco.

 

 

A fiscalização de poluição atmosférica das indústrias é feita pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP). Entretanto, o escritório regional em Ponta Grossa não possui medidor de poluição atmosférica móvel para fiscalizar as indústrias. A sede do instituto em Ponta Grossa manda todas as solicitações de medição para o escritório em Curitiba e a própria usina fica responsável por apresentar as documentações exigidas. Segundo o IAP, a empresa possui oito tipos de licença em vigor, mas os dados dos tipos de licenças não foram fornecidos à equipe do Periódico.

 

 

O Secretário Municipal de Meio Ambiente, Paulo Barros, afirma que já ouviu queixa dos moradores, mas alega que a usina opera dentro da lei. “Devido ao grande tráfego de veículos na Avenida Souza Naves, não ficou claro se a poluição do local vem do trânsito ou da usina. O que se sabe é que a indústria está dentro dos padrões de poluição e também está localizada em uma área permitida”, afirma o secretário. A reportagem questionou a secretaria em relação aos métodos de medição de poluição atmosférica da indústria, já que não há equipamento de monitoramento do ar no distrito Periquitos, mas até o fechamento da reportagem, não obteve respostas.

 

 

Conforme a lei de zoneamento da cidade, a região onde a usina se localiza é classificada como Zona Residencial 2, que permite que no local haja instalação de micro indústrias, que são as atividades industriais de porte pequeno, não poluentes, com área construída inferior a 180m². O engenheiro civil do Departamento de Urbanismo da Secretaria de Planejamento, Orlando Henneberg, afirma que a indústria opera dentro da lei, “desde que não ultrapasse os limites de poluição e de barulho”, explica o engenheiro civil.

 

 

Nossa equipe teve acesso ao documento do Alvará de Localização da Arena Asfaltos, e conforme as informações, a empresa opera regularmente. A Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público do Paraná foi questionada sobre a existência das denúncias dos moradores. O órgão afirmou existir uma investigação em trâmite, relacionada a usina, porém o processo está em andamento e sem conclusões sobre o inquérito, segundo a assessoria do promotor Honorino Trémea.

 

 


ALÉM DA LEGISLAÇÃO
No entanto, mesmo que a usina esteja dentro dos parâmetros da lei municipal, os danos à saúde causados pela exposição aos vapores da produção do asfalto são objetos de estudos por pesquisadores da área. O o livro Pavimentação Asfáltica , publicado originalmente em 2006 por professores doutores em Engenharia Civil em parceria com a Petrobras, descreve os materiais usados em pavimentação e suas propriedades. A obra indica que na composição do asfalto há a mistura de hidrocarbonetos e de heteroátomos, como oxigênio, enxofre, nitrogênio, provenientes da destilação do petróleo. Quando o asfalto é aquecido nas usinas, ele libera fumos e vapores no ar, através das chaminés. Os fumos e vapores são compostos de Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPA) e também apresentam gás sulfídrico (H2S) na composição, derivado do enxofre.

 

 


A Unidade de Saúde Dr. Louis Charles Buron atende o distrito do Periquitos e região. A Técnica em Enfermagem Carolina Pozzebon trabalha no local E relata que o odor emitido pela usina chega até o posto de saúde. “Faz três meses que trabalho neste local, quando cheguei já deu para perceber que o cheiro era insuportável e que era um ar diferente do local onde eu trabalhava antes. Aqui, os sintomas mais frequentes que aparecem de pessoas que se consultam são os sintomas gripais e respiratórios. Não temos como afirmar que os sintomas de mal estar são causados pela usina, mas muitos pacientes associam as alergias nos olhos, náuseas, dor de cabeça e problemas respiratórios ao funcionamento dela”, alega a enfermeira. Segundo os dados liberados pela Unidade de Saúde, 26 pessoas que vivem ao redor da usina possuem problemas respiratórios.

 

 

Foto: Andressa Fabri

 


O otorrinolaringologista e professor do Departamento de Medicina da UEPG, Rafael dos Santos, diz que a queima de combustíveis fósseis, como a destilação do petróleo em uma usina próxima à área residencial pode causar mal estar e danos na saúde de quem está exposto ao problema. “Os sintomas mais comuns são tosse, irritação na garganta e nos pulmões. Nos casos de indivíduos com doenças respiratórias pré existentes ou hipersensibilidade aos agentes liberados, podem ocorrer crises de falta de ar, tosse e agravamento de bronquites, rinites e/ou sinusites”. O médico também afirma que, potencialmente, pode haver a exacerbação de doenças respiratórias crônicas e também uma maior dosagem de medicamentos para controle de asma, bronquite e rinite.

 

 

A fuligem e a poeira derivadas da produção de asfalto contém HPA e são cancerígenas para os seres humanos. É o que diz a tese de doutorado, apresentada ao programa de Pós Graduação em Química da Universidade Federal da Bahia, desenvolvida por Wilson Araújo Lopes. Conforme a pesquisa, os HPA podem penetrar no corpo humano por inalação, através da pele ou por ingestão. Os efeitos sobre a saúde humana estão associados à contaminação que ocorre principalmente por inalação de aerossóis atmosféricos, que são partículas sólidas ou líquidas presentes no ar. “O aumento das concentrações de aerossóis, principalmente em regiões industriais e centros urbanos densamente povoados, tem provocado efeitos danosos ao ambiente, em vários aspectos: redução da quantidade de radiação solar com efeitos sobre o clima e sobre as transformações fotoquímicas na atmosfera; redução de visibilidade; riscos sobre a saúde humana provocados por doenças respiratórias”, indica a pesquisa.

Confira a pesquisa em: http://nj.gov/health/eoh/rtkweb/documents/fs/3197.pdf

 

 

Para o coordenador do Laboratório de Pavimentação e professor do departamento de Engenharia Civil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Felipe Brum, no processo de refino do petróleo, o asfalto é o último subproduto, depois de gás natural, nafta, gasolina, querosene, óleo diesel, óleo lubrificante e óleo combustível. “Ou seja, concentra todos os materiais da sobra do processo, alguns dos mais danosos à saúde”, diz o engenheiro. Conforme Brum, as usinas devem possuir as licenças ambientais necessárias, isolamento mínimo de populações vizinhas, filtros adequados e menor emissão possível de gases.

 

 

O OUTRO LADO
O proprietário da Arena Asfaltos, Michel Hayar, foi questionado com relação à instalação da indústria próxima a área residencial e sobre as reclamações dos moradores quanto aos problemas de saúde causados pela exposição aos vapores da usina. Hayar defende que o funcionamento da usina na Avenida Souza Naves se deve a questões de logística. “O local fica na saída da cidade, em uma região que fica fácil para transitar até para outras cidades. Sabemos das reclamações dos moradores, mas a usina está regularizada e dentro dos parâmetros da lei, então continuaremos no mesmo local. Os filtros são trocados de seis em seis meses e são limpos periodicamente”, alega o proprietário da usina.

 

 

Mesmo que a usina seja regular perante a lei, as reclamações dos moradores continuam frequentes e a incidência de doenças respiratórias também. A Promotoria do Meio Ambiente do Ministério Público do Paraná solicitou que o Poder Público do município fizesse a fiscalização da indústria e pediram que o IAP e a empresa apresentassem os licenciamentos ambientais e de operação. A investigação iniciou em 2016, mas como não há provas de que a indústria ultrapassa os limites de poluição, o inquérito não se encerrou. Enquanto não for concluída a investigação do fato, a usina funciona normalmente no local.

 

 

 

Foto: Andressa Fabri

 

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