DSC 0009Em escolas públicas é comum encontrar quadros e outros itens que remetem ao cristianismo.

 

Apesar de ser idealizada como uma​​​​​​​​ forma de promover a diversidade, professores nem sempre se atém às diretrizes da disciplina.

 

O Brasil possui mais de 50 religiões declaradas. Os dados são do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010. Apesar da ampla diversidade, o alcance do debate acerca da intolerância religiosa é curto, sobretudo no âmbito escolar. Na última quarta-feira, 27, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da ação proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que acusava inconstitucionalidade em trechos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação referentes ao ensino religioso. A ação da PGR contestou a vinculação da disciplina a uma crença específica.

 

Depois de quatro sessões, o STF declarou o ensino religioso constitucional, por seis votos a cinco. O argumento que garantiu a legalidade à disciplina foi de que, como a matrícula é facultativa, a liberdade de crença e a laicidade do Estado estão resguardadas. Segundo a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, a facultatividade da matrícula impede que alunos se sintam constrangidos por não professarem a religião predominante.

 

O modelo de ensino religioso que é lecionado nas escolas, e que foi considerado constitucional pelo STF, é o confessional, que prevê o ensino de uma ou mais crenças como objeto de estudo. Há outros dois modelos que não são contemplados na decisão do Tribunal - o não confessional, que visa a exposição neutra da história e prática de diferentes credos e posições não-religiosas, e o modelo interconfessional, cujo foco está em elementos comuns entre as religiões diferentes.

 

Em Ponta Grossa, a discussão sobre a laicidade do ensino público ganhou força no início de 2016, após a aprovação do projeto de lei conhecido como “lei-da-Bíblia,” que prevê que todas as escolas públicas do município tenham um exemplar da Bíblia à disposição dos estudantes. A autoria do projeto foi do ex-vereador Marcelo Careca (PR).

 

Também em 2016, Intolerância Religiosa foi o tema escolhido para a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Segundo o balanço divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 291.806 participantes tiveram a redação anulada ou receberam nota zero (cerca de 4% do total de inscritos).

 

Entre os motivos da anulação apontados pelo INEP estava a violação de direitos humanos. Mais de 4.700 redações foram anuladas por este motivo. Confira o relatório completo aqui. A estudante Lorena Rudnik participou do ENEM no ano passado e relata que teve dificuldade para fazer a redação, já que as escolas não costumam tratar desse tema. “Eles [os colégios] não mexem muito nesses assuntos porque é meio complicado,” afirma. “Religião é algo que geralmente vem pela família”.

 

Um meio institucional de promover a diversidade e o respeito a todas as religiões é a disciplina de Ensino Religioso. Contudo, nem sempre a matéria consegue contemplar o que está idealizado em suas diretrizes. Segundo relatos de professores ouvidos pelo Portal Periódico, a disciplina pode se tornar uma ferramenta para reafirmar a tradição cristã que impera sobre o ensino público e privado no país, ferindo o princípio do Estado Laico.

 

Ensino e Religião

Prevista pela Constituição e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a disciplina de Ensino Religioso é aplicada no 6º e 7º ano do ensino fundamental, em todas as escolas públicas do país. Com a carga horária de 40 horas anuais e uma aula por semana, a matéria é facultativa, ou seja, a frequência não é obrigatória.

 

Nas discussões acerca da implementação de uma Base Nacional Curricular Comum, além de uma disciplina fixa para o 6º e 7º ano, o Ensino Religioso é contemplado como um catálogo de conteúdos específicos para cada um dos nove anos do ensino fundamental. Dessa forma, a religiosidade poderia ser incluída nas demais disciplinas, se tornando um assunto transversal.

 

No Paraná, segundo as Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Ensino Religioso, a disciplina tenciona desenvolver “uma cultura de respeito à diversidade religiosa e cultural”. O documento, de 2008, serve como um manual para a equipe pedagógica consultar na hora de elaborar a ementa da disciplina.

tabelA tabela extraída das Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Ensino Religioso ressalta que a função da disciplina é desenvolver uma cultura de respeito à diversidade.

Portal Educacional do Estado do Paraná, da Secretaria da Educação Estadual, disponibiliza uma série de recursos didáticos que podem ser utilizados na sala de aula, como áudios, vídeos, sugestões de atividades interativas, jogos e outros. Os recursos estão reunidos na aba da disciplina Ensino Religioso. Há ainda cartilhas, como a “Diversidade Religiosa e Direitos Humanos”, de 2004, e “Ensino Religioso: Diversidade Cultural e Religiosa”, de 2013, que enfatizam a necessidade de promover o respeito e a diversidade em sala de aula.  

 

Contudo, o uso dos materiais é opcional, isto é, são os professores que decidem se irão ou não utilizá-los em aula. Se por um lado a não obrigatoriedade do uso dos recursos confere autonomia para os professores montarem o plano de aula, por outro, dificulta a fiscalização para saber se o que está sendo lecionado condiz com respeito à diversidade religiosa e à laicidade no âmbito escolar.

 

Para Jamaira Jurich, professora de Ensino Religioso em Ipiranga, a matéria, da forma que é prevista pelas Diretrizes, é “genial”: “[a disciplina] possui uma intenção maravilhosa, de promover a diversidade, combater preconceitos”, afirma. Contudo, não é sempre que esse projeto é colocado em prática. “Tem professor que transforma o ensino religioso no ensino de uma religião, conforme suas crenças. Ou ensina as outras religiões em um mês e fica oito meses lecionando a [religião] dele. Vira proselitismo, ao invés de tratar a religiosidade como um conhecimento científico”, reconhece.

 

Jurich também acredita que os alunos que frequentam o 6º e 7º ano são muito jovens para perceber a importância da disciplina. “Eles [os alunos] têm entre onze e doze anos. Para eles, conhecer outras religiões é uma curiosidade, eles não reconhecem o fundo ético, de cidadania, por trás dos conteúdos”.  

 

Lindacir da Silva, professora de Ensino Religioso no Colégio Senador Correia, em Ponta Grossa, possui uma visão otimista sobre a prática dadisciplina, e acredita que, em todas as escolas, os professores tentam ao máximo trabalhar com o respeito à diversidade. Contudo, ela reconhece que pode ser difícil desvincular-se de posicionamentos pessoais em sala de aula. “A gente vem de uma vertente mais tradicional [católica], mas não passa isso para os alunos. Nosso objetivo é trazer elementos de conhecimento para que o aluno forme sua própria opinião”.  

Bíblias
Bíblias
Jesus na parede
Jesus na parede
Decoração da escola
Decoração da escola
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A “vertente tradicional” a qual a professora Lindacir se refere é  visível no interior do Colégio Estadual Senador Correia, onde quadros religiosos decoram corredores e salas. A professora afirma que as datas comemorativas com origem religiosa como Páscoa e Natal são trabalhadas, mas sem ênfase na religião: “no Natal a professora de Artes enfeita a escola, na Páscoa é dado chocolate para as crianças.”
 
 
Da Silva também relata que os alunos confundem as aulas de Ensino Religioso com Catequese, e que, por vezes, trazem para a aula preconceitos de casa. “Eles têm medo quando começamos a falar de orixás, de umbanda e candomblé. Alguns pais não permitem que os filhos assistam às aulas, se preocupam que a gente vá induzi-los a mudar de religião,” revela.

 

O ensino público é laico?

“Eu gostaria de dizer que o ensino público é laico, mas não é,” reconhece a professora Jamaira Jurich. “Vivemos numa sociedade muito permeada pela religiosidade. O Estado não é laico, o Supremo [Tribunal Federal] não é laico, e a escola não é uma instituição à parte, ela também reproduz essa afirmação religiosa.” A professora lembra ainda que, em muitas escolas, é comum o costume de orar antes do início das aulas.

 

Segundo o Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ), entidade formada por professores e estudantes, a laicidade no ensino público é “uma antiga e ainda não realizada aspiração” pois “a religião, principalmente o Cristianismo, permeia todo o currículo”. O Observatório afirma que a disciplina de Ensino Religioso, conforme o modelo previsto para a Base Nacional Curricular Comum, ignora o documento final da Conferência Nacional da Educação de 2014, “que reivindicou a substituição do Ensino Religioso pela disciplina Ética e Cidadania e o estabelecimento de limites às manifestações religiosas no interior das escolas públicas.” Confira o posicionamento completo do Observatório sobre a disciplina de Ensino Religioso.  

 

Para o sociólogo Rudy Assunção, a educação possui um papel importante no sentido de combater a intolerância e o preconceito de ordem religiosa. “Não temos sido educados para o respeito aos direitos humanos,” declara. “Falta ao intolerante uma educação moral e, porque não, religiosa”.

 

Em Ponta Grossa

Nas escolas do município, onde os alunos estudam até o 5º ano do ensino fundamental, não há uma disciplina equivalente ao Ensino Religioso ofertado nas escolas estaduais. Contudo, segundo a secretária de Educação Esmeria de Lourdes Saveli, há, dentro das escolas, a abordagem de “valores cristãos”. “São trabalhados como um tema transversal, não como uma disciplina específica, como ocorre na rede estadual. É um tema que atravessa todo o currículo”, revela. Esmeria afirma que a Secretaria de Educação Municipal ainda discute como inserir temas sobre diversidade na sala de aula.

 

Para saber mais: 

Plano Estadual de Educação do Paraná 2015 - 2015

Plano Municipal de Educação de Ponta Grossa 2015 - 2025

De Pé com Fé