Município presta assistência somente à captação de órgãos
Ponta Grossa se mantém a única cidade do Paraná, das cinco maiores do estado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), que não realiza nenhum tipo de transplante de órgãos, nos hospitais municipais e particulares. No Paraná, as únicas cidades habilitadas pela Secretaria Estadual de Saúde (SESA) para realizarem algum tipo de transplante de órgãos são Apucarana, Curitiba, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Cascavel, Londrina e Maringá.
Um contraste negativo aos pacientes do município que precisam desse tipo de assistência. Só no estado, 1.187 pessoas estão na lista de espera de doação de órgãos, conforme o relatório da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), de 2018. O rim é o órgão mais aguardado, com 947 pessoas na fila, seguido do fígado com 170 pessoas, córnea com 31 pessoas, coração com 24 pessoas e pâncreas/rim com 15 pessoas.
Presidente da Associação Paranaense de Renais Crônicos (APRC), Dalmo Sousa, há três anos e meio espera por um transplante, após ser diagnosticado com rim policístico. Durante o tempo em que aguarda o procedimento, Dalmo realiza três seções semanais de hemodiálises, um tratamento em que uma máquina limpa e filtra o sangue, isto é, realiza o trabalho que o próprio rim não dá mais conta. “No começo foi uma grande dificuldade ter que fazer hemodiálise, pois estava no auge da minha carreira profissional e tive que deixar de lado os meus sonhos por causa da doença”, comenta Sousa.
“O maior problema de realizar a hemodiálises é que você se torna preso à máquina. A pessoa não consegue realizar várias coisas cotidianas que antes conseguia realizar. A vontade de fazer o transplante é enorme para todos os pacientes para que possamos, de certa forma, voltar à vida normal de novo”, relata o presidente.
Com a impossibilidade de realizar um transplante em Ponta Grossa, Sousa e mais de 150 pacientes que realizam hemodiálise no único centro credenciado para prestar a assistência na cidade têm de recorrer a outros municípios. “O maior obstáculo é o deslocamento em ter que ir realizar os exames de rotinas nos hospitais que fazem esse serviço em outra cidade e a dificuldade no pós-transplante de estar se deslocando para longe ainda fraco trazendo prejuízo para os pacientes”, enfatiza Sousa.
Segundo uma fonte que não quis se identificar, a falta de informação sobre a existência desse tratamento para os pacientes são o maior problema. “Aqui em Ponta Grossa, os médicos conhecem pouco sobre transplantes. Por esse motivo, muitos acabam nem incentivando os pacientes a realizarem o tratamento pela falta de conhecimentos deles mesmo sobre o tema”, relata. “O transplante é o melhor método para uma pessoa que espera um órgão. Ele não é a cura da doença, mas é através dele que a gente pode voltar a ter uma vida mais digna,” conclui.
José Lemos, 62 anos, aguarda um transplante de rim há seis anos, após ser diagnosticado com insuficiência renal crônica. Com centenas de seções de hemodiálises já realizadas, Lemos já sente os efeitos que a máquina produz no organismo. “Sinto muitas dores e cansaço, pois a máquina tira tanto as coisas ruins do sangue como as boas. O que deixa os pacientes como eu, que estou há vários anos aguardando um transplante, mais debilitado e angustiado”, explica Lemos.
Para Lemos, a espera de um órgão e a demora em conseguir um doador geram enormes danos não só para o paciente como para a família.“O maior problema são as pessoas que não conseguem sobreviver em decorrência da espera por um transplante. Vários amigos que realizavam dialises acabaram falecendo na fila. Outra dificuldade é a família vendo a situação de fraqueza das pessoas”, enfatiza o aposentado.
Embora o Paraná ter realizado mais de 900 transplantes de órgãos no ano passado, segundo a SESA, no mesmo período 400 novas pessoas ingressaram na fila por um órgão no Estado. Um dado que chama a atenção é o número de óbitos. Só no ano passado, 35 pessoas que aguardavam por um transplante morreram antes de serem atendidas. Outra barreira que as pessoas sofrem é o pequeno número de municípios que realizam algum tipo de transplante. Apenas 2,5% das cidades do Paraná realizam esse tratamento.
Maria de Lurdes Camargo, 47, mãe de 2 filhos, demonstra ter uma vida normal, mas não é bem assim. Há um ano e meio, Camargo aguarda o transplante de fígado, em ocorrência de uma cirrose hepática provocada pelo vírus da hepatite C. “Quando soube que teria que entrar na fila, me desesperei porque estava entrando em um mundo desconhecido sobre transplantes e doações de órgãos”, diz Camargo. “Meu maior medo é não conseguir ter de volta a minha vida como era antes, mas tenho fé que logo vou conseguir realizar o meu transplante,” completa a dona de casa.
O problema da espera por um transplante não fica restrito somente ao Paraná. Dados da ABTO indicam que 33.454 pessoas no Brasil esperavam algum tipo órgão no ano passado. No país, esse atendimento está concentrado nas regiões Sudeste e Sul.
Segundo o técnico administrativo da 3º Regional da Saúde de Ponta Grossa, André Luiz Albuquerque Lisboa, o motivo que leva o município a não fazer nenhum tipo de transplante é a falta de profissionais qualificados e preparados para a realização de um procedimento complexo.
Segundo o coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) do Hospital Universitario o enfermeiro Guilherme Arcaro, a causa do municipio não realizar transplante de órgãos é pela proximidade com a Região Metropolitana de Curitiba. “O motivo é a logislitica do municipio em estar cerca de centros que realizam o procedimento, um outro fator é a questão burocratica perante o Ministerio da Saúde. Para mudar esse quadro o municipio deverá buscar profissionais habilitados e formar grupos de profissionais medicos experientes para realizar transplante de órgãos,” afirma Arcaro.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura Municipal de Ponta Grossa informou que os transplantes e outras especialidades não compete ao município, mas sim ao Estado por meio da SESA.
Até o fechamento dessa reportagem, não foi possível contato com a Coordenadora da Central de Transplante do Paraná, pois a mesma está em período de férias, como informou a Assessoria de Comunicação Social da SESA.
A reportagem não conseguiu resposta da Associação Médica de Ponta Grossa (AMPG), até o fechamento dessa edição.
Como funciona a doação de órgãos no Brasil:
A princípio, qualquer pessoa que tenha tido a morte encefálica confirmada pelos médicos pode se tornar doadora, pois esse é um quadro irreversível em que é diagnosticada a parada total das funções cerebrais. Após o diagnóstico de morte encefálica, a família deve ser consultada e orientada sobre o processo de doação de órgãos.
A legislação federal na Lei nº9.434, 4 de fevereiro de 1997em seu artigo Art. 4º diz que a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade,[…], firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte especifica que a decisão entre doar ou não o órgão é exclusivamente da família. Porém conforme a mesma Lei no artigo Art. 6º É vedada a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas.
Mensagens por escritos deixadas pelo doador não são válidas para autorizar a doação no País. Por isso, apenas os familiares podem dar o aval da cirurgia que acontece após a assinatura de um termo. De acordo com a ABTO, 43% das famílias entrevistas em 2018 não permitiram a retirada dos órgãos para a doação.
Após a manifestação e o desejo pela família de doar os órgãos do parente, a equipe médica realiza um questionário com os familiares para detalhar o histórico clínico do paciente. É necessário investigar se os hábitos do doador teriam levado ao desenvolvimento de possíveis doenças ou infecções que possam ser transmitidas ao receptor.
De acordo com o Ministério da Saúde os órgãos que podem ser doados são: o coração, os dois pulmões, o fígado, os dois rins, o pâncreas e o intestino. Os tecidos como córneas, ossos, pele e válvulas cardíacas também podem ser doados nesta situação. No Brasil, não é permitido o transplante de nenhum outro órgão além desses.
Como funciona a lista de espera:
Cada órgão tem uma fila de espera especifica, baseadas na Lei nº 9.434/1997. Cada vez que um órgão fica disponível, o ranking é atualizado. Os pacientes que estão à espera de um transplante precisam ser inscritos pelos seus médicos no Cadastro Técnico Único, através do banco de dados do sistema informatizado da Central de Transplantes de cada Estado, que contém todas as informações dos pacientes.
Apesar de o sistema de transplante e a fila serem nacionais, as distribuições são regionalizadas por questões de logística de transporte e o tempo de isquemia, ou seja, o prazo de duração que o órgão resiste sem irrigação fora do corpo.
A principal característica das listas é que elas não funcionam por ordem de chegada, em que o primeiro a se inscrever receberá o órgão antes do segundo e assim consecutivamente. Em vez disso, os critérios obedecem a condições médicas. São três fatores determinantes: compatibilidade dos grupos sanguíneos, tempo de espera e gravidade da doença.
Em Ponta Grossa, os pacientes dependem da equipe médica para que eles estejam no Cadastro Técnico Único do Estado, mas devem procurar hospitais que ofertem este tipo de serviço para se cadastrar. Como depende do paciente estar na lista de espera estadual, é preciso também se inscrever em algum hospital ou clínica que realiza esse procedimento.
Saiba o que é Hemodiálise
A hemodiálise é um procedimento através do qual uma máquina limpa e filtra o sangue, ou seja, ela faz parte do trabalho que o rim doente já não consegue. O procedimento libera o corpo dos resíduos prejudiciais à saúde, como o excesso de sal e de líquidos. Também controla a pressão arterial e ajuda o corpo a manter o equilíbrio de substâncias. É indicado para pacientes com insuficiência renal aguda ou crônica grave detectados pelo médico.
A máquina recebe o sangue do paciente por um acesso vascular, que pode ser um cateter (tubo) ou uma fístula arteriovenosa, realizado cirurgicamente pelo médico no paciente e depois o sangue é impulsionado por uma bomba até o filtro de diálise (dialisador). O tempo que o paciente fica junto na máquina varia de três a cinco horas por sessão, em que, ele terá que realizar três vezes por semana ou até mesmo diariamente, se for necessário.
Mesmo com os benefícios da hemodiálise, o paciente pode apresentar complicações como hipertensão arterial, anemia severa, desnutrição e hepatite, que podem ser tratadas e controladas a cada sessão de hemodiálise.
Ficha técnica
Reportagem: Alexsander Marques
Foto: Arquivo
Edição: Thaiz Rubik
Supervisão: Angela Aguiar, Fernanda Cavassana, Hebe Gonçalves