Ministério da Saúde quer abolir o termo Violência Obstétrica

Abolição do termo ‘violência obstétrica’ causa preocupação entre especialistas
Para Médicos, uso do termo prejudica profissionais. Pesquisadores da área reforçam a existência de violências durante o parto.

 

O Ministério da Saúde reconheceu o direito das mulheres a usar o termo Violência Obstétrica, no dia 10 de junho deste ano, após uma recomendação do Ministério Público Federal. Grupos de médicos alegam que a expressão é genérica e prejudica profissionais. Para pesquisadores na área, a decisão do Ministério da Saúde prejudica as gestantes e tenta esconder um abuso que ocorre em diferentes fases da gravidez.
Um despacho publicado anteriormente pelo Ministério da Saúde, em três de maio, orienta que o termo “violência obstétrica” seja evitado em documentos públicos e, posteriormente, seja abolido. Em 2018, o Conselho Nacional de Medicina emitiu um parecer com a mesma orientação aos profissionais da área.
De acordo com o despacho do Ministério da Saúde, o termo “tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado [...], desta forma, a impropriedade da expressão ‘violência obstétrica’ no atendimento à mulher, pois acredita-se que, tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas, não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano”.
O presidente da Associação Médica de Ponta Grossa, Gilmar Alves do Nascimento, defende que o termo é genérico. “Quando se fala em ‘violência obstétrica’ a ideia é que só o médico obstetra é culpado, quando na verdade a violência contra a gestante pode acontecer em vários estágios da gravidez e por diversos profissionais”, declara.
Para a mestranda em Ciências Sociais Aplicada na UEPG e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares sobre Saúde Reprodutiva, Comunicação em Saúde e Direitos Humanos, Elena Guimarães, a abolição do termo pode contribuir para a dificuldade de entender o que é ‘violência obstétrica’ e da noção da mulher de que está sofrendo uma violência. “Pesquisas mostram que a violência existe. Abolir o termo tenta esconder a realidade”, afirma.

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Ilustração: Milena Ágata

Conforme dados da Pesquisa Nascer no Brasil, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma em cada quatro mulheres afirma ter sido vítima de violência obstétrica. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 830 mulheres morrem diariamente ao redor do mundo por complicações no parto.
A advogada Fernanda Kossatz, representante da OAB-Ponta Grossa, avalia que a abolição do termo pelo Ministério da Saúde viola a liberdade de informação e de expressão. “A violência obstétrica ataca a dignidade, a saúde e a vida da pessoa, ou seja, é um ataque aos direitos fundamentais”, explica. Atualmente, não existe uma lei específica no Brasil que regulamente a ‘violência obstétrica’ como crime, mas ela pode ser denunciada por outros artigos do código penal.
Em 2017, o deputado federal Francisco Floriano (DEM-RJ) propôs um projeto de lei que criminaliza a ‘violência obstétrica’. O projeto está parado na Câmara Federal. Kossatz avalia que a abolição do termo pelo Ministério da Saúde pode influenciar a decisão dos deputados em dar continuidade ao projeto para votação em plenário.

 

“Nunca pensei que eu seria uma vítima”

 

Rosicler Rodrigues Gos conhecia o significado de ‘violência obstétrica’ e buscou um hospital humanizado em Ponta Grossa para o parto da primeira filha. Apesar disto, foi vítima de uma série de abusos. “Cheguei ao hospital às 23h, com contrações e dilatação de dois dedos. Para realizar um parto natural, a dilatação precisa estar no tamanho de 10 dedos. Após oito horas internada e três horas com oito dedos de dilatação, pedi para trocar o parto normal por uma cesária, mas o pedido foi negado pela equipe do hospital”.
Gos conta que o sangramento começou às 10h da manhã: “Fui orientada pelas enfermeiras a realizar exercícios em uma bola de pilates e tomar banhos para impulsionar a dilatação natural, mas não houveram resultados. Às 12h, decidi utilizar o soro para tentar aumentar a dilatação, também não houve resultados. Às 12h30min, a médica que estava de plantão aconselhou que a bolsa fosse estourada para aumentar a dilatação”. Na sequência, Gos relatou que, uma hora depois, decidiu aceitar que a bolsa fosse estourada não de forma natural. “Ela tentou estourar minha bolsa com os dedos, mas não conseguiu. Foi a pior dor que senti na vida. Depois disso, ela usou o instrumento correto”, relata.
Por volta das 14horas, Gos foi levada para a sala do parto. “Lembro que gritava muito de dor e pedia para o parto ser cesária”. Após cerca de 40 minutos na sala de parto, a equipe percebeu que o coração do bebê estava fraco e decidiram realizar a cesária. Sofia nasceu às 15h42 da tarde de 8 de maio de 2018. Na carteirinha de vacinação, o parto ainda estava marcado como “natural”. Nos dias que seguiram ao parto, Gos pensou em denunciar a violência que sofreu, mas acabou desistindo porque a filha estava saudável e não queria sofrer com o assunto.

 

Como denunciar violência obstétrica

 

A advogada Fernanda Kossatz destaca que muitas mulheres deixam de denunciar uma violência obstétrica por não saberem que foram vítimas de uma violência, o que pode se agravar com a abolição do termo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência obstétrica como o “uso intencional de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação”.
O primeiro passo para realizar uma denúncia é procurar qualquer delegacia ou o Ministério Público. É recomendável levar o prontuário médico e uma testemunha. A advogada ressalta a importância de que a gestante esteja com um acompanhante durante todo o processo de gestação e parto. “O acompanhante funciona como uma de testemunha do que acontece”, explica.
Na delegacia ou Ministério Público, o denunciante e a testemunha depõem sobre o caso. Após isto, é aberto um inquérito contra os envolvidos (órgãos e profissionais da saúde) que participaram do parto. Com o fim do processo, pode ocorrer uma Responsabilização Penal ou Civil.

 

Ficha Técnica

Produção: Daniela Valenga

Supervisão: Professores Angela Aguiar, Ben-Hur Demeneck, Fernanda Cavassana, Hebe Gonçalves e Renata Caleffi

Edição: Bruna Kosmenko

 

 

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