No Brasil, o número de mulheres que consomem grandes quantidades de álcool em um curto período de tempo - em uma só noite, por exemplo - vem crescendo. Também chamado de Beber Pesado Episódico (BPE), esse consumo equivale à ingestão de 60 gramas ou mais (cerca de cinco doses ou mais) de álcool puro em uma única ocasião. Segundo levantamento, 5,2% das mulheres relataram ter passado pela situação do BPE em 2010. Em 2016, o número cresceu para 6,9%. A quantidade é considerável, pois mundialmente o consumo relacionado ao BPE diminuiu de 22% em 2000 para 18,2% em 2016. Os dados foram divulgados pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA). Mesmo que o consumo mundial de álcool em ambos os sexos tenha diminuído de 37,3% em 2010 para 32,3% em 2016, o número de mulheres que afirmam consumir álcool aumentou. De maneira que o ano de 2016 se encerrou com 91 mil mulheres a mais que assumiram consumir bebidas alcoólicas, em todo o mundo. 

O chamado Beber Pesado Episódico (BPE) vem crescendo no Brasil | Foto: Agência Brasil

Em Ponta Grossa, não há registro oficial sistematizado do número de mulheres que consomem álcool e/ou que precisam de atendimento médico na rede pública de saúde pelo consumo excessivo. Segundo a Prefeitura, não é possível identificar, através do sistema, apenas as entradas de mulheres nas Unidades Básicas de Saúde, Hospitais ou Pronto Atendimentos pelo uso de álcool, pois a maior parte das entradas se dá pelo uso de múltiplas substâncias, ou seja, álcool e outras drogas. De acordo com a Prefeitura, a referência na cidade para o atendimento de pessoas que estão sob o efeito de álcool e/ou drogas é o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps Ad). Segundo o enfermeiro do Caps Ad, Márcio Lupepsiw, 400 pessoas foram atendidas na enfermaria em 2018 e, desse total, 24 eram mulheres. Em 2019, 53 pessoas passaram pela enfermaria apenas no mês de julho, entre elas, 15 mulheres. Os dados mostram um aumento do número de atendimentos femininos feitos no Caps Ad, pois, fazendo uma média de pacientes do ano passado, cerca de 33 pessoas foram atendidas mensalmente (considerando homens e mulheres), o que é proporcionalmente menor que os dados encontrados em 2019.

A ala da enfermaria acolhe pessoas que chegam até o Caps Ad em situação extrema de dependência. Os pacientes que apresentam tremores, suor e outros sintomas de abstinência são levados para a enfermaria onde recebem medicação e ficam sob cuidados médicos até apresentarem melhora durante o dia ou até o horário de fechamento do Caps, já que a instituição não possui atendimento 24 horas. Se o paciente não se recuperar durante o período em que está na enfermaria, é levado para o Pronto Socorro Municipal.

“Você toma, fica anestesiada e tudo fica bem por algumas horas”
Maria* relata como vício afetava suas relações familiares e a necessidade de buscar ajuda especializada


Em entrevista com uma integrante dos Alcoólicos Anônimos, Maria* nos conta que se tornou dependente por causa da ansiedade. Mesmo tomando remédios controlados para reduzir os efeitos da doença, Maria revela que ainda sentia falta de alguma coisa. Mas, na bebida encontrava um refúgio e a ansiedade diminuía. “É tão fácil pegar o atalho: abrir a geladeira, pegar [uma lata de cerveja] e você termina o problema ali. Você toma, fica anestesiada e tudo fica bem por algumas horas. E depois o problema fica ainda pior, porque você já entrou no vício”, expõe.

A compulsão aparece com frequência na fala de Maria. Começou ingerindo álcool apenas três dias na semana: sexta, sábado e domingo. Logo ela percebeu que a bebida no final do dia se tornava cada vez mais necessária e passou a beber durante os outros dias da semana. Quando acabavam as bebidas alcoólicas que tinha em casa, saía para buscar mais. Quando ficava embriagada, era o momento em que se sentia “satisfeita” e então parava de beber. Enquanto consumia o álcool, também tomava remédio para ansiedade. Em seu relato, Maria faz uma observação sobre as mulheres que frequentam festas e bares: diz que é muito comum as mais jovens tomarem quantidades excessivas de bebidas alcoólicas nesses ambientes. Ela faz referência à pesquisa do BPE sobre o aumento do consumo de álcool pelas mulheres em um curto período de tempo. O consumo constante e excessivo do álcool pode levar a pessoa a não se sentir satisfeita e acabar recorrendo a substâncias químicas mais fortes, como o crack, por exemplo.

Em Ponta Grossa, quatro das principais danceterias da cidade apresentam diferença de valor dos ingressos femininos e masculinos, de acordo com levantamento realizado pela reportagem. O valor da entrada para mulheres nesses eventos é mais baixo que o cobrado dos homens. Em alguns casos, ocorre ainda a autorização de entrada franca do público feminino até horário estipulado pela danceteria, geralmente, até a meia-noite. Em um dos estabelecimentos, onde a entrada das mulheres é livre em um determinado dia da semana, 60% do público do local é feminino, segundo a danceteria.

Maria ressalta a importância de participar dos Alcoólicos Anônimos (AA): “É um lugar onde a gente recarrega nossa bateria e repõe nossas energias através dos depoimentos. Porque a gente vai se identificando com o que cada um vai falando, vai adquirindo experiência e tentando colocar em prática na vida da gente pra superar esse problema, foi isso que me fez ficar”.
O que motivou Maria a procurar ajuda no AA foram os problemas familiares causados pelo vício. Um dos medos dela era que seu filho seguisse o mesmo caminho. Maria observa que, mesmo o AA sendo um ambiente predominantemente masculino, ela se sente acolhida e respeitada no local.

*O nome fictício foi utilizado para proteger a identidade da fonte.

Muitas mulheres demoram para reconhecer o problema, alerta psicólogo

Elias Gonçalves da Silva Neto, psicólogo que trabalha no atendimento do Caps Álcool e Drogas, comenta que existem vários fatores que levam as mulheres a criarem uma dependência no álcool. Mesmo que cada pessoa tenha um fator que a impulsiona a cair no vício da bebida, a maioria das mulheres sofrem de motivos relacionados ao divórcio, perda de familiares, saída dos filhos de casa. O vício pode ter várias causas e, algumas vezes, existe até a influência de parceiros.

Neto aponta que as mulheres demoram a procurar ajuda/acolhimento e que não buscam auxílio quando acontecem episódios recorrentes. Somente buscam apoio quando estão em um momento de desespero, de angústia. Ele observa que essas mulheres procuram o Caps em um momento específico, vão ao acolhimento, desabafam e não retornam ao tratamento. “Isso acontece, às vezes, por uma questão de vergonha por estar em uma ambiente com pessoas dependentes, então elas não se sentem bem. Mas muitas mulheres aderem muito bem ao tratamento”, explica o psicólogo.

O psicólogo relata que a maioria das mulheres que estão no acolhimento do Caps possuem mais de trinta anos. As pessoas mais jovens, geralmente, procuram ajuda devido ao uso de drogas, como o crack, expõe. “Outras, por conta do abuso excessivo de substâncias, tanto do álcool quanto outras drogas, tiveram a guarda de suas crianças perdida e buscam tratamento para tentar recorrer da guarda”. Ele coloca que os fatores emocionais são os que mais acometem essas mulheres e que as levam a procurar refúgio no vício de forma constante. “Algumas já consumiam uma determinada quantidade de álcool, mas daí aconteceu alguma coisa e elas acabaram aumentando essa quantidade, de forma excessiva”.

Neto lamenta que as mulheres só procurem ajuda quando estão muito prejudicadas, quando já se afastaram de seus amigos, familiares ou já perderam a guarda dos filhos. Ele comenta que, se existisse um trabalho de prevenção, isso ajudaria no retardamento dos problemas que vem com a compulsão. É necessário um reconhecimento por parte delas que o uso do álcool já está excedendo, já está trazendo alguns prejuízos, para que venham fazer o tratamento. “Talvez não tenha esse conhecimento da população sobre esse assunto, tenha vergonha de se falar sobre isso ou assumir que tem um problema. Reconhecer que tem um problema, assumir e pedir ajuda seria o ideal, mas isso só acontece depois que muita coisa já se perdeu”, acrescenta Neto.

O Caps Ad está localizado ao lado do terminal de Uvaranas, na Rua Vicente Espósito. Abre de segunda a sexta-feira, das 8h da manhã até 6h da tarde.

FICHA TÉCNICA:

Reportagem: Gabriella de Barros e Nadine Sansana
Edição: Luiza Sampaio
Foto: Agência Brasil
Supervisão: Professoras Angela Aguiar, Fernanda Cavassana e Helena Máximo

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