Em Ponta Grossa existem cinco comunidades terapêuticas (CTs) registradas pela Vigilância Sanitária e apenas um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps ad), que é um serviço público voltado para o tratamento dos usuários de drogas e sua reinserção social. As CTs são instituições privadas, normalmente ligadas a igrejas, que realizam o tratamento de dependentes químicos com base na abstinência, no trabalho e em princípios religiosos. O Paraná tem quase cinco vezes mais comunidades terapêuticas (156) do que Caps ad (33).
É possível observar que o modelo das comunidades terapêuticas é preferido pelo governo federal, que nos últimos anos vem aumentando a quantidade de verba destinada às CTs. Somente este ano, o Ministro da Cidadania, Osmar Terra, e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, assinaram um contrato de R$153,7 milhões com 216 comunidades terapêuticas de todo o país.
O Caps ad não realiza internações, portanto, faz o encaminhamento dos pacientes tanto para leitos de hospitais gerais, quanto para as comunidades terapêuticas. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Brasil tem 21,7 mil leitos psiquiátricos, porém, as vagas não são exclusivas para o tratamento de dependentes químicos, podendo ser destinadas para pessoas que sofrem de transtornos mentais. Em contrapartida, existem cerca de 83.600 vagas em comunidades terapêuticas para tratamento exclusivo de usuários de drogas, conforme os dados da pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A pesquisa, realizada em 2016 e publicada em 2017, revela o perfil das comunidades terapêuticas em todo o território nacional. E, por meio dos números divulgados pelo levantamento, é possível notar a influência das comunidades na política. De acordo com o relatório, 44% das comunidades diz integrar os Conselhos de Políticas de Drogas em seus municípios.
Segundo o Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Drogas de Ponta Grossa (COMAD-PG), o conselho conta com a participação de dois representantes dessas comunidades. As CTs que, além de atuar no COMAD, possuem suporte e incentivo por parte do conselho são: a Associação Esquadrão da Vida, a Comunidade Terapêutica Melhor Viver, a Casa de Apoio e Reinserção Social Esperança, a Pia União das Irmãs da Copiosa Redenção – Rosa Mística e a Comunidade Terapêutica Padre Wilton.
TRABALHO CONJUNTO
Segundo o coordenador da comunidade terapêutica Melhor Viver, Jonathan Fernandes, após o ingresso dos adolescentes na CT, eles são encaminhados para atendimento médico no Caps. “O médico receita a medicação na medida de cada um, pois tem meninos que entram usando todo tipo de substância, como crack e cocaína, assim como quem só fuma maconha”, explica. De acordo com ele, os adolescentes possuem uma rotina a cumprir dentro da comunidade. Pela manhã, as atividades são de acordo com o cronograma da CT e a tarde participam do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (SAREH) que atende os jovens impossibilitados de frequentar a escola em virtude de tratamento de saúde.
67% DAS CTS POSSUI RELAÇÃO COM ALGUMA RELIGIÃO, SOBRETUDO A DOUTRINA CRISTÃ
De acordo com a pesquisa do Ipea, 41% das comunidades terapêuticas são entidades mantidas por igrejas evangélicas e 26% por instituições católicas. 19% não possui orientação religiosa específica e sobre o restante não há dados. Segundo o relatório produzido pelo Ipea, foram constatadas diversas violações de direitos nesses locais, entre eles, o da liberdade religiosa. Também foram notados castigos e privação de liberdade.
Para o psicólogo Alberto Chemin, que realiza atendimento na comunidade terapêutica Padre Wilton há quase dois anos, a religião não deve ser imposta durante o tratamento nas Cts. Ele acredita que o credo de cada pessoa deve ser respeitado durante o processo. “Tendo a religiosidade como um dos valores perdidos no tempo de drogadição, muitos conseguem retornar às práticas e encontrar nas comunidades religiosas um fator de proteção expressivo na manutenção da abstinência”, analisa.
Entretanto, ainda de acordo com a pesquisa, a leitura da Bíblia e a participação em orações e cultos aparecem como umas das práticas diárias mais comuns dentro das comunidades, ficando atrás apenas de atividades de limpeza, palestras, prática de esportes e trabalhos na cozinha.
Para o professor de Direito Penal no Centro Universitário Santa Amélia (UniSecal), Aknaton Toczek Souza, a não obrigatoriedade do tratamento psicológico e psiquiátrico nas CTs é um prejuízo. O professor relaciona esse fator com a baixa taxa de sucesso dentro das comunidades, cerca de 30%, segundo o ministro da Justiça durante o governo Temer, Torquato Jardim. Souza observa a existência de um lobby político a favor das comunidades terapêuticas em cenário nacional e discute os dados sobre violações de direitos dentro das CTs. “As pesquisas sugerem que a maioria dessas comunidades realizam violações graves de direitos humanos e isso é algo que só é possível ser admitido em um Estado que não seja democrático”, analisa.
GOVERNO FEDERAL PRIORIZA POLÍTICA PROIBICIONISTA EM DETRIMENTO DE REDUÇÃO DE DANOS
A atualização da política nacional de drogas, em junho deste ano, facilita a internação involuntária de usuários de drogas e permite reclusão por até três meses
A partir do governo Temer, em 2016, veio se adotando uma política de internação e de abstinência ao invés da redução de danos, que não tem a abstinência como finalidade principal. A alteração da política nacional de drogas pelo Ministro da Cidadania, Osmar Terra, propicia o financiamento e o apoio do governo às comunidades terapêuticas. Com isso, as CTs foram incluídas no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad).
O Caps ad possui uma política de redução de danos, entretanto, quando julga necessário, o centro realiza o encaminhamento de pacientes tanto para leitos de hospitais gerais, quanto para as comunidades terapêuticas. Chemin entende que a redução de danos e abstinência devem levar em consideração as peculiaridades de cada caso e deve ser analisado que tipo de tratamento trará mais resultados positivos. “A dependência química é muito complexa e vemos que as pessoas com esse transtorno têm várias particularidades e diferenças umas das outras. Por isso não podemos dizer que um determinado método é superior a outro apenas pelo método em si”, explica.
Entre outras mudanças, a nova política permite a internação sem consentimento do usuário por até três meses. O pedido pode ser feito por um familiar, um servidor da área da saúde ou da assistência social. Depois disso, a família não pode pedir a interrupção do tratamento se desejar. No entanto, a internação involuntária não pode ser realizada nas comunidades terapêuticas, apenas em instituições de saúde. O ingresso e a permanência nas CTs devem ser voluntários e formalizados por escrito.
Souza analisa que a internação involuntária vai contra a legislação e contra pesquisas realizadas sobre o tratamento de dependentes químicos. “Qualquer tipo de terapia só funciona quando ela é voluntária. [A internação involuntária] não é o caminho correto, é algo que eu diria até indecoroso, algo absurdamente inaceitável”, expõe. Ele também entende essa prática como uma violação da liberdade dos dependentes. “Submeter uma pessoa que não quer fazer terapia é tortura. É uma prisão, uma violência totalmente desmedida”, critica.
Ficha Técnica
Reportagem: Arieta de Almeida, Gabriella de Barros e Hellen Scheidt
Edição: João Pedro Teixeira
Supervisão: Professoras Angela Aguiar, Fernanda Cavassana, Kevin Kossar