Ocorrências passaram de 39 em 2019 a 86 em 2020
Segundo Corpo de Bombeiros do Paraná (CBPR), o número de ocorrências de suicídio/tentativa, em 2020, tem um aumento de 120%, em Ponta Grossa, quando comparado com 2019. No decorrer do ano pandêmico, foram atendidas 86 ocorrências de comportamento suicida. Já ao longo de 2019, a quantidade de emergências do tipo está situada em 39 chamados.
A gradação no número de ocorrências dessa natureza perdura nos últimos quatro anos. De 2017 a 2018, o aumento está situado em 525%. Ao longo dos 12 meses de 2018, ocorreram 25 atendimentos referentes a situações de vítimas com comportamento suicida. Durante todo ano de 2017 foram assistidas 4 emergências do tipo. De 2017 a 2020, a média mensal de ocorrências em cada ano apresenta um aumento considerável.
Até então, 2021 também apresenta uma tendência de alta no que diz respeito às ocorrências com vítimas de comportamento suicida. De janeiro a fevereiro, estão registradas 18 emergências do tipo. Durante o mesmo período de tempo, nos quatro anos anteriores, a média de assistências realizadas para atendimentos dessa natureza está situada em cerca de 5 chamados.
O comportamento suicida diz respeito tanto ao suicídio consumado, quanto a tentativa de tirar a própria vida. A psicóloga, Camila Silveira Camargo, explica que antes de ter em vista a morte, a vítima passa por um processo de autodepreciação. “A pessoa torna-se desinteressada e perde objetivos, fisicamente pode abandonar cuidados pessoais e colocar-se em situações de perigo”, ressalta.
Conforme dados do Ministério da Saúde (MS), de janeiro a dezembro de 2019, foram registradas 952 mortes por lesões autoprovocadas voluntariamente no Paraná. Dentre esse conjunto, 750 das vítimas são homens, 201 são mulheres e uma não tem o sexo especificado. Em Ponta Grossa, estão registrados 15 óbitos nessa categoria, 13 são masculinos e 2 são femininos.
Ainda segundo dados do MS, em 2019, no estado do Paraná, enforcamento, estrangulamento e sufocamento representam a maior causa de mortes por lesões autoprovocadas intencionalmente, são 655 óbitos. Em segundo e terceiro lugar situam-se morte por disparo de arma de fogo e precipitação de lugar elevado, nessa ordem, com 74 e 28 óbitos registrados.
Na sequência, o indivíduo desenvolve uma ideação suicida, um estado mental em que os pensamentos estão voltados para a intenção de morrer. A também psicóloga, Katya Litcy Schmidke, ressalta que nessa condição a vítima “começa a projetar e fantasiar sobre a morte como possibilidade de escape para o sofrimento psíquico”. Dessa maneira, o comportamento suicida adquire uma metodologia.
Nessa lógica, a ideação suicida consiste em pensar e planejar métodos para consumar o suicídio. “O paciente busca informações sobre como pôr fim ao sofrimento, nesse processo o indivíduo pode vir a treinar e testar essas formas, por exemplo, aprender a dar nós, no caso de enforcamento”, esclarece Camargo. Além disso, também costumam ser elaborados documentos ou mensagens para as pessoas próximas.
Sobre o método, Schmidke reforça que os meios escolhidos para o suicídio não devem ser utilizados para determinar a seriedade da intenção. “Existem influências culturais e de gênero para a escolha e, embora a possibilidade de salvamento seja maior em uns em relação a outros, não há uma segurança real de resgate para quem escolhe”, afirma. Dessa maneira, a intenção por si já demonstra um problema significativo.
Segundo dados do Ministério da Saúde (MS), em 2019, no estado do Paraná, enforcamento, estrangulamento e sufocamento representam a maior causa de mortes por lesões autoprovocadas intencionalmente, são 655 óbitos. Em segundo e terceiro lugar situam-se morte por disparo de arma de fogo e precipitação de lugar elevado, nessa ordem, com 74 e 28 óbitos registrados.
Em relação ao perfil das vítimas, Camargo ressalta que o suicídio é um fenômeno universal, ou seja, não está restrito a uma idade, sexo, credo ou classe social. Segundo a psicóloga, “por tratar-se de um comportamento complexo e multifatorial, não há como catalogar e direcionar para um grupo”. No entanto, por questões culturais, homens consumam mais suicídios, enquanto que mulheres têm um índice maior de tentativas.
Outra questão a ser levada em conta para a dificuldade de determinar um perfil para essas vítimas está ligada à dificuldade para coletar dados nas Unidades Básicas de Saúde. “Muitas vezes o repasse de informações não acontece ou caracteriza a ocorrência como um acidente, esses números são importantes para contribuir na melhora da assistência prestada na prevenção”, salienta Camargo.
Abordagem utilizada no atendimento do Corpo de Bombeiros visa negociar com a vítima
Nas assistências realizadas pelo Corpo de Bombeiros (CB), a equipe encaminhada visa negociar com a pessoa que tenta tirar a própria vida. O bombeiro militar, Antonio Mauro Pereira dos Santos, relata que “no contato do solicitante, via telefone de emergência, são retiradas informações sobre a condição da vítima e tipo de tentativa, com base nisso, já com um plano de ação, os profissionais deslocam-se até a ocorrência”.
No caminho para o local, os integrantes da equipe indicam entre si um bombeiro específico para dialogar com a vítima. “Esse profissional é designado para criar um vínculo com a pessoa em perigo e estabelecer a conversação, ao chegar na ocorrência são ouvidos os porquês da vítima e a negociação segue até que seja conseguido dissuadir o indivíduo suicida”, explica Santos.
Para atuarem em ocorrências dessa natureza, os integrantes das equipes de salvamento recebem uma formação específica. Segundo Santos, “o curso de negociador em situação envolvendo tentativa de suicídio é uma instrução interna especial para capacitar os bombeiros militares no trabalho com esse tipo de vítima”. O socorro especializado pode representar um fator decisivo para o sucesso dessas intervenções.
“As ocorrências com suicidas, em geral, acontecem em viadutos, torres de energia, edifícios altos, ambientes saturados com gás de cozinha ou ainda envolvem armas de fogo e facas, assim um profissional capacitado e experiente nessas condições faz toda a diferença”, ressalta Santos. Diante disso, o CB orienta que os cidadãos não tentem intervir nessas situações, dado que colocam em risco tanto a si mesmos quanto as vítimas.
Nas ocorrências dessa natureza, o tempo de atendimento é variável. Santos destaca que o bombeiro militar precisa estar preparado física e psicologicamente para socorrer vítimas suicidas. “Atendi um homem que ameaçava pular de uma plataforma com cerca de 30 metros de altura em um canteiro de obras, a negociação levou 5 horas e meia, foi trabalhoso, mas no final consegui fazer o indivíduo mudar de ideia”, relata.
Vulnerabilidades pessoais representam fatores comuns entre as vítimas suicidas
Embora não seja possível determinar um arquétipo de pessoa para as vítimas desse comportamento, existem fatores comuns. “O histórico de saúde da família, situações de perdas, longa exposição a fatores estressantes e quadros de transtorno mental são contextos recorrentes”, destaca Schmidke. Nesse sentido, vulnerabilidades pessoais representam gatilhos para ideação e práticas suicidas.
Dentre esse conjunto, destaca-se os transtornos de humor, em especial, depressão. Essa doença é influenciada tanto pelo ambiente quanto pela genética do indivíduo. A psicóloga Camargo explica que “por questões hereditárias, algumas pessoas têm predisposição ao distúrbio, mas estresse físico e psicológico, outras doenças e uso de entorpecentes podem contribuir para o surgimento de quadros depressivos”.
Dessa maneira, o abuso de álcool e outras substâncias pode não somente evidenciar, mas também intensificar um problema. “O consumo revela uma forma disfuncional do sujeito lidar com aflições ou ainda representa uma fuga da realidade, em todo caso é um agravo aos riscos de um ato suicida”, conta Schmidke. Além disso, o estado de entorpecimento e embriaguez são facilitadores para tentativas de suicídio.
A utilização de medicamentos antidepressivos, se prescrita e acompanhada por profissionais especializados, não estimula o comportamento suicida. “O tratamento medicamentoso, indicado por médico, deve ocorrer junto com psicoterapia, nesses casos a questão a ser levada em conta é o ajuste e aceitação da medicação por parte do paciente e familiares”, ressalta Camargo.
Um fator comum que não está, necessariamente, vinculado ao comportamento suicida é a automutilação, agressões direcionadas ao próprio indivíduo expressas em cortes, arranhões, beliscões, queimaduras e outros machucados, em geral, superficiais. Conforme Camargo, são ações “sem intenção consciente de suicídio, porém podem evidenciar uma futura tentativa, assim representam pedidos de socorro e sinais de alerta”.
Durante uma situação de risco iminente de suicídio, a atitude das pessoas próximas a vítima deve focar na proteção. “Colocar a pessoa em um lugar seguro, retirar meios que possam ser usados para autoagressão e acompanhar o estado mental do sujeito são os primeiros passos, já em casos graves, os serviços de urgência devem ser acionados de imediato”, destaca Schmidke.
Contexto da pandemia de Covid-19 pode trazer gatilhos para comportamentos suicidas
Na época atual, a Covid-19 também representa um fator comum para ocorrências de comportamento suicida. Segundo Schmidke, o contexto pandêmico “pode trazer à tona uma série de implicações psicológicas que perturbam a saúde mental das pessoas”. Dentre essas, a psicóloga pontua “frustrações, sentimento de perda de controle, medos, angústias, conflitos familiares e ansiedade”.
Dessa maneira, a dificuldade na administração de diferentes emoções, resultante das exigências e incertezas provenientes realidade imposta pela pandemia, gera cenários de vulnerabilidades. “Observamos pessoas fragilizadas diante da reflexão sobre vida e morte imposta pela Covid-19, esses indivíduos questionam o sentido da existência e sofrem com o peso da responsabilidade das escolhas”, explica Schmidke.
Além disso, as medidas sanitárias de isolamento social também têm impactos na saúde mental. “O contexto restritivo da pandemia tem acarretado dificuldades na despedida de entes queridos, o que pode levar a lutos patológicos com efeitos depressivos, os quais deixam o indivíduo mais propenso a ideação suicida”, evidencia Schmidke.
Somado às exigências e incertezas oriundas da Covid-19, questões ligadas às atividades profissionais podem trazer consequências ao estado mental dos trabalhadores. “A pressão e exaustão provocada pelo acúmulo de demandas no emprego pode originar casos da síndrome do esgotamento profissional, os profissionais de saúde estão especialmente suscetíveis a isso durante o período pandêmico”, diz Camargo.
Conversar sobre suicídio está entre as formas mais eficientes de prevenção e tratamento
Sobre o encaminhamento médico, a psicóloga Camargo explica que a intervenção varia conforme o estado da vítima. "Analisa-se a situação, casos sem ideação suicida recorrente são monitorados e direcionados para tratamentos com psicoterapia e medicamentos, já nos casos com ideação suicida persistente avalia-se a necessidade de incluir a internação aos demais recursos terapêuticos”, diz.
Em ocorrências de suicídio consumado, indica-se acompanhamento psicológico para as pessoas próximas ao indivíduo que faleceu. A psicóloga Schmidke ressalta que os sobreviventes do suicídio, isto é, familiares e amigos da vítima “precisam lidar com sentimento de tristeza, raiva e culpa, assim receber assistência torna-se importante para administrar a carga emocional advinda da perda e prevenir riscos de outro ato suicida”.
Sobre a prevenção, destaca-se que qualquer atitude ou verbalização alusiva ao suicídio deve ser considerada. “Desde condutas autodestrutivas até a tentativa em si são pedidos de socorro, deve existir sensibilidade ao abordar essa questão e, acima de tudo, ter abertura para diálogo”, frisa Camargo. Diante disso, sinais que indiquem pensamentos e intenções suicidas devem ser observados e ouvidos com atenção.
Ainda sobre isso, Camargo evidencia que por parte da sociedade persiste uma hesitação em responder aos indícios de um comportamento suicida iminente. “Ainda circula o mito de que falar sobre o suicídio influencia novos atos, isso não condiz com a realidade, muito pelo contrário, quanto mais acontecem diálogos sobre o assunto, melhor é a prevenção”, esclarece.
Schmidke reforça que o conhecimento representa o primeiro passo em direção a prevenção do suicídio, tanto para a vítima quanto para a rede de apoio do indivíduo. "Desmistificar os estigmas e tabus que existem sobre o tema torna-se vital, pensamentos suicidas não são formas de ‘chamar a atenção’ ou remetem ‘a falta de Deus’, esses mitos trazem prejuízos e dificultam a efetiva compreensão do assunto”, enfatiza.
Conforme explica Schmidke, “falar é a melhor prevenção, em especial, porque quando os problemas são ditos existe uma oportunidade para a reorganização de ideias”. No entanto, destaca a importância do desenvolvimento de “uma conversa e, sobretudo, escuta qualificada com o objetivo principal de promover acolhimento ao indivíduo em crise”. Diante disso, devem ser evitadas cobranças e julgamentos no processo.
Somado aos recursos psicofarmacológicos e psicoterapêuticos, a inclusão das pessoas próximas à vítima representa um aspecto importante na abordagem de pessoas com comportamentos suicidas. “Faz-se necessário formar uma rede de apoio, isso inclui familiares e amigos, para que juntos seja possível formar estratégias de prevenção e tratamento”, afirma Camargo.
Durante situações de crise, indivíduos com comportamento suicida podem entrar em contato, via telefone, e-mail ou chat, com o Centro de Valorização da Vida (CVV). O atendimento através do número 188 está disponível em qualquer horário, sob anonimato. De acordo com o serviço, em 2020 foram registradas 3.132.958 ligações atendidas, 5% a mais que no ano anterior, em 2019 são 2.985.180 chamadas contabilizadas. Ponta Grossa conta com três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). As unidades atendem o público de segunda a sexta-feira.
Ficha técnica
Reportagem: Robson Soares
Publicação: Alex Marques
Supervisão: Vinicius Biazotti