Foto ivermectina bula e indicação Por Maria Fernanda de Lima 1

Foto: Maria Fernanda de Lima 

Profissionais farmacêuticos possuem dever fundamental na hora de orientar consumidores sobre a compra desses medicamentos

Conforme pesquisas realizadas em 2020, a venda de remédios que compõem o chamado Kit Covid, que é tido como uma proposta de tratamento precoce para a Covid-19, mais que dobraram nas farmácias brasileiras, isso levanta uma série de questões, sobre como os farmacêuticos devem agir diante dessa procura e como lidar com a propagação de notícias falsas sobre o tratamento.


Os dados, que têm sido apresentados na imprensa brasileira desde meados de 2020, são provenientes de levantamento realizado pela IQVIA (empresa de consultoria americana especializada em mercado farmacêutico) e revelam que a venda desses medicamentos que foram associados à um possível “tratamento precoce” contra a Covid-19 aumentaram consideravelmente após a pandemia.
A Ivermectina, por exemplo, que em sua bula é indicada para o tratamento de vermes e parasitas, teve um aumento de 557% nas vendas em farmácias privadas no país no ano passado, comparado ao mesmo período em 2019. Enquanto a hidroxicloroquina, utilizada no tratamento de lúpus e afecções reumáticas, apresentou aumento de 113%. Foram vendidas 53 milhões de unidades de Ivermectina em 2020 e 2 milhões de hidroxicloroquina. Tudo isso, desconsiderando ainda a distribuição desses medicamentos que ocorreu em postos de saúde por todo o Brasil.
Esses medicamentos e principalmente a sua combinação utilizada no chamado “Kit Covid”, que é composto pela Ivermectina, Hidroxicloroquina e Azitromicina, não têm nenhuma eficácia comprovada e são contraindicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelas agências reguladoras, como a Anvisa, como opção ao tratamento da Covid-19.
A possibilidade desses medicamentos possuírem eficácia no combate ao Coronavírus surgiu logo no início da pandemia, quando pesquisadores e cientistas do mundo todo, diante da necessidade de descobrir um tratamento e diante da demora e série de etapas na qual consiste o processo de elaboração e aprovação de um novo medicamento, decidiram analisar se já havia algo no mercado farmacêutico que pudesse atuar contra a covid.
No início foi publicado um estudo na China que explorava o uso desses medicamentos Off- Label ( Quando analisa o efeito de um remédio para doenças além daquelas descritas em sua bula). Em seguida foi publicado outro estudo, que ficou mais famoso, divulgado na França pelo médico Didier Raoult em março de 2020. Esse experimento, que utilizou 36 voluntários, afirmava que a cloroquina tinha o potencial de diminuir a carga viral do Coronavírus no organismo, principalmente se combinada com a azitromicina (terceiro remédio que atualmente compõe o Kit Covid, juntamente com a ivermectina e cloroquina)
No entanto, outros pesquisadores encontraram diversos erros metodológicos no trabalho de Raoult que descartavam os resultados de sua pesquisa. Em setembro de 2020, o médico foi denunciado pela Sociedade de Patologia Infecciosa de Língua Francesa (SPILF) por "promoção indevida de medicamento" e em janeiro deste ano Raoult chegou a admitir em uma carta aberta ao público que excluiu alguns voluntários do resultado final da pesquisa.
Apesar disso, a promoção dos medicamentos já tinha sido irreversivelmente feita e espalhada inclusive pelos governantes Jair Bolsonaro e Donald Trump (então presidente dos Estados Unidos) através de posts em redes sociais, o que ajudou a popularizar o Kit Covid encontrado atualmente.
A principal preocupação das autoridades de saúde em relação à crescente na procura, venda e distribuição desses remédios, além do fato de captarem recursos que deveriam estar sendo utilizados no desenvolvimento de vacinas, é pelo fato de que em altas concentrações e em pacientes com quadros clínicos específicos, a hidroxicloroquina e a ivermectina podem ter efeitos colaterais graves, como a sobrecarga hepática do fígado.
Além disso, em pacientes que já fazem uso de medicamentos controlados, pode haver interação entre esses medicamentos, que podem diminuir ou aumentar seu efeito no organismo de maneira desproporcional por terem sido associados com outros.
Todo esse contexto chamou atenção para os profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia. No entanto, pouco se fala dos farmacêuticos, embora eles participem efetivamente da elaboração e aprovação de novos medicamentos, e na distribuição e venda dos já existentes, conforme afirma a presidente do Conselho Regional de Farmácia do Paraná (CRF-PR), a farmacêutica, Mirian Ramos Fiorentin. Em pesquisa realizada, o Conselho também constatou o aumento na procura pelos remédios do Kit Covid nas farmácias do Paraná desde 2020 até agora.
Conforme Fiorentin, profissionais farmacêuticos sempre exerceram um papel de apoio ao sistema único de saúde, que ganha ainda mais destaque nesse contexto de pandemia. Isto porque, em muitos contextos, principalmente em regiões mais carentes ou em cidades menores, o acesso à consulta médica é difícil e se torna ainda mais restrito por conta da grande demanda de urgência que os médicos estão recebendo de pacientes com Covid. É assim que as farmácias se tornam em muitos casos o único suporte de saúde para o cidadão, pois é onde ele vai tirar suas dúvidas, perguntar sobre a eficácia de um medicamento, etc.
É por isso que, embora por lei o farmacêutico tenha autonomia para indicar os remédios do Kit Covid para tratar a doença, mesmo a bula deles sendo destinada à outras finalidades (são antiparasitários), a orientação do CRF-PR é que esses profissionais busquem se orientar através de publicações confiáveis, de entidades científicas regulares e de sites oficiais como o próprio CRF, que emitiu uma nota em julho de 2020 sobre o uso específico da ivermectina no tratamento da Covid, para não passarem informações equivocadas aos clientes e para advertir quando um medicamento não tem eficácia ou oferece riscos. Mirian Fiorentin lembra: “Não existe tratamento para Covid, que dirá um tratamento precoce”.
Essa indicação ou contraindicação que o farmacêutico faz é apenas de forma oral, uma vez que os remédios estão amparados em prescrição. Somente um médico pode receitar um remédio. Cabe ao farmacêutico apenas avaliar a receita e disponibilizar o medicamento. Mas a presidente do CRF destaca um ponto importante a esse respeito: “Se o farmacêutico constatar alguma irregularidade na receita, como doses acima do recomendado ou uma indicação indevida, ele pode e deve entrar em contato com o médico que prescreveu antes de entregar o remédio ao paciente”. Afinal, o profissional tem essa função de fazer a avaliação técnica e legal da receita e a prescrição e conferir se ela está regular. Os médicos, podem não só indicar, como prescrever esses remédios para o tratamento da Covid-19. Eles não são proibidos de fazer isso. Mas também não é ideal, uma vez que não há nenhuma prova de que esses medicamentos funcionem em quadros de Covid.
Em se tratando de medicamentos que não necessitam de receitas, como é o caso da ivermectina atualmente, é dever do farmacêutico orientar. Como confirma Mirian; “Um medicamento isento de prescrição não é isento de riscos. Ele também tem suas contraindicações e por isso é fundamental a orientação de um farmacêutico”.
Existem também punições para os profissionais que vendem medicamentos sem receita. O CRF fiscaliza a atuação do farmacêutico, se ele está na farmácia o tempo todo orientando os clientes. Já a vigilância sanitária avalia as condições de higiene e armazenamento dos medicamentos, enquanto o Procon analisa as vendas, se houve um aumento de preço exorbitante, fora da tabela de preços estabelecida pela Anvisa para aquele produto. Ou, no caso dos medicamentos controlados, se foram vendidos sem receita. Ações conjuntas muitas vezes são realizadas entre esses três órgãos para autuar a farmácia. Em casos mais graves, quando, por exemplo, um remédio é vendido sem receita e o consumidor tem alguma reação adversa ou vem a óbito por que o consumiu, a multa ou punição também é mais severa, podendo resultar no fechamento do estabelecimento.
Segundo a farmacêutica Ingrid Miano, que confirmou um aumento visível na procura por ivermectina e cloroquina na rede de farmácias familiar que ela administra no interior de São Paulo, o procedimento padrão adotado por ela no dia a dia é de entrega desses medicamentos quando prescritos pelo médico; “Mas nós de maneira alguma podemos dispensá-lo só por que a pessoa ouviu o amigo ou vizinho dizendo que é bom. Apesar disso, a procura por esses medicamentos é intensa”.
Ingrid também destaca uma questão fundamental na forma como as pessoas adquirem esses medicamentos, que é através de venda pela internet. É possível comprar a ivermectina, por exemplo, através de sites, mas de forma alguma é o ideal uma vez que a pessoa não terá ali naquela compra um farmacêutico para orientá-la sobre o uso.
Conforme fala o presidente do CRF-PR: “A farmácia não é apenas um estabelecimento comercial, é um lugar de prestação de serviços da saúde”, por isso é dever dos profissionais farmacêuticos que atuam nela buscarem estudar e se atualizar através de fontes oficiais, para serem uma boa fonte de informação à população que os busca para tirar suas dúvidas.

Ficha Técnica: 

Repórter: Maria Fernanda de Lima

Publicação; Larissa Hofbauer

Supervisão: Textos III, Vinicius Biazotti

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