Jovens obesos com Covid têm maior risco de morte e necessidade de ventilação mecânica

 

Obesidade também eleva taxas de hospitalização | Foto: Brendan McDermid/Agência Brasil

Embora a obesidade já tenha sido considerada uma epidemia mundial pela Organização Mundial de Saúde e esteja associada a uma série de outras condições, como diabetes tipo 2, pressão alta e colesterol alto, ela se tornou ainda mais preocupante diante da pandemia de Covid-19. A doença é o segundo principal fator mais associado ao desenvolvimento de Covid grave, atrás somente do fator idade. É a principal comorbidade associada ao óbito de pacientes jovens por Covid, segundo Ministério da Saúde.

 A situação se torna preocupante quando consideramos o percentual de pessoas com sobrepeso e obesidade no Brasil. Conforme Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada em 2019, em 17 anos o percentual da população com mais de 20 anos com obesidade mais que dobrou no país.

 A obesidade é definida pela OMS a partir do índice de Massa Corporal (IMC), cálculo que divide o peso do paciente por sua altura elevada ao quadrado. Apesar de esse cálculo levar em conta alguns outros fatores como idade e gênero, os parâmetros utilizados são de que pessoas com IMC entre 25 e 29 possuem sobrepeso; entre 30 e 35, obesidade nível 1; entre 35 e 40, obesidade nível 2 e acima de 40, obesidade 3 (mórbida).

 Também conforme a OMS, os principais fatores que colaboram para o agravamento da obesidade são a inatividade física e alimentação inadequada, com excesso de gorduras, açúcar e alimentos ultraprocessados. E esses maus hábitos, segundo a Pesquisa de Comportamentos ConVid realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais em parceria com a Unicamp, pioraram durante a pandemia. O que eleva ainda mais as taxas de obesidade e as potenciais complicações por Covid.

 De acordo com o estudo apresentado na Conferência Anual da Associação Norte-Americana do Coração de 2020, de autoria do pesquisador norte americano Nicholas Hendren, cardiologista da Universidade do Texas em Southwestern, pessoas obesas são mais propensas a serem hospitalizadas por Covid-19 do que aqueles com peso normal. O estudo também aponta que, quando internados, pacientes com Covid que já possuem a obesidade como pré-condição têm maior risco de morte ou de necessidade de ventilação mecânica para ajudá-los a respirar, inclusive os jovens.  

Peso interfere no sistema imunológico

 A obesidade se torna um fator de risco para covid, não por que as pessoas obesas têm mais chance de pegar a doença. Elas têm a mesma chance que pessoas com peso normal, mas uma vez que desenvolvem a doença seu sistema imunológico não consegue se defender tão bem do vírus. É o que explica a psicóloga e cofundadora da ONG Obesidade Brasil, Andrea Levy, que também já fez tratamento para obesidade e atualmente trabalha com pacientes clínicos da doença em São Paulo: “A obesidade coloca a pessoa em um quadro de sobrecarga inflamatória constante. Desde a hora que ela acorda até a hora em que ela dorme”. Esse estado pró-inflamatório fragiliza o sistema imunológico e diminui a resposta imune do organismo.

 Além disso, outro fator preocupante para pessoas obesas com Covid é a capacidade respiratória. O excesso de peso gera sobrecarga sobre o pulmão e dificulta a respiração, principalmente em casos que a pessoa precisa fazer mais força para respirar, como ocorre em uma síndrome respiratória.

 Essa característica da obesidade de propiciar complicações por Covid gera uma discussão ampla. Especialmente porque, diferente do fator idade, ela é uma condição tratável. Ou seja, uma condição que supostamente a pessoa pode evitar ou reverter para diminuir seu risco de ter Covid grave.

 Mas, a jornalista paraibana, que tem um perfil de entrevistas sobre obesidade e faz assessoria para médicos bariátricos, Herta Riama, lembra que não é tão fácil assim. “A obesidade é uma doença crônica, multifatorial e que não pode ser tratada de forma simples. É uma doença complexa que exige tratamentos complexos”, afirma ela. Até porque “não é só a obesidade em si, há as comorbidades agregadas. Como o diabetes tipo 2, pressão arterial alta, apneia do sono... são mais de 200 doenças associadas à obesidade catalogadas. Então se formos pensar por esse prisma, é uma doença que merecia uma atenção muito mais especial”, completa Herta.

 De fato, cada pessoa obesa é também uma pessoa com um histórico e algumas vezes com várias outras condições de saúde associadas, por isso seu tratamento não pode ser pensado de forma generalista. Da mesma forma que a mesma doença não pode ser tratada com um mesmo medicamento em pessoas diferentes, não existe uma única forma de tratar a obesidade. É o que confirmam a jornalista Herta Hiama, a psicóloga Andrea Levy, e também Glenda Cardoso, que sofre com obesidade e é criadora de um blog voltado para temáticas Plus Size: “Faz treze anos que sou obesa, tenho registrado dentro desse meio tempo todas as vezes que me inscrevi em uma atividade ou contratei um profissional para me ajudar. Mas nada mudou”.

 Andrea ressalta que 70% da causa da obesidade é genética, por isso desinformações compartilhadas em massa nas redes sociais, como as dietas da moda, os desafios, os jejuns, as fórmulas milagrosas, as dicas das blogueiras, não ajudam e desconsideram a causa genética. “Se a obesidade pudesse ser tratada assim, com dicas e conselhos, todas as doenças também poderiam”, diz Andrea Levy. “São atalhos que as pessoas encontram para tratar a obesidade e que tornam o esforço perdido”, completa Herta Riama. 

 Tanto a jornalista quanto a psicóloga são consensuais ao dizer que obesidade, embora seja sim propiciada pelo sedentarismo e maus hábitos alimentares, esse não é o principal fator. “Não é questão de força de vontade, não é questão de preguiça de se exercitar.São vários fatores. A obesidade é multifatorial”, diz Herta. Andrea também uma grande melhora e já diminui muito os riscos de desenvolver complicações graves por causa da Covid”. ressalta.

 Outra questão que a jornalista Herta destaca é que pedir para uma pessoa sair de um quadro de obesidade para não ter mais risco de complicações por Covid é inviável porque o tratamento leva tempo. Não é possível tratar um quadro tão complexo tão rapidamente. O mesmo vale para quem tem a indicação de realizar cirurgia bariátrica, um dos possíveis tratamentos para obesidade, recomendado quando remédios e mudanças de hábitos não são suficientes.  

Cirurgia do estômago

 A bariátrica ainda é um recurso pouco acessível para muitas pessoas no Brasil, especialmente para aquelas que dependem do SUS, como explicou Herta: “Em todo o país há muitas filas  de pessoas que aguardam para fazer a cirurgia”. Andrea, que já passou pelo procedimento, ressalta que fazer a cirurgia não é o fim: “O tratamento para obesidade é eterno. Depois da cirurgia é preciso ter uma mudança de hábitos e um acompanhamento clínico para não retornar a um quadro de obesidade aguda e nem sofrer com possível desnutrição ou outros problemas que uma má gestão do pós-operatório da cirurgia bariátrica pode gerar”.

 Glenda atualmente se prepara para realizar a bariátrica e comenta: “Eu penso que para mim, que possuo condições de ter um acompanhamento necessário, já é difícil, imagina para as pessoas que não têm. Que dependem de médicos que sequer conhecem o seu histórico clínico, que não têm assistência psicológica para dividir suas dores...”.

 Glenda também vivenciou de perto os riscos de complicações por Covid que a obesidade proporciona: “Essa semana eu perdi três pessoas próximas, as três eram obesas. Mês passado eu perdi meu amigo.ele também era obeso”.  A situação hoje para ela é de medo: “Eu ouvi em uma matéria na TV um médico dizendo que uma pessoa obesa para ser entubada necessita de em média 3 vezes mais medicação do que uma pessoa não obesa. O que eu entendi daquilo foi que eu posso tirar o leito de três pessoas. Por isso eu tenho muito medo, tenho medo de ter Covid e os médicos precisarem escolher entre atender eu ou outras três pessoas. Tenho medo de ter Covid e não saber se serei atendida”.

 Mas Andrea Levy ressalta que há medidas a curto prazo que podem diminuir bastante esse fator de risco: “Tratar a obesidade não significa magreza. Sair de um grau de obesidade 2 para um grau 1 já é uma melhora significativa. Evoluir da obesidade 1 para o sobrepeso ainda mais. Práticas como mudar o sedentarismo, tratar as condições associadas como pressão alta, diabetes, também melhora o quadro como um todo e aumenta a possibilidade de responder melhor à Covid, tendo um menor risco de desenvolver complicações”.

 Além disso, ter mais precaução para não se contaminar com o Coronavírus também é muito necessário. Para isso, vale as mesmas orientações já sabidas: Distanciamento (principalmente), uso de máscara e álcool em gel, conforme afirmam os especialistas

 Também, em estratégias para as pessoas com obesidade não interromperem o tratamento durante a pandemia, o ministério da saúde lançou o Manual - Como ORrganizar o Cuidado de Pessoas com Doenças Crônicas na APS no Contexto da Pandemia, no qual afirma: “As pessoas com Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNTs)  experimentam um duplo risco quando o acompanhamento adequado de sua condição é interrompido: em caso de infecção pela Covid-19, podem desenvolver complicações características das DCNT e formas graves da doença. Por isso, a retomada do acompanhamento dessa população com regularidade adequada, objetivando sua estabilidade clínica, reduz as chances de desfechos desfavoráveis durante o período de pandemia”. Esse manual se destina especialmente para as unidades de tratamento clínico do SUS. 

 O manual, entre outras coisas, visa categorizar os quadros de obesidade e apontar os pacientes com maior necessidade de controle, oferecendo as condições necessárias para eles darem sequência ao tratamento mesmo durante a pandemia.

“Qualquer mudança já significa muito”, Afirma Andrea: “Há esperança”.

 

Ficha Técnica: 

Repórter: Maria Fenanda de Lima

Publicação: Kauana Neitzel

Supervisão: Vinicius Biazotti

Foto: Agência Brasil

 

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