Pacientes transplantadas viveram momentos muito difíceis; conheça a história de três delas
O número de doações de órgãos caiu em 4,43% no Paraná: em 2019, ocorreram 497 doações; em 2020, foram 475, com queda de 22 doações, ou 4,43%. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (SESA), não é possível afirmar se a queda está ligada somente à pandemia do coronavírus ou se existem outros fatores.
Atualmente, segundo a Sesa, existem 2.394 pessoas à espera de algum órgão no Estado. Este número leva em consideração órgãos e tecidos. Segundo o Sistema Estadual de Transplantes do Paraná, existem dois tipos de doadores: o doador falecido, que são pacientes que foram diagnosticados com morte encefálica e podem doar rins, coração, pulmão, pâncreas, fígado e intestino; e tecidos, incluindo córneas, válvulas, ossos, músculos, tendões, pele, cartilagem, medula óssea, sangue do cordão umbilical, veias e artérias.
Há também o doador vivo, pessoas saudáveis que podem doar parte do fígado e seus rins para um familiar de até 4° grau consanguíneo. Para doar para uma pessoa que não tem ligação sanguínea, é necessário autorização judicial. No Paraná, a forma de doação que mais acontece é após falecimento.
O Hospital Santa Casa de Misericórdia em Ponta Grossa é referência na coleta de doações de órgãos na cidade. Foto: arquivo Periódico
Livia, a advogada que precisou de um rim
A advogada Lívia Pinheiro, moradora de Barão Geraldo, distrito de Campinas, no interior do estado de São Paulo, foi diagnosticada em 2008 com hipertireoidismo. Com o acompanhamento médico, percebeu que o número de plaquetas começou a cair. Em 2012, ela descobriu o motivo dessa diminuição: foi diagnosticada com Plaquetopenia, uma hepatite autoimune, que havia deixado o seu fígado cirrótico. Na época, o médico alertou sobre a necessidade de um transplante hepático.
Após oito anos de tratamento, seu quadro se agravou em 2020. “Eu estava bem e, inclusive, havia sido dispensada das consultas de rotina, devido à pandemia. Mas, em abril, tive uma crise de encefalopatia hepática [deterioração de funções cerebrais por pessoas com hepatite grave], o que me obrigou a retornar ao acompanhamento com a mesma periodicidade de antes. Em agosto, foram descobertos dois carcinomas no meu fígado e, diante disso, foi agendada nova consulta no gastrocentro da Universidade Estadual de Campinas, para que eu fosse listada”, conta Lívia.
Ela então foi internada com insuficiência renal devido a diabetes medicamentosa, passando para a primeira posição na fila de transplante. Durante o internamento para a cirurgia, Lívia não podia receber visitas devido à covid-19. Outro agravante foi o baixo estoque de sangue. “Precisei de uma bolsa e soube, por parte dos enfermeiros, que o estoque estava baixo. Algumas semanas depois, soube que três pessoas deixaram de transplantar por não haver sangue suficiente”. As dificuldades não impediram a cirurgia, realizada em outubro de 2020.
Lívia está imunizada contra a covid-19, segue sua dieta e a rotina de medicamentos. Os exercícios físicos foram liberados, sempre com uma cinta abdominal para evitar o surgimento de hérnias.
Pietra, a bêbê transplantada
Pietra Manuella, moradora de Paracambi, município do Rio de Janeiro, fez o seu transplante com um ano e dois meses de idade. Ela nasceu com Atresia de Vias Biliares (AVB), sem a vesícula das vias biliares. Pietra realizou a cirurgia de “Portoenterostomia de Kasai”, procedimento que liga o intestino delgado ao local de maior acumulação de bílis no fígado. Na cirurgia, acabou sofrendo uma parada cardíaca de 15 minutos.
A mãe, Débora Oliveira, relembra a trajetória da filha desde o nascimento. Após um mês de vida, Pietra ficou "amarelinha''. E, aos sete meses, descobriu-se que seria necessário um transplante. Inicialmente, seu pai seria doador, mas problemas de saúde impossibilitaram a doação. Passados cinco meses de espera na fila de transplante, a família recebeu a notícia do “fígado tão sonhado".
No pós-cirúrgico, o quadro de Pietra ficou grave: precisou permanecer 17 dias entubada e 40 dias no Centro de Terapia Intensiva (CTI). Seu quadro se estabilizou por dez dias, porém, no dia em que teria alta, foi identificado um nível alto de plasmas no sangue. “Ela teve uma convulsão, não respondeu aos medicamentos, os médicos desceram com ela para o CTI e a entubaram, convulsionou o dia todo. Na tomografia, apareceu um sangramento na cabeça, que nenhum médico soube explicar”.
Após três dias em estado grave, cinco dias entubada e dez dias no CTI, Pietra voltou para o quarto, onde permaneceu internada por mais 20 dias, até receber alta.
Maíra Foletto Jost, a estudante
A estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maíra Jost, moradora de Tunas, Rio Grande do Sul, foi diagnosticada com diabetes aos 12 anos de idade. Desde então, usou insulina e medicamentos por 18 anos.
Durante esse tempo, desenvolveu complicações como insuficiência renal crônica, pancreatite aguda e retinopatia diabética, perdendo a visão do olho direito. Devido à insuficiência renal, teve que iniciar tratamento com hemodiálise três vezes na semana, por dois anos e quatro meses, tendo que se deslocar até Passo Fundo e, posteriormente, até Soledade.
Maíra aguardou na fila para transplante duplo durante dois anos no Rio Grande do Sul. Em uma consulta, foi informada de que o período de espera iria demorar mais, devido à pausa de transplantes do tipo que necessitava. Então decidiu ir atrás do seu “sonho”. “Entrei em contato com a equipe médica Hepato de São Paulo, através de redes sociais, e com o próprio coordenador de transplantes, o doutor Marcelo Perosa, que ouviu minha história e aceitou o desafio.”
Após o contato com a equipe médica de São Paulo, Jost fez todos os exames necessários e constatou que tinha condições para o procedimento. Então transferiu seus atendimentos de hemodiálise para a capital paulista e aguardou por mais dois meses na casa de uma família que a acolheu. “O momento do chamado para realização do transplante jamais será esquecido em minha mente, a voz da enfermeira Aline, emocionada, me comunicando que havia órgãos compatíveis disponíveis para mim”
Após a cirurgia, Maíra segue com uma vida saudável e sem diabetes. “Hoje estou com praticamente dois anos de transplante, e isso só foi possível devido a conscientização da doação de órgãos”.
Ficha Técnica
Reportagem: Rafael Piotto
Edição e Revisão: Leonardo Duarte
Publicação: Leonardo Duarte, Yasmin Orlowski
Supervisão: Jeferson Bertolini, Marcos Zibordi, Maurício Liesen