Prefeitura é criticada por ONGs pela falta de apoio, especialmente na pandemia

 

Por Manuela Roque

 

Ponta Grossa tem atualmente 70 mil animais, segundo o Centro de Referência para Animais de Risco (CRAR), órgão criado pela prefeitura em 2016. Deste total, 42 mil vivem ou em situação de semi domicílio (têm lar, mas vão para as ruas) ou estão abandonados.

Leandro Inglês, coordenador do CRAR, diz que somente em 2021 foram adicionados a esse total mais 3.570 animais. “De janeiro até junho, credenciamos mais animais do que normalmente castramos ao ano. Seguimos recebendo denúncias e até mesmo casos de abandono na porta do CRAR. Está impossível controlar esse crescimento”.

Desde 2007, é lei em Ponta Grossa a realização de castrações de animais por parte da Prefeitura em seus centros de controle de zoonoses, com o número mínimo de 3.200 cirurgias anuais. A lei também reforça que qualquer situação de abandono ou maus tratos é crime, sendo os animais resgatados obrigatoriamente redirecionados aos alojamentos municipais. 

Leandro também destaca que os animais semi domiciliados, em especial cães, prejudicam o andamento das atividades de castração. “Não são animais de rua, mas sim animais que estão na rua. Corremos todos os dias o risco de confundir um animal abandonado com um animal que apenas está solto e depois retornará para a sua casa, o que atrasa o trabalho do CRAR e impede a castração de um animal que é domínio do Poder Público”, completa. 

 

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Foto: José Tramontin

Castração

Cristóvão Pereira, médico veterinário responsável pelas cirurgias de castração do controle de zoonoses de Ponta Grossa, afirma que foram realizadas aproximadamente 20 mil cirurgias para o controle populacional e também por motivo de fraturas envolvendo acidentes ou maus tratos. “Nós só capturamos animais de rua, mas quando não sabemos se o animal possui um lar ou não, aguardamos 48 horas. Se o proprietário não aparecer, o animal é do município e ele entra no credenciamento”, explica. 

A castração é realizada por meio do Castramóvel, uma unidade que percorre a cidade. Em casos mais leves, os animais são atendidos em clínicas particulares credenciadas. Se ocorrer operação, o animal é monitorado entre sete e 10 dias; apresentando completa recuperação, é devolvido ao local em que foi coletado. “Os de situações de maus tratos precisam ficar aqui, e por isso divulgamos nas redes sociais a adoção”. 

No entender do veterinário, o cenário ideal para a população animal de Ponta Grossa é a castração, seguido de uma microchipagem, estejam ou não em situação de rua. “Por meio do chip com informações sobre os tutores, poderemos saber quem é o dono e tomar as medidas.”

 

Causa animal

Rosélia Vanat atua há mais de 40 anos na causa animal de Ponta Grossa. Criadora da Associação Pontagrossense Amigos da Natureza, popularmente conhecida como Canil Lar, ela opera desde 2009 apenas com doações da população e apoio de agropecuárias parceiras.

Rosélia conta que, desde o início da pandemia, abriga 232 cães, 40 gatos e três cavalos. São poucas adoções, e com a pandemia elas pararam completamente. “Não entram sequer dois reais na nossa conta. Semana passada realizamos uma compra de ração de R$ 5,4 mil, que vai durar somente oito dias”.

De março de 2020 até julho, triplicou o número de animais abandonados que foram amparados pelo Canil Lar. Muitos abandonos ocorrem em estradas de terra, mas durante a pandemia aumentou o número de casos no centro da cidade e em portas de condomínios. Rosélia critica o que considera lentidão do processo de castração em Ponta Grossa e a falta de iniciativas públicas para manter em funcionamento as atividades do Castramóvel durante a pandemia.

Com mais de 10 anos, o Canil Lar acolhe animais idosos, com deficiências e doenças incuráveis, tendo livrado mais de 100 animais da eutanásia. “Temos praticamente um espaço de reabilitação de animais que sequer saem daqui e acabam vivendo o resto da vida deles conosco, porque eu me recuso a liberá-los novamente na rua e correr o risco de sofrer ainda mais e morrer sem amparo”.

 

Voluntários

As mesmas dificuldades são enfrentadas pela Associação Protetora dos Animais de Ponta Grossa (APAPG). Gabriela Merotto, voluntária desde o início da ONG, em 2015, destaca que não somente aumentou o número de resgates de animais abandonados durante a pandemia, mas de devoluções. Os tutores alegam problemas financeiros e dificuldades na adaptação do animal. “É fato que as pessoas estão em casa, muitas trabalhando em home office, e com crianças em tempo integral. Os números comprovam que o estresse nas pessoas aumentou. Mas devolver ou até cometer o crime do abandono compromete a vida do animal e prejudica o andamento das atividades das ONGs com resgates não planejados, os gastos com medicamentos e rações, entre outros fatores”.

A APAPG não possui espaço físico, funcionando em lares temporários, nos quais a população abriga animais resgatados. Atualmente, todos os animais ajudados pela ONG estão em casas dos voluntários, abrigando cerca de 10 a 25 animais por residência. Gabriela cita a impossibilidade de realizar feiras de adoção como um dos principais empecilhos para encontrar novos lares para os animais, e a falta de apoio do poder público.

 

Iniciativas independentes

Apesar da falta de apoio às ONGs em Ponta Grossa, nas redes sociais o movimento em prol da causa animal cresceu na pandemia. O Grupo de Auxílio a Resgatinhos (GAR) é um exemplo. Isabela Danesi, vice-presidente do GAR, conta que o projeto surgiu com o intuito de abrigar gatos resgatados de uma situação de abandono e maus tratos proporcionados por uma acumuladora de Ponta Grossa, que mantinha mais de 380 felinos em condições inóspitas: 70 desses animais foram direcionados para o projeto. 

“Nós fizemos toda a parte de reabilitação social dos animais. Eles aprenderam a usar a caixinha, a ter contato humano, a receber carinho, e também a parte da saúde, como acompanhamento alimentar, cuidados com remédios e com possíveis doenças, para posterior adoção para lares responsáveis e amorosos”, conta. Apesar de ainda não ser considerada uma ONG perante a lei, o GAR realiza campanhas de adoção pelas redes sociais, bem como arrecadações para manter o abrigo em funcionamento. 

Para evitar situações de novos lares problemáticos, o GAR elaborou um processo de entrevistas em duas etapas, acompanhado de um termo de responsabilidade assinado pelo adotante e um acompanhamento diário por fotos e vídeos enviados pelos novos donos.  Na visão de Isabela, a importância de projetos independentes voltados para a causa animal é essencial. “A Prefeitura não supre as necessidades da cidade, e as ONGs também estão em superlotação. Os nossos animais ficariam a esmo”. 

Isabela também é fundadora do Projeto Conta Cãomigo, iniciado durante a pandemia a partir da preocupação com o aumento de abandonos de animais e principalmente da falta de estrutura para aqueles que estavam nas ruas antes da chegada da Covid-19. “O abandono normalmente é feito sempre à noite e o mais triste é perceber animais recém abandonados vagando pelas ruas atrás de seus donos”. Atualmente, o Conta Cãomigo não realiza resgates, apenas trabalha com a divulgação de animais para a adoção e casos de desaparecimento. 

 

Adoção

Um dos casos mais famosos de abandono e posterior reintrodução a um novo lar em Ponta Grossa durante a pandemia é o de Pink, resgatada pela APAPG. Abandonada pela dona com oito filhotinhos, a cachorra foi a única que sobreviveu a um atropelamento. Ela foi enviada para a emergência, mas nenhum dos voluntários tinha condições financeiras de arcar com os custos dos procedimentos que salvaram sua vida. Gabriela, voluntária da ONG, por um post na rede social Twitter, conseguiu notoriedade no município para o caso de Pink, somando mais de 12 mil likes e compartilhamentos, que geraram doações para custear o tratamento. Hoje ela vive com seu tutor Yuri, que passou a ser um dos principais apoiadores da APAPG durante a pandemia. 

Já a estudante de direito Gabriela Presente aproveitou o período de isolamento social para realizar o sonho de infância de adotar um gato. A primeira a chegar a família foi Lua, através de um grupo de doação do Facebook. Já Paçoca e Sol foram adotadas por ONGs especializadas em gatos. As três sofrem com sequelas e problemas de saúde, mas Sol foi um caso em especial. Encontrada grávida abandonada em um terreno baldio, a gata foi resgatada e seus filhotes sobreviveram. Após todos serem adotados, foi a vez de Sol de encontrar um lar.

Gabriela relata que ela não possui sinal de maus tratos, mas por se tratar de um animal muito medroso, ela acredita que a gata sofreu agressões físicas enquanto vivia nas ruas. Para ela, adotar suas companheiras foi essencial para sua saúde mental durante a pandemia "Eu ficava muito desanimada, principalmente antes de começar as aulas on-line. Então ter que cuidar, brincar e criar uma rotina de responsabilidade com elas fez muito bem pra mim. E com a minha primeira adoção, toda a minha família que não gostava de gatos passou a amar, então foi algo bem surpreendente”, relata.

Prefeitura

Em nota, a Prefeitura Municipal informou que o CRAR se encontra atualmente em período de transição para a Secretaria do Meio Ambiente, com o intuito de ampliar a estrutura e o atendimento do canil municipal. Em casos nos quais a população presencie situações de abandono ou maus tratos, as denúncias devem ser feitas pelo telefone da Guarda Municipal (153). Se a ocorrência não for registrada em flagrante, o atendimento é feito pela Polícia Civil, de preferência com fotos e vídeos para comprovar o crime.

 

Ficha técnica

Reportagem: Manuela Roque

Edição e Revisão: Ana Paula Almeida e Levi de Brito

Publicação: Ana Paula Almeida e Levi de Brito

Supervisão: Jeferson Bertolini, Marcos Zibordi, Maurício Liesen