Mesmo cumprindo os protocolos de biossegurança, existem divergências entre líderes religiosos sobre vacinação
Mesmo com reabertura aprovada em 06 de maio de 2020 pelo decreto municipal 17.293, as organizações religiosas de Ponta Grossa tiveram que mudar a forma como realizam suas cerimônias nos últimos dois anos. Cada segmento presente nos mais de 70 templos e organizações contabilizadas pelo Cadastro Nacional de Atividades Econômicas da cidade enfrentou obstáculos diferentes para manter as portas abertas.
Dentro do segmento Cristão, como a Associação de Ministros Evangélicos (AME-PG) e párocos católicos, os locais de culto receberam apenas 30% de sua capacidade de público, por conta do distanciamento social e foram empregados métodos de higienização, como a obrigatoriedade do uso de máscaras e da disponibilização de frascos de álcool gel.
De acordo com o padre Claudemir Nascimento Leal, da paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a Diocese de Ponta Grossa respeitou os protocolos especificados nos decretos municipais, adaptando os ritos. “As pessoas sempre ficam no mesmo lugar. Em ritos como o ofertório sempre há alguém que vai até elas recolher as ajudas para evitar o deslocamento e aglomeração. O mesmo vale para a comunhão”, comenta.
Para os judeus frequentadores da Sinagoga da Associação Cultural Anussim Brasil, houve uma adoção ao modelo híbrido. “Através da transmissão em nossas redes, que já praticávamos antes, e seguindo os devidos protocolos da Secretaria Estadual de Saúde, nós fazemos e transmitimos nossos rituais para quem não pode estar presente”, explica Samuel Zakai, presidente e professor religioso da Associação.
Já na Sociedade Espírita Francisco de Assis ocorreu a suspensão completa das atividades até final de 2021. “Estamos voltando só agora e seguindo os protocolos [de biossegurança] e, principalmente, recomendando a vacinação para os nossos frequentadores. Que costumam ter idades entre 40 e 60 anos”, afirma Armando Vieira, presidente da sociedade.
A medida da suspensão total de encontros comunais e presenciais também foi adotada pela Tenda de Umbanda Pai João. “Desde fevereiro todas as sessões estão sendo feitas de modo individual e realizadas apenas mediante o uso de máscara, álcool gel e comprovante de vacinação”, conta a mãe de santo, Angélica Ponzoni.
Quem não precisou promover mudanças na estrutura ritualística das cerimônias foram os muçulmanos frequentadores da Mesquita Imam Ali. Realizando as orações diárias individuais e a comunal de meio-dia de sexta-feira – com separação de horários para sunitas e xiitas - dentro dos protocolos de segurança da Secreta Estadual de Saúde desde a reabertura, os seguidores de Maomé estão podendo seguir com os ritos sem maiores transtornos.
Para o responsável pela mesquita, o sheik Mahmoud Shamsi, graças à adesão aos protocolos e o incentivo da instituição à vacinação, a mesquita pode continuar aberta todos os dias atendendo tanto os que seguem o ramo Sunita, quanto Xiita do islamismo em horários separados. “Quem cuida de si sempre cuida dos outros também”, comenta Shamsi.
Para a professora Fabiana Mansani, diretora do Setor de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), as medidas adotadas foram importantes para a não difusão da doença nos primeiros meses da crise sanitária. “Em uma pandemia de um vírus que se sabia muito pouco em termos de estudos aprofundados, com um número elevado de mortos pela doença e ainda com certa indecisão por parte das autoridades sobre a tomada de ações mais eficazes, as medidas ajudaram enquanto esforço de proteção para a população”, explica.
Foto: Yuri A.F. Marcinik.
A questão da imunização
Ainda que representantes do Islamismo, Espiritismo e Umbanda tenham manifestado apoio a imunização dos fiéis, a questão não foi consensual entre representantes cristãos da cidade.
Segundo o padre Claudemir Nascimento Leal, a vacinação foi deixada a critério de cada paróquia pela Diocese de Ponta Grossa. “Cada um tem um jeito de pensar em certos direcionamentos políticos. Pessoalmente sou de acordo, tomei todas as vacinas. Mas foi uma decisão minha não dizer publicamente para não causar um problema maior. Algo que poderia causar um certo atrito entre comunidade e igreja. Respeitando a liberdade de cada um, nós incentivamos de forma mais subliminar os fiéis a se vacinarem”, explica o padre.
Já o pároco Casemiro Olizeski comenta que na Paróquia São José toda confiança é depositada na capacidade dos responsáveis por gerir a crise sanitária. “Nós sempre pedimos para que os fiéis sigam as orientações ministradas pelos responsáveis da área da saúde, pois imaginamos que ali estejam profissionais competentes que sempre visam o bem-estar da população”.
Alguns representantes da comunidade judaica de Ponta Grossa defenderam a vacinação como uma escolha individual. “A imunização é espontânea. Cada família decide pela forma que pretende participar da imunização oferecida pelo estado”, afirma Samuel Zakai, presidente da Anussim.
Dentro da ala evangélica também há falta de consenso sobre a questão do incentivo à imunização. Enquanto a AME-PG se absteve de qualquer posicionamento, a Igreja Cristã Presbiteriana (ICP) chegou até a ceder o Centro de Convenções e Avivamento como local para a aplicação de vacinas para menores de seis a dez anos entre os meses de janeiro e fevereiro.
Fabiana explica que a falta de consenso é uma consequência natural do nosso sistema governamental. “Houve um certo atraso na retomada das atividades pré-pandemia por conta dessa possibilidade de escolha pela imunização que o Governo Federal instaurou. Isso oportunizou que certas pessoas firmassem essa liberdade nos mais diversos conceitos socioculturais já mencionados, menos nos científicos, que tanto defendemos. Mas isso é natural de nosso sistema democrático de governo”, comenta.
A professora ainda explica que a maior parcela de culpa pelo atraso está em um contexto maior da gestão federal. “Historicamente, o Brasil sempre foi um país modelo em termos de campanhas de vacinação. Contudo, mesmo com diversas oportunidades de iniciarmos o ciclo vacinal como protagonistas da imunização mundial, nós perdemos essas chances. Não houve demonstração de iniciativa para ir atrás de quantidades e métodos de distribuição satisfatórios condizentes com o que nossa extensão territorial e populacional exige”, lamenta.
Quando questionada se as igrejas em posição de influência - em especial a católica, hegemônica na cidade - não poderiam ter uma postura mais incisiva em prol da vacinação, Mansani comenta que os efeitos da pandemia sobre a fé das pessoas requerem abordagens diferentes por conta da situação das instituições religiosas. “O período proporcionou um afastamento físico e desconexão muito grande entre as pessoas e os líderes religiosos. A pandemia trouxe um isolamento muito forte na fase inicial, as igrejas não teriam como focar em outro aspecto se não o da reconexão com os fiéis. Sendo de fé católica, sempre estive ciente da ideia de que nossos líderes religiosos estiveram com toda a intenção de promover a ciência como verdade, já que fé e ciência se entrelaçam” , diz.
Estatísticas
Segundo o último senso realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade é majoritariamente católica, com quase 69% da população se identificando com a religião. Evangélicos representam 22,56%, espíritas 2,89% e Umbanda e Candomblé 0,06%. Outras religiosidades somam 2,36% enquanto identificados como sem religião representam 3,39% da população.
Ficha Técnica
Repórter: Yuri A.F. Marcinik
Edição e Publicação: Manuela Roque e Yasmin Orlowski
Supervisão de Produção: Rafael Kondlatsch
Supervisão de Publicação: Marcos Zibordi, Maurício Liesen