Pacientes reclamam da carência de estabelecimentos locais que forneçam alimentos seguros para consumo

“Faz dez anos que não faço minhas refeições fora de casa. Quando saio levo marmita ou faço a refeição antes”. Esse é o desabafo da celíaca Valdirene Aparecida Veiga mas poderia ser dito por qualquer morador de Ponta Grossa com alguma restrição ao glúten.


Segundo o levantamento realizado pela reportagem, todos entre 28 celíacos e intolerantes ao glúten entrevistados acreditam que Ponta Grossa e região carecem de restaurantes, bares e lanchonetes que atendam suas necessidades restritivas. A apuração também constatou que quase 80% deixam de consumir os alimentos nesses ambientes por conta da contaminação cruzada. “Sinto muita falta de poder sair e me divertir como qualquer pessoa. Quando saio sei que vou pagar o preço depois, pois sempre acontece alguma contaminação”, comenta a psicóloga Fabiana Brêga, que tem intolerância ao glúten.


De acordo com a celíaca Luiza Siqueira Stemmler, a instrução dos restaurantes sobre as restrições alimentares de seus consumidores também deveria ser mais aprofundada. “Eu nem falo que eu sou celíaca, porque ninguém sabe o que é celíaco”. Ela comenta que consome alimentos que possam conter contaminação cruzada por conta de sua rotina obrigar a fazer refeições fora de casa. Luiza afirma que alguns restaurantes da cidade possuem alimentos sem glúten, mas nem sempre são alimentos pensados para esse público. “Até têm restaurantes que vendem comidas sem glúten, mas se eu vou com a minha família, todos eles comem pizza e eu tenho que comer salada por ser a única opção”, exemplifica.

Selos
No Paraná, visando a inclusão e segurança dos celíacos e intolerantes ao glúten, fundou-se na capital do estado a Associação de Celíacos do Paraná (Acelpar). Sob a atual presidência da engenheira química Ana Claudia Cendofanti, a associação possui mais de vinte anos de atuação objetivando proporcionar uma realidade que atenda as necessidades restritivas do público celíaco.


De acordo com a presidente da Acelpar, a doença celíaca vai além do diagnóstico médico e impacta diretamente o convívio social do indivíduo. Nesse contexto, a associação busca garantir espaços seguros de convivência para esses cidadãos por meio da implantação do “Selo Sem Glúten”— uma iniciativa da Acelpar com o intuito de propiciar uma produção, manipulação e preparo de alimentos totalmente livres de traços de glúten.

Segundo Ana Claudia, o processo de auditoria para a certificação do estabelecimento passa por todo percurso que o produto sem glúten faz, desde a análise da matéria-prima até sua entrega ao consumidor final. Ela afirma que existem aproximadamente 33 selos distribuídos pelas cidades paranaenses, mas nenhum em Ponta Grossa. Existiram processos anteriores para a tentativa de implantação dos selos na região, mas, foram encontrados traços de glúten no processo produtivo — o que interrompeu a certificação. No início da pandemia, outro estabelecimento de alimentos sem glúten tentou a implantação do selo, mas não deu continuidade no processo de auditoria.


Além disso, a presidente da associação comenta que mesmo diante da proximidade entre Ponta Grossa e Curitiba, ainda a cidade carece de espaços especializados para este público, contabilizando menos de dez. “Muitos restaurantes poderiam atender o público celíaco se fizessem algumas transformações em seus processos produtivos a fim de se adequarem às necessidades desses clientes”, destaca.

ALIMENTAÇÃO Acervo Portal Comunitário

Cidadãos enfrentam escassez de estabelecimentos que disponham de uma cozinha segura, livre da presença do glúten. Foto: Acervo Portal Comunitário

Produção nos restaurantes
A tecnóloga de alimentos, Paola Pavlak Silvério, expõe que existem dificuldades em produzir alimentos totalmente livres de glúten para o público celíaco. Ela realiza o controle de qualidade de um restaurante e uma padaria em Ponta Grossa, e afirma que a contaminação cruzada, o encontro de matérias-primas de qualidade e o custo elevado dos produtos são as principais barreiras para a produção desses alimentos.


Paola reforça que as cozinhas utilizadas para a fabricação desses alimentos específicos precisam de bastante atenção a fim de garantir qualidade e segurança para os consumidores. Ela comenta sobre algumas medidas possíveis para evitar a contaminação cruzada, como possuir um espaço físico separado para a produção ou a necessidade de realizar a sanitização completa do ambiente e utensílios, mas também a realização de intervalos de 48 horas entre a produção tradicional e a sem glúten.


Além disso, a tecnóloga afirma que percebeu uma maior procura por esses alimentos específicos nos últimos anos e reforça a necessidade de instruções dos estabelecimentos quando os consumidores solicitam essas produções. “Nós sempre orientamos que produzimos alimentos sem glúten, mas com contaminação cruzada”.

Contaminação cruzada
De acordo com a paciente, Valdirene Aparecida Veiga, a contaminação cruzada é um fator de risco para os celíacos pelo fato de não tratar somente de deixar de consumir os alimentos e sim do processo produtivo como um todo.


Segundo a Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (FENACELBRA), a contaminação cruzada ocorre quando um alimento sem glúten recebe direta ou indiretamente partículas (traços) de glúten de outros alimentos, desde o plantio até o consumo final. De acordo com a nutricionista do Departamento de Segurança Alimentar da cidade, Elaine Cristina Popoatzki, a atenção para a contaminação cruzada na produção de alimentos deve ser considerada quando se fabricam produtos para o público celíaco e intolerante ao glúten.

A nutricionista declara que apenas cerca de cinquenta celíacos e intolerantes ao glúten estão cadastrados na prefeitura. Entretanto, ela afirma que o número de pacientes é muito superior. Além disso, expõe que escuta diversas reclamações desses cidadãos pela escassez de estabelecimentos que disponham de uma cozinha segura, livre da presença do glúten.

Doença celíaca
O gastroenterologista Rafael Acras explica que a doença celíaca consiste em uma intolerância permanente ao glúten, fazendo parte deste grupo o trigo, cevada, centeio e o malte, por isso devem ser evitados por esses pacientes.


Sobre os sintomas, ele esclarece que cada organismo age de maneira diferente, ou seja, algumas pessoas são assintomáticas, outras possuem sintomas ligados ao aparelho digestivo, como: estufamento, diarreia, gases, desconforto abdominal, ou extra digestivos: carência de vitaminas, doenças autoimunes e problemas em outros órgãos.


Segundo o médico, a identificação da doença deve ser realizada por um gastroenterologista, por meio de exames de sangue, teste de diagnóstico genético e endoscopia com biópsia.


De acordo com a FENACELBRA, a doença celíaca ocorre em pessoas com tendência genética à doença. Assim, pode surgir em qualquer idade, mas geralmente aparece na infância, em crianças com idade entre 1 e 3 anos.

 

Este texto é parte do conteúdo da edição recém-publicada do jornal-laboratório Foca Livre, produzido pelo 2º ano de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Clique aqui e acesse a edição completa.

Ficha Técnica:

Reportagem: Larissa Del Pozo Malinski
Edição e publicação: Valéria Laroca 
Supervisão de produção: Ricardo Tesseroli, Cândida de Oliveira e Maurício Liesen
Supervisão de publicação: Marcos Zibordi e Maurício Liesen

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