Falta de divisão entre esferas profissional e privada pode influenciar no desenvolvimento de Síndrome de Burnout
O trabalho híbrido, conhecido por combinar o presencial e o home office, tem sido cada vez mais aplicado após o isolamento por conta da covid-19. Trata-se de um contexto onde os trabalhadores desenvolvem as atividades em horários condizentes com as rotinas pessoais. Porém, os benefícios das tecnologias, que possibilitam esse tipo de trabalho, ainda precisam ser avaliados. É um desafio dividir a vida profissional e pessoal com o uso das redes sociais e aplicativos de mensagem, pois não importa o horário, o trabalho consegue se misturar com a vida privada por esses meios.
O psicólogo Luiz Ricardo Pauluk diz que as queixas pela invasão do trabalho na vida pessoal, a partir do uso de redes sociais e WhatsApp, são frequentes em seu consultório. “Posso dar como exemplo um casal que precisou estabelecer regras rígidas, porque o WhatsApp profissional de um deles invadia a privacidade. Isso, por sua vez, levou à uma crise no casamento que quase resultou na separação”, conta. A solução do casal foi proibir o uso profissional do aplicativo após as 22h, e as consequências dessa atitude seriam resolvidas no dia seguinte.
Para Pauluk, é preciso avaliar o uso das tecnologias e buscar uma educação a partir disso. “Não temos uma cultura que administre bem o contato com o mundo virtual. Não sabemos, de modo geral, dosar o uso dos dispositivos eletrônicos”. A falta dessa postura diante das tecnologias pode ocasionar na Síndrome de Burnout, principalmente no contexto de trabalho híbrido.
Por ser caracterizada como um estado de exaustão psicológica derivado do excesso de trabalho, que pode gerar sintomas depressivos, ansiedade, de despersonalização (como se a pessoa sentisse sua personalidade se esvaziando ou se dissolvendo) e perda de satisfação no trabalho, a síndrome apresenta complexidade maior no trabalho híbrido, onde o ambiente de trabalho e espaço privado se confundem. E para evitar a exaustão nesse contexto, o psicólogo dá algumas alternativas. “A parte virtual do trabalho híbrido depende de uma organização específica. Algumas dicas seriam organizar os horários de trabalho, a dinâmica familiar, o espaço reservado para trabalhar. Por exemplo, nunca utilizar o quarto, onde se descansa.”
Uma psicoterapeuta, que não quis ser identificada, relata ter desenvolvido a Síndrome de Burnout a partir da dificuldade em separar a vida pessoal da profissional. Um ponto que ela destaca é o fato de seus pacientes conseguirem entrar em contato com ela em qualquer horário. “Estou sempre à disposição dos meus pacientes para ajudá-los e, mesmo quando não são assuntos urgentes, devo respondê-los. Muitas vezes é meia-noite de um domingo, por exemplo, e não consigo sair do WhatsApp por causa disso, o que dá um desgaste emocional e físico”, explica.
Para ela, sua situação com o uso das tecnologias não parece se encaixar no termo “trabalho híbrido”, pois não há dias determinados e horários para responder as mensagens. Porém, ao considerar o trabalho além da terapia presencial, o desgaste acaba sendo semelhante. “Por parecer simples responder uma mensagem ou outra por aplicativos, não é visto como trabalho. Mas, na realidade, estou trabalhando, só que fora do consultório.”
Ela acrescenta que ainda não conseguiu encontrar o equilíbrio necessário para o uso profissional das tecnologias e que, por isso, não consegue descansar no tempo livre. “Sempre estou pensando nas mensagens que me enviam, além das demandas do consultório. É preciso muita organização e um pouco de desprendimento do trabalho também. Quero estar disponível para meus pacientes, mas nem sempre os assuntos precisam ser tratados imediatamente”. A psicoterapeuta pensa em definir horários para tratar de assuntos que não são urgentes pelo WhatsApp, com o objetivo de melhorar sua saúde mental e parar de sobrecarregar o trabalho.
Ficha técnica:
Reportagem: Cassiana Tozati
Edição e Publicação: Catharina Iavorski
Supervisão de produção: Muriel E. P. Amaral
Supervisão de publicação: Marcos Zibordi e Maurício Liesen