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- Produção: Camila Zanardini, Marina S. Daum
- Categoria: Direitos humanos
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De dia, a senhora, de aparência franzina, pede ajuda para ganhar o almoço em uma das ruas do Centro. Durante a tarde, de lixeira em lixeira, é o momento de catar latinha para ter uma renda a mais e também para ocupar a cabeça. A idosa perambula pelas ruas com uma mochila com um par de roupas e um cobertor batido. Nas mãos, a sacola onde junta o material recolhido.
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- Produção: Gabriel Miguel e William Clarindo
- Categoria: Direitos humanos
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Prova para os povos indígenas do Paraná aconteceu em Faxinal do Céu e é espaço político e de integração entre tribos
Primeiro dia de prova consistia em avaliação oral. Foto: William Clarindo/ Lente Quente
Na última sexta-feira, 30 de novembro, foi lançado o resultado do 18° Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná. Convênio entre oito universidades públicas do Paraná, organizado através da Comissão Universidade Para os Índios (Cuia), o vestibular aconteceu entre os dias 20 e 22 de outubro, no Centro de Eventos Faxinal do Céu, distrito do município de Pinhão (30.208 habitantes segundo o IBGE), na região centro-sul do Paraná.
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- Categoria: Direitos humanos
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Para especialistas, propostas contra direitos políticos e sociais ferem princípios constitucionais e incentivam a violência
Fotografia: Leticia Dovhy
Face à onda dos chamados discursos de ódio que circularam nas redes sociais durante o período eleitoral de 2018, o Portal Periódico buscou avaliar, junto a especialistas, propostas que incitam a violência, como a pena de morte e a liberação do arma para defesa pessoal de qualquer cidadão. Entre os problemas identificados está a ameaça a princípios constitucionais, como os direitos políticos e sociais.
No dia 22 de outubro passado, começou circular nas redes, o link de uma Petição Pública que pedia pela pena de morte para “petistas, familiares e comparsas”. O site Petição Pública retirou o abaixo-assinado no dia seguinte, 23, pela manhã. Ao ser retirada da plataforma, a petição já contava com 518 assinaturas. O link circulava pelas redes sociais. A organização civil Safernet, que atua em prol dos direitos humanos, afirmou ter recebido 5.413 denúncias sobre o fato, segundo a Revista Fórum.
A equipe do Portal Periódico entrou em contato com os responsáveis pelo site Petição Pública - a plataforma na qual a petição foi veiculada - para questionar sobre a aceitação da petição que defendia a pena de morte. Buscou-se também entender como funciona o controle esses abaixo-assinados. Em resposta via-email, a organização declara: “Não temos qualquer intenção de alimentar polêmicas em relação a este caso. A petição foi denunciada por vários usuários e foi imediatamente removida. Não tínhamos conhecimento da petição até ter sido denunciada.”
Os responsáveis pela plataforma Petição Pública alegam que todos os abaixo-assinados são unicamente de responsabilidade dos autores. “Como site privado, não temos meios técnicos, nem humanos, para verificar as dezenas de milhares de petições criadas e, nesse sentido, contamos também com a prontidão dos nossos usuários para identificar e reportar petições que violem a ética, moral e bom senso”, complementam.
(Print do site Petição Pública Brasil no primeiro dia que o post foi veiculado nas redes sociais)
O direito de petição está assegurado no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal de 1988.
O QUE É UMA PETIÇÃO PÚBLICA? |
Segundo a Constituição de 1988, o abaixo-assinado (ou petição pública) é a apresentação de um pedido ou de uma proposta, a órgão soberano ou a qualquer autoridade pública, para que esta adote determinada medida. (Adaptação do Texto da Constituição Federal 1988, artigo 153, parágrafo 30) |
COMO FUNCIONA UMA PETIÇÃO PÚBLICA? |
Todo o cidadão tem o direito de apresentar, individual ou coletivamente, aos órgãos soberanos, aos órgãos de governo dos estados ou a qualquer autoridade, petições, abaixo-assinados, representações, reclamações ou queixas para defesa de seus direitos, da Constituição, das leis ou de interesse geral. Tem também o direito de ser informado, em prazo razoável, sobre o resultado da respetiva apreciação. (Constituição Federal, artigo 141, Parágrafo 37) |
Para a advogada Isabella Gobbo, que foi candidata a deputada federal pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) nas eleições em 2018, a criação da petição Pena de morte para petistas, familiares e comparsa significou “colocar em risco um Estado que, querendo ou não, com a Constituição de 88, defende as liberdades, de modo geral, liberdade de ser, liberdade ir, liberdade de expressão, de manifestação. É realmente colocar o estado democrático de direito em cheque”, expressa.
Segundo a candidata que estava inserida e acompanhou o cenário eleitoral de 2018, as manifestações de discursos de ódio “intensificaram de forma polarizada o cenário da disputa”. Isabella observa que essas atitudes simplificaram o cenário e as argumentações e, consequentemente, a luta contra as liberdades.
“É um absurdo ter pessoas, que são neoliberais, contra as liberdades no âmbito político e social. São contradições que colocam em risco o nosso estado democrático de direito e a democracia de modo geral”, lamenta.
O advogado e professor de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Pedro Miranda, explica que não existe pena de morte no Brasil. “Ser a favor da pena de morte para “petistas, familiares e comparsas”, em primeiro lugar, no ponto jurídico, é inconstitucional. Na própria Constituição, você não tem possibilidade de instituir pena de morte e nem pena perpétua”, aponta o advogado destacando ainda a pena máxima de 30 anos estabelecida no Código Penal brasileiro.
Miranda enfatiza que o atual cenário político do país é uma “conjuntura política polarizada. E essa polarização não leva a lugar nenhum. É uma visão preconceituosa de ambos os lados que levam aos extremismos que são antijurídicos. É uma democracia rachada, quebrada, que não sabe discutir politicamente”, revela.
O estatuto do armamento e os desdobramentos jurídicos
A Lei Federal 10.826, sancionada em dezembro de 2003, limita a circulação e o porte de armas de fogo e munição no Brasil. Mas com a candidatura e vitória de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência surgem novas discussões. O programa de governo do presidente eleito (http://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/280000614517/proposta_1534284632231.pdf) prevê, como proposta “para reduzir os homicídios, roubos, estupros e outros crimes”, “reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à LEGÍTIMA DEFESA sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiros!”.
Programa de Bolsonaro prevê reformulação do Estatuto do Desarmamento
(Fonte: TSE - Sistema DivulgaCandContas: propostas de governo dos candidatos ao cargo de presidente da república)
Bolsonaro, em declarações públicas, já havia afirmado, antes mesmo de sua vitória nas eleições de 2018, ser a favor da posse de armas o que sempre justifica com o argumento do direito à legítima defesa do “cidadão de bem”.
A proposta do armamento facilita a compra de armas. Segundo um levantamento feito pelo Instituto DataFolha no mês de outubro, 55% dos entrevistados acreditam que a posse de arma deve ser proibida por ameaçar vidas de outras pessoas. Já outras 41% consideram que é direito para poder se defender.
O advogado e professor Pedro Miranda relembra que, em 2005, aconteceu um referendo sobre o Estatuto do Desarmamento.
O site do TSE (http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/referendo-2005/referendo-2005-1) destaca: “No dia 23 de outubro de 2005, o povo brasileiro foi consultado sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munições no país. A alteração no art. 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) tornava proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º do estatuto. Como o novo texto causaria impacto sobre a indústria de armas do país e sobre a sociedade brasileira, o povo deveria concordar ou não com ele. Os brasileiros rejeitaram a alteração na lei”.
“Esse referendo foi votado e a população brasileira ficou contra esse artigo [que alterava a lei]. Ele [o estatuto] limitou a compra de armas, mas não totalmente. Às vezes, espalham que a compra de arma no Brasil se tornou impossível, mas não é. Mas o que o Bolsonaro quer fazer é revogar totalmente esse estatuto ou pelo menos colocar bem menos limitações para a compra e venda de armas”, avalia.
As polêmicas envolvendo o presidente eleito não se resumem à proposta de revisão do Estatuto do Desarmamento. A Revista Fórum, em reportagem (https://www.revistaforum.com.br/eu-sou-favoravel-a-tortura-diz-bolsonaro-em-video) publicada em outubro deste ano, durante o processo eleitoral, destaca que o então candidato, por diversas vezes, concedeu entrevista afirmando ser favorável à tortura. O site divulga ainda vídeo que reuniu diversas falas do político, como “e, se necessário for, que avance a coerção de energia [choque elétrico]”.
Trecho da reportagem da Revista Fórum traz: “um vídeo que está circulando nas redes sociais mostra entrevistas em que o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) se diz “favorável à tortura”. Intercalando com imagens de filmes que relatam o que foi a ditadura militar no Brasil, falas do candidato aparecem mostrando a posição dele sobre a violência. Em uma delas ele diz: “Eu sou favorável à tortura”. Em outra, ele afirma que ela funciona e que tem certeza que a população iria “bater palma” para ela. Ao final do vídeo, é possível ver Bolsonaro dizendo que “não se arrepende” de nada que disse sobre torturar pessoas.
Já o site da revista Carta Capital publicou a reportagem “Quem é Ustra, o torturador celebrado por Bolsonaro até hoje“ (https://www.cartacapital.com.br/politica/quem-e-ustra-o-torturador-celebrado-por-bolsonaro-ate-hoje), publicada em outubro passado, avalia o contexto em que o então candidato teria afirmado sua admiração pelo militar morto em 2015: “Bolsonaro tinha os mesmos 63 anos de agora quando afirmou em entrevista ao Roda Viva que seu livro de cabeceira era "Verdade Sufocada", de autoria de Carlos Alberto Brilhante Ustra. Tinha dois a menos quando celebrou o notório torturador em sessão da Câmara que aprovou o impeachment de Dilma Rousseff. Na ocasião, o presidenciável do PSL afirmou que Ustra era o "pavor" da petista, alvo de torturas durante sua atuação na Luta Armada contra a ditadura”.
Comissão Interamericana alerta para crescimento dos discursos de ódio
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) visitou o Brasil no último mês de outubro e alertou sobre o crescimento de discursos contra os direitos. Segundo entrevistas à imprensa, a representantes da organização afirmaram que é um momento decisivo para o futuro dos direitos humanos no Brasil.
O professor da UEPG, Pedro Miranda, afirma que “o discurso de ódio adentrou a política”. Para o advogado, os discursos de violência nas redes são resultado de uma polarização política que tem se colocado muito a partir do senso comum. Verifica-se, segundo Miranda, que ocorre “o diálogo político não baseado em fundamentos”.
O processo eleitoral brasileiro revela o engajamento dos eleitores nas redes sociais, meios que se tornaram um espaço de grande visibilidade pública, bem como de debate e circulação de conteúdos associados a diversos temas, entre eles a política. Nas plataformas online, como Facebook, Instragram e WhatsApp, todos os dias, pessoas se posicionam sobre todos os tipos de acontecimentos.
Segundo um levantamento feito pela ONG SaferNet (https://new.safernet.org.br/denuncie/), o período do segundo turno (7 pa 28 de outubro) teve um aumento significativo de denúncias relacionadas aos discursos de ódio e intolerância na internet. A entidade, que tem como objetivo a promoção e a defesa dos direitos humanos, opera a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.
Em reportagem sobre o cenário eleitoral do segundo turno, a BBC veiculou que o site da ONG registrou cerca de 8 mil denúncias de xenofobia entre 7 e 28 de outubro, que correspondeu ao intervalo de campanha do primeiro turno, contra 338 entre 16 de agosto e 7 de outubro, que compreendeu o segundo turno.
Referente a esse mesmo período, o jornal publicou dados sobre a apologia à incitação de crimes contra a vida, que “passaram de 1.746 para 11.009; as de homofobia/LGBTfobia, de 422 para 1.478; as de neonazismo (intolerância com base na ideologia nazista de superioridade), de 254 para 1.393; as de racismo, de 531 para 1.159, e as de intolerância religiosa, de 195, para 283”, descreve a BBC News Brasil.
Em entrevista concedida ao Portal Periódico sobre a polarização na política, matéria publicada no dia 26 de outubro, a professora assistente da Universidade de Michigan e pós-doutoranda em Jornalismo pela Universidade do Texas, Rachel Mourão, avalia a dicotomização do cenário político brasileiro. A pesquisadora sobre redes sociais e discursos alega que existe uma ascensão de ideias conservadoras e ultraconservadoras.
A reportagem do Portal Periódico traz a seguinte afirmação: “O que os movimentos populistas - tanto de esquerda quanto de direita - têm, em comum, é a criação de uma dicotomia (nós-contra-eles) que, geralmente, vem acompanhada de uma demonização do outro”, explica. Esse outro, exemplifica, pode ser uma elite, minorias e imigrantes. Segundo Mourão, esse discurso tem conquistado, cada vez mais, as pessoas, mesmo que elas não concordem com a plataforma do candidato [Bolsonaro]”.
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Neste mês, a Declaração dos Direitos Humanos completa 70 anos. E no Brasil, as crianças e adolescentes são as principais vitimas de violação dos direitos:
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Contexto político deve agravar políticas públicas e instituições de auxílio que não atendem a demandas dos indígenas
Ponta Grossa não tem estrutura para receber indígenas que estão de passagem pela cidade. A afirmação é de Thaís Verillo, diretora do Departamento de Proteção Social Especial da Fundação de Assistência Social de Ponta Grossa (FASPG). Ao início do ano, o número de indígenas na cidade variou entre 120 e 150 pessoas. “É uma rotatividade muito grande. Chega uma família, fica uma semana e, logo, vão embora. Assim eles vão rodando pelo Paraná”, afirma. Os dados são, entretanto, imprecisos devido ao caráter migratório dessa população.
Conforme Verillo, esses indígenas são de Guarapuava, Faxinal, Cândido de Abreu, Manoel Ribas, entre outras cidades. “Essa população nunca foi pensada como uma população aqui do município”, diz. Dados do IBGE, que mapeiam a distribuição da população indígena no Brasil, apontam 555 pessoas autodeclaradas indígenas em Ponta Grossa. Entretanto, não há aldeias ou tribos na proximidade.
“Para os indígenas, essa procura começou nos últimos anos”, afirma. “A intenção futuramente é até fazer uma reunião com esses municípios de origem para verificar se lá eles estão com alguma dificuldade para entender o porque dessa migração tão grande deles”, complementa.
A diretora reforça que os indígenas “têm o direito de ir e vir e a gente não faz esse controle porque não é nossa política de atendimento específica fazer esse controle”. Para a Fundação de Assistência Social do município, esses indígenas não estão em situação de vulnerabilidade social e nem têm seus direitos violados, o que a diretora aponta como premissa para que a assistência social do município atue de maneira mais incisiva. “Por isso que a gente fala que é uma questão que deve ser discutida por todos os setores, todas as políticas e não só da assistência”, justifica.
A Fundação de Assistência de Social de Ponta Grossa atua nessa questão quando recebe denúncias da população. “Quando as crianças estão vendendo coisas no sinal, quando tem alguma questão que envolve violação de direitos ou vulnerabilidade”, explica. Quando esses indígenas itinerantes estão em Ponta Grossa, eles se instalavam em um terreno baldio próximo à rodoviária, na Avenida João Manoel dos Santos Ribas.
Conforme Verillo, a Fundação de Assistência Social deseja construir “uma base, com banheiro, uma estrutura mínima que possa comportar essas famílias quando eles estiverem em Ponta Grossa. Estamos aguardando resposta da Secretaria do Meio Ambiente para que eles nos passem um novo local mais adequado e que não seja tão longe do Centro, onde os indígenas possam comercializar seus produtos”, afirma Verillo. “O município dispõe de terrenos que podem ser cedidos”, diz.
Em outubro deste ano, uma reportagem do Portal Periódico denunciou as péssimas condições que se encontra a Casa do Índio de Ponta Grossa. Localizada no bairro de Uvaranas, a estrutura comprometida é ocupada por cerca de 16 indígenas que utilizam o local para passar a noite.
PLANO MUNICIPAL DE ATENDIMENTO AO INDÍGENA
O Departamento de Proteção Social Especial anunciou, em junho deste ano, o intuito de reunir uma comissão que trabalhe com desenvolvimento de um Plano Municipal de Atendimento ao Indígena. O objetivo da iniciativa é encontrar soluções que respeitem a cultura do indígena, tal como a criação de um espaço para acampamento das pessoas que ficam na cidade temporariamente.
O Plano Estadual de Assistência Social do Estado do Paraná, que compreende os anos de 2016 até 2019, aponta como diretriz “fortalecer o acesso à proteção social aos povos indígenas e às comunidades tradicionais” e apresenta como horizonte contemplar 100% dos municípios do Paraná na cobertura de serviços de Proteção Social Básica.
Originada pela Fundação de Assistência Social, o intuito da ação é reunir diferentes entidades representativas do município que atuam de acordo com suas especificidades na questão indígena como a Secretaria do Meio Ambiente, Educação, Saúde e Segurança. A diretora Thaís Verillo informou que a comissão já foi instaurada mas que nenhuma ação efetiva foi tomada. Verillo relata a dificuldade da comissão se reunir, com frequência, e que isso resultou no atraso das discussões. Entretanto, ela garante que, ano que vem, as discussões serão retomadas para a produção do Plano Municipal.
O objetivo do plano é que a primeira ação da comissão seja instaurar um novo espaço reservado ao acampamento de indígenas que ficam de maneira temporária na cidade.
TERRAS INDÍGENAS NO PARANÁ
De acordo com informações da Fundação Nacional do Índio (Funai), apenas 10% das terras indígenas demarcadas no Brasil estão no Sul do país. O espaço de terras demarcadas nessa região soma pouco mais de 0,1% do território total da região. Apenas 8% das terras indígenas ocupadas estão regularizadas.
O Brasil conta, atualmente, com 462 terras indígenas regularizadas, majoritariamente concentradas no Norte do país. No Paraná, são 17 terras indígenas demarcadas, conforme destaca Célia Rego, representante da Coordenadoria Técnica Local (CTL) da Funai em Londrina.
As CTLs acompanham as aldeias nas terras demarcadas. “Hoje em dia nosso trabalho é mais de conscientização”, conta Célia, que está na Funai há mais de 20 anos e iniciou no setor de educação da Fundação. “O assistencialismo acabou. A Funai não tem mais dinheiro”, relata. “O nosso trabalho é fazer que as terras indígenas fiquem independentes. Muitos deles têm carro, caminhão, ônibus e dinheiro no banco. Eles plantam. É totalmente diferente”, completa.
A população indígena do Paraná enfrenta, desde o início do ano, uma série de desafios frente ao sucateamento de serviços públicos específicos à pauta indígena. Em março, a sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), em Curitiba, foi ocupada por cerca de 100 manifestantes indígenas de diferentes etnias: guaranis, xetás, caingangue, entre outros grupos, unidos através do Movimento Indígena do Paraná. O coletivo protestava contra a diminuição da frota de veículos para o traslado nos casos de atendimento à saúde indígena.
Conforme Célia, os servidores da Funai têm que “inventar trabalho”, já que a única atribuição restante à Fundação é de supervisionar o processo de demarcação de terras. Para que uma terra indígena seja regularizada como demarcada, segundo o Decreto 1777, a Funai precisa produzir um estudo “de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação”. Após o estudo ser aprovado pelo Ministério de Justiça, a Funai deve delimitar fisicamente a terra que depende da homologação do presidente para demarcação.
Em outubro, a Funai aprovou estudo que recomenda a demarcação de terras em Altônia, Guaíra e Terra Roxa, no oeste do Paraná. Um total de 24 mil hectares que abrigariam 14 aldeias do povo Avá-Guarani. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) classificou a recomendação da Funai como “inconstitucional”. Conforme a FPA, a Funai não considera um julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que estabelece, entre outros critérios, o marco temporal. Essa regra afirma que as terras passíveis de demarcação são aquelas que estavam ocupadas na promulgação da Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988.
Outros critérios incluem a ligação étnico-cultural dos povos indígenas com aquela terra. Para a professora Isabel Rodrigues, do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá (UEM), “o tipo de propriedade privada e individual vigente no Brasil, desde a Lei de Terras de 1850 não é compatível com os modos de posse de terras dos indígenas”. Rodrigues afirma que “assim os indígenas foram perdendo os direitos aos seus territórios para o estado e para as companhias de colonização”.
Anteriormente à Constituição Federal de 1988, indígenas “não-integrados” à sociedade ficavam sujeitos ao “regime tutelar”. Portanto, reservas indígenas ficavam condicionadas aos tutores desses povos.
O Projeto de Emenda Constitucional 255, que aguarda discussão no plenário do Congresso Nacional, credita aos estados a obrigação de demarcar terras indígenas. Atualmente, a responsabilidade é da União. A PEC 255 foi o tema da prova oral no 18º Vestibular dos Povos Indígenas.
DESAFIOS DA POPULAÇÃO INDÍGENA NO NOVO GOVERNO
Eleito futuro presidente do Brasil com 55 mil votos, Jair Bolsonaro (PSL) já declarou que a demarcação de terras indígenas não será prioridade do seu governo. Em entrevista concedida ao programa Brasil Urgente da TV Bandeirantes, no dia 5 de novembro, Bolsonaro declarou: “Eu tenho falado que, no que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena”. Ele continua sua fala alegando que as demarcações são uma ameaças aos fazendeiros: “Qual a segurança para o campo? Um fazendeiro não pode acordar hoje e, de repente, tomar conhecimento, via portaria, que ele vai perder sua fazenda para uma nova terra indígena”.
Não foi a primeira vez que Bolsonaro se declarou contrário aos direitos dos povos indígenas. Enquanto deputado federal, em 2017, durante discurso proferido na Hebraica, em São Paulo, Bolsonaro já havia se posicionado contra indígenas.
Para Célia Rego, indígena e representante da Funai, a adversidade no governo Bolsonaro será um motivo de fortalecimento para os indígenas. “Com esse pensamento dele, vai piorar, mas eu acredito que nada morre, tudo se transforma e nós vamos dar um jeito de sair pela tangente”, reforça. “Desde 1500, a gente tá aqui e não desapareceu. Estamos aí conservando a língua, dançando, cantando e a gente não desapareceu. Nós também não vamos desaprecer com um ‘bolsonarinho’ desses”, finaliza.