Profissionais da área, em Ponta Grossa, avaliam propostas dos candidatos à presidência, Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL)

 

 

O segundo turno das eleições acontece neste domingo (28), em todo o país e nas zonas eleitorais de 99 países. Tendo em vista os movimentos encampados por artistas, por todo o Brasil, em defesa da democracia e da cultura, bem como as críticas recebidas por eles, o Portal Periódico buscou identificar a avaliação de conselheiros e profissionais da área, que atuam em Ponta Grossa, acerca das propostas de campanha dos presidenciáveis. O maior temor é que haja um retrocesso nas políticas públicas.

 

Desde que Michel Temer assumiu a presidência do Brasil, em 2016, e extinguiu o Ministério da Cultura que, na ocasião, foi fundido ao Ministério da Educação e transformado em secretaria, acentua o perigo de a área, que já sobrevivia com recursos escassos, ser colocada em segundo plano no eixo das políticas públicas federais. O presidente reestabeleceu o Ministério da Cultura em 23 de maio de 2016, 11 dias após a extinção do mesmo.

 

A ameaça de ataque ao setor ainda ronda, no entanto, o país embora Temer tenha revisto a medida após a onda de protestos com a ocupação, em vários estados da federação, de unidades do MinC, da Fundação Nacional das Artes (Funarte) e do Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

 

A insatisfação da classe artística se manifestou, novamente, quando Michel Temer concretizou medidas que afetam os direitos sociais, como a PEC Teto dos Gastos, que congelou por 20 anos os investimentos em saúde e em educação, e a reforma trabalhista.

 

No primeiro semestre de 2018, a discussão acerca da extinção do Ministério da Cultura voltou ao debate nacional quando o deputado Jair Bolsonaro, antes mesmo de ter oficializada, em julho deste ano, a candidatura pelo PSL, anunciou a proposta de acabar com o Ministério da Cultura, transformando-o em secretaria, caso se torne o presidente do Brasil.Em vídeo divulgado pelo Portal Poder 360, Bolsonaro afirma à imprensa: “Vamos acabar com o Ministério da Cultura. Ela vai ser uma secretaria do Ministério da Educação”.

 

 

Entidades e profissionais do setor de cultura rejeitam posturas autoritárias

Em entrevista à equipe de reportagem do Portal Periódico, o conselheiro estadual e municipal de Cultura Hélcio Kovaleski avalia o tratamento da cultura nas propostas de governo dos presidenciáveis. “Há só um candidato que leva em consideração a arte, a cultura e as políticas culturais”, alerta. A análise das propostas dos presidenciáveis permite identificar que o candidato, a que se refere o conselheiro, é Fernando Haddad (PT).

Hélcio passou a integrar, em 2009, pela primeira vez, o Conselho Municipal de Política Cultural de Ponta Grossa. Autor do livro “Festival Crítico: Uma Década Escrevendo Sobre o Fenata“, Kovaleski, que é jornalista, roteirista, crítico e dramaturgo, acredita que existe um risco de se perder a cultura como Secretaria - tal como propõe Jair Bolsonaro - e essa é uma das preocupações que aparecem no Conselho Estadual de Cultura.“Os efeitos de nível nacional também se dão em nível estadual”, avalia. E é por isso que o conselheiro defende a importância de um posicionamento dos agentes culturais “principalmente no sentido de reafirmar um compromisso com as políticas culturais”.

 

 

O Conselho Municipal de Política Cultural de Ponta Grossa se manifestou, em nota, nesta semana, em “defesa da democracia” e “da manutenção e ampliação de espaços autônomos deliberativos e de formulação de políticas culturais e efetivamente públicas”. O documento, assinado por apenas sete conselheiros, alerta para a “onda crescente de ataques presentes em discursos de campanha eleitoral”.A nota repudia ainda os “incentivos à violência e aos atos de censura, anúncios de eventual fechamento do Congresso Nacional e elogios à torturadores”. Para os signatários do documento, isso se configura como “marcas nefastas do período ditatorial brasileiro e que devem ser repudiadas em nome do Estado Democrático de Direito”.

 

A Sociedade Afro-Brasileira Cacique Pena Branca, que atua em defesa da cultura negra, também pretende divulgar carta contra o candidato Jair Bolsonaro. O integrante da entidade, Vinicius Raphael da Silva, destaca o posicionamento do grupo: “repudiamos a abordagem do candidato Jair Bolsonaro que, além de não mencionar nenhum aspecto em relação à cultura no seu plano de governo, ainda reforça as diferenças sociais, raciais, sexuais e ideológicas”.

 

 

Outro grupo da cidade que se manifestou é a Cru Colab, coletivo de mulheres que produzem eventos da música independente. O coletivo é um dos 12 grupos e selos da música independente de seis estados do país que assinam o Manifesto “Selos a favor da Democracia”.A carta destaca se tratar “de um momento histórico crucial pro Brasil e no que tange às nossas profissões, pro futuro da produção e circulação de cultura. Dois projetos são apresentados pra escolha nas urnas do próximo domingo (28 de outubro). Um deles descreve ações e incentivo a práticas antidemocráticas, contra o qual devemos imperativamente nos posicionar”. O manifesto se posiciona em defesa dos valores democráticos que seriam considerados essenciais à produção e à circulação da cultura.

 

Quem não viveu o último período da ditadura, iniciada nos anos 1960, também teme o retrocesso. Letícia Carvalho Silva, vocalista da banda formada por mulheres, A Vera, revela seu medo da situação política atual. “Pra minha sorte, não experienciei o que foi a ditadura vivida em nosso país, mas nunca me senti com tanto medo como me sinto agora. Seria impossível não sentir os impactos e isso não ser refletido na cena atual”, confessa.

 

 

Há quem confie na arte como um instrumento de combate do retrocesso político. Zek Ramos, do coletivo Diálogos Culturais e produtor cultural na cidade defende a arte como uma ferramenta conta o fascismo. “A Arte é uma das respostas possíveis contra o fascismo por ser um fomento de práticas cidadãs, da construção e respeito às diversidades e da liberdade de expressão”, explica o também ator.Instituições culturais da cidade, como a Fundação Municipal de Cultura e o Sesc, não manifestaram publicamente um posicionamento.

 

A cultura nos planos de governo dos presidenciáveis

O candidato Jair Bolsonaro (PSL) não cita cultura no seu plano de governo. A palavra cultura aparece apenas uma vez, no item “O novo Itamaraty”, que se refere à política das relações exteriores: “Países, que buscaram se aproximar mas foram preteridos por razões ideológicas, têm muito a oferecer ao Brasil, em termos de comércio, ciência, tecnologia, inovação, educação e cultura”.

 

No entanto, o termo “cultural” aparece duas vezes. No slide “A nossa bandeira é verde-amarela” aparece a afirmação: “Nos últimos 30 anos o marxismo cultural e suas derivações como o gramscismo, se uniu às oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira”.Outra menção ao termo cultural aparece no slide “O Brasil é maior”: “O Brasil passará por uma rápida transformação cultural, onde a impunidade, a corrupção, o crime, a “vantagem”, a esperteza, deixarão de ser aceitos como parte de nossa identidade nacional, pois não mais encontrarão guarida no governo”.

 

Já no plano de Haddad, cerca de uma página e meia é dedicada especificamente ao assunto cultura, no item “Cultura para garantir a democracia, a liberdade e a diversidade”. Haddad apresenta propostas como reforma de equipamentos culturais e a transformação de escolas públicas em polos de cultura. Além disso, propõe retomada de projetos já existentes e diálogo com artistas.O termo cultura aparece em outros itens do plano de governo de Haddad e, portanto, relacionando-se a outras áreas contempladas, como esporte, desenvolvimento, turismo, ecologia e amazônia. O Portal Periódico divulgou também a reportagem “Polarização das eleições aparece nas propostas e discursos de presidenciáveis” em que avalia os principais pontos dos programa de governo dos presidenciáveis que disputam o segundo turno.