Confira a reportagem de Jéssica  Gradin e Fernanda Wolf

 

Cerca de 68% da população ponta-grossense vai as urnas nesta eleição. Confira a reportagem de Camila Zanardini e Marina Santos Daum

 

.  

“Meu nome é Marilys, tenho 56 anos. Sou a primeira travesti a retificar o nome social no título de eleitor em nossa cidade, Ponta Grossa, no Paraná. É lei pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que nos dá o direito de sermos chamadas pelo nome social feminino para exercer a nossa cidadania enquanto travestis, respeitando a nossa identidade de gênero, num momento importante para o nosso país, que é a eleição, elegendo nossos candidatos para presidente, governador, deputados e senadores.”

 

 

Foto: Enaira Schoemberger

A declaração estava escrita em um papel que Marilys segurava, entre as mãos, quando foi entrevistada pela equipe de reportagem do Portal Periódico. Para ela, esse assunto é de grande importância e, por isso, a travesti teve o cuidado de “falar bonito”, como ela mesma disse quando me viu. Preferindo não usar o sobrenome, para preservar a família, Marilys orgulha-se do novo título obtido aos 56 anos. Se considerado que a expectativa de vida da população trans no Brasil gira em torno dos 35 anos, a conquista assegura não somente a possibilidade, tardia, do exercício da cidadania, mas aponta para a necessidade de políticas públicas voltadas à comunidade LGBTQ+.

 


A auto-identificação pelo nome social foi reconhecida pelo TSE, em março deste ano, a partir da resolução 23.562/2018. Desde então, a decisão da identificação com o nome social não cabe mais a um juiz, como acontecia anteriormente a partir de solicitação feita com a abertura de processo judicial, mas ao eleitor que passa a ter o direito de ser reconhecido como ele deseja. O nome social, além de indicado no título de eleitor, também constará no caderno de votação das seções, utilizado pelos mesários no dia da eleição.

 


A trajetória de Marilys até a retificação do nome, assim como na maioria dos casos da comunidade travesti e trans, foi longa. “Eu sou travesti desde os 11 anos de idade, mas me assumi faz uns 5 anos”, relata apontando as dificuldades sociais enfrentadas - como conseguir um trabalho - até ter garantida, em documentos, a identidade trans feminina.


E embora já usasse peças discretas do vestuário feminino enquanto trabalhou como motorista e no comércio, ainda com a identidade de gênero masculino, tinha medo de se assumir e enfrentar o preconceito. “Eu me vestia como masculino, mas eu não me sentia bem. Roupa debaixo eu usava feminina e a roupa de cima masculina. Eu olhava as mulheres, mas eu me sentia totalmente diferente. Eu queria ser o que uma mulher vestia”, relata enfatizando que um dos empecilhos foi enfrentar o preconceito familiar.

 


A retificação do nome social, no título de eleitor, aconteceu no último dia 03 de maio. Com o documento nas mãos, ela demonstra a satisfação de poder votar, pela primeira vez, como mulher trans. Sair de uma invisibilidade social se revela não somente na materialidade do documento, mas na possibilidade de ser tratada, no espaço público, no gênero feminino. “Eles me chamaram o tempo todo pelo nome social, pelo nome feminino, que é como eu gosto de ser chamada”, relata acerca do atendimento durante o processo de retificação do título no Cartório Eleitoral de Ponta Grossa.
Marilys ainda se ressente de ter passado mais de cinco décadas de vida de autoprivação do direito de assumir a identidade trans, por medo do preconceito. Apesar disso, ao longo da entrevista, parece amenizar o peso dos vários episódios de violência sofridos junto a familiares, vizinhos e até com desconhecidos. Por vezes, chega a demonstrar resignação frente à intolerância social. “Só fui ameaçada de morte duas vezes”, diz.

 


A fila de espera para a votação no dia 07 de outubro é aguardada com ansiedade pela travesti que acredita ser, finalmente, um momento em que não será mais submetida ao embaraço de ser tratada como um eleitor, sendo chamada por um nome masculino, enquanto se veste, e se sente, como uma mulher trans. “Para nós, é muito importante votar já retificado no título, pra não ter o constrangimento na hora da fila. Estar vestida de mulher e não ter o constrangimento na hora de chamarem. E é muito importante pra nós votarmos, pra ver se mudamos esse país.”
E a mudança não é apenas social, mas também subjetiva. Esta foi a segunda vez que entrevistei Marilys. Na primeira, a travesti se referiu a ela mesma, ao longo de quase toda a entrevista, usando o gênero masculino. Em nosso último encontro, ainda que a fala deslizasse, por vezes, para a identidade masculina, ela já se apresentou como eleitora.

 

Marilys é a primeira das 21 pessoas a conseguir a retificação do nome social no título de eleitor em Ponta Grossa, segundo o Tribunal Regional Eleitoral (TRE)

 


Representatividade trans na política

 


Outro avanço para a comunidade LGBTQ+, nas eleições de 2018, acontece com o número de candidaturas de pessoas trans para os cargos legislativos. Segundo o site da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) foram contabilizadas 53 candidaturas, entre elas, uma para o Senado Federal, duas ao cargo de deputado distrital pelo Distrito Federal (DF), 17 candidaturas ao cargo de deputado federal e 33 candidaturas ao cargo de deputado estadual.

 


No Paraná, temos duas candidatas a deputada estadual: Jéssica Camargo (PT) e Gisele Schimidt (PSB). Para deputada federal, o Estado apresenta apenas uma candidata: Renata Borges (PSB).

 

ONG Renascer

 


Fundada no dia 20 de setembro de 2000, a ONG Renascer atua na garantia de direitos para a comunidade em geral através do Serviço de Convivência e de Fortalecimento de Vínculos, que atende a população em geral.

 


A Renascer desenvolve mais especificamente um trabalho de apoio à comunidade LGBTQ+. Com sede localizada no bairro da Nova Rússia, o grupo acolheu Marilys e a auxiliou na garantia dos próprios direitos como travesti. “Eu tenho o maior carinho pela ONG Renascer, pois eles me resgataram e me deram dignidade. Me mostraram como era o certo pra ser quem eu sou”, relata sorrindo.

 


O Renascer encaminhou Marilys para a retificação do nome social. “Primeiro, eu passei pela ONG, que me deu toda a orientação para retificar o nome. Então, eu segui o procedimento que eles me orientaram”, explica.

 


Responsável pela orientação judicial das pessoas acolhidas pela ONG, a advogada Beatriz Martins Ciriaco de Francisco ajudou no passo a passo da retificação do nome social da primeira trans de Ponta Grossa.

 


A menor burocracia no processo de retificação, destaca a advogada, facilitou na garantia dos direitos básicos da população LGBTQ+. “Hoje, não é mais necessária a passagem burocrática pelo judiciário. A retificação do nome social pode ser feita diretamente no cartório eleitoral”, explica.


A advogada afirma que a retificação do nome social “é importante para não haver constrangimentos na hora da fila do voto e para a pessoa trans sentir-se pertencente e respeitada no espaço público”.

 

 


A entrevista com Marilys foi realizada junto com Matheus Rolim, aluno do 2º ano. O repórter já realizou uma matéria sobre a retificação do nome social em documentos para a edição 204 do jornal Foca Livre, disponível no link: https://periodico.sites.uepg.br/index.php/foca-livre/1126-foca-livre-2

Sem cadastramento biométrico 258 mil eleitores no Paraná não poderão votar no próximo domingo dia 7.

 

 

I

Dados do TSE apontam que o Paraná nunca atingiu o mínimo de 30% previsto na Lei das Eleições e ainda falta equilíbrio de gênero na política brasileira

 

Na tentativa de promover maior participação das mulheres no cenário político brasileiro, as regras do processo eleitoral inclui a obrigatoriedade de que 30% das candidaturas devem ser ocupadas por mulheres. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que o eleitorado feminino é maioria (52%), mas as determinações que buscam maior representação das mulheres, as decisões não garantiram, nas duas últimas eleições, o equilíbrio de gênero na ocupação dos cargos políticos.

 

 

A exigência do percentual de 30% é determinada pela Lei 9.504 de 1997 (Lei das Eleições) que teve a redação modificada pela Lei 12.034 de 2009. Com a alteração, o parágrafo terceiro do artigo 10 passou a determinar que os partidos e coligações devem atender “o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.

 

 

A novidade para as eleições deste ano é que o TSE mudou as condições do uso do fundo eleitoral previsto. Agora, as mulheres também precisam representar ao menos 30% da destinação de verbas do fundo eleitoral. A Resolução 23.568 de 2018 do TSE determinou as formas de gestão e de distribuição desse recurso, que definido em um montante de R$1,7 bilhão, corresponde à maior parcela de valores para utilização nas campanhas eleitorais. Além disso, 30% do total desse valor e do tempo de propaganda são destinados às candidatas mulheres.

 

 

img 1

 

 

As recentes mudanças não implicaram, no entanto, em aumento dos registros de candidaturas femininas. Em comparação com as eleições de 2014, dados do TSE informam que, em 2018, no Brasil, há 8,3 mil mulheres concorrendo a cargos, o que significa 30,64% do total. Já em 2014, eram 8,1 mil mulheres, o equivalente a 31,1% das candidaturas.

 

 

Enquanto nacionalmente, o índice de candidaturas tenha ficado pouco acima da exigência mínima, no Paraná, o percentual mínimo nunca foi atingido, ficando pouco abaixo dos 30%. De 2006 a 2018, variou de 15,3% a 29,2%.

 

 

img 2

 

 

A professora de Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Marlene Tamanini, indica aspectos que contribuem para a pouca participação feminina na política. Para a socióloga, é muito mais difícil para as mulheres entrar no mundo político. “A política é entendida como de homens. Mulheres trabalhadoras não fazem parte dessa classe. E quando essas mulheres tentam se introduzir nos espaços em que os homens discutem política, elas acabam não sendo aceitas”, avalia.

 

 

Tamanini comenta, no entanto, que a “lei de cotas” é importante e que, sem ela, o egresso das mulheres em cargos políticos poderia ser menor. “É uma porta para obrigar os partidos a pensar essas questões, mas não resolve”, critica. Marlene frisa que, no entanto, a sensação é de que a política não seria um lugar adequado para as mulheres. “Tratam como se a política fosse algo sujo, algo que não é certo, que não serve para mulher”, analisa.

 

 

Os desvios no cumprimento da legislação pelos partidos e coligações dificultam ainda mais a representação feminina na vida política. De acordo com a professora da UFPR, as próprias organizações partidárias acabam recrutando mulheres apenas para preencher os 30% previstos por lei e não apostam nessas candidatas como fortes competidoras em processos eleitorais, pelo lado financeiro, de classe ou mesmo preconceito de gênero.

 

 

Nas eleições de 2018, foram registradas, no Paraná, 765 candidaturas para deputado estadual. O número de mulheres que concorrem a esse cargo é 224, o que corresponde a 29,2% do total. Para deputado federal foram registrados 450 candidatos, sendo 130 mulheres, o que representa 28,8%.

 

 

Atualmente, apenas três mulheres compõem a lista dos 54 representantes eleitos em 2014 para a Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep), o que corresponde a 5,5% do total. Na Câmara Federal, são duas mulheres do total de 30 deputados federais do Paraná, ou seja, 6,6%.

O contexto de Ponta Grossa

 

Em Ponta Grossa, dos 14 candidatos que disputam vaga para deputado estadual, seis deles são mulheres (42,8%). O número de candidaturas femininas para este cargo é maior do que o percentual do Paraná (29%). No entanto, na disputa para vaga na Câmara Federal a porcentagem de mulheres candidatas é de 18%, menor do que a média estadual e abaixo do mínimo estabelecido pela legislação. Tamanini fala que a desigualdade está em todo lugar, que é uma questão estrutural. “Um espaço político só com homens é uma volta no tempo horrível”, destaca Tamanini lembrando das escolhas que o presidente Michel Temer fez, no início de seu governo, com totalidade de homens nos Ministérios.

 

 

Em Ponta Grossa, dos 14 candidatos que disputam vaga para deputado estadual, seis deles são mulheres (42,8%). O número de candidaturas femininas para este cargo é maior do que o percentual do Paraná (29%). No entanto, na disputa para vaga na Câmara Federal a porcentagem de mulheres candidatas é de 18%, menor do que a média estadual e abaixo do mínimo estabelecido pela legislação. Tamanini fala que a desigualdade está em todo lugar, que é uma questão estrutural. “Um espaço político só com homens é uma volta no tempo horrível”, destaca Tamanini lembrando das escolhas que o presidente Michel Temer fez, no início de seu governo, com totalidade de homens nos Ministérios.