“A prostituta é um manual vivo da forma antihigiênica”, cita Mariana Schulmeister. A recém-formada em Licenciatura em História, discute em sua monografia, as representações de prostitutas. No recorte que deu continuidade a apresentação dos trabalhos no GT “Discursos e representações de gênero”, a pesquisadora abordou as perspectivas apresentadas nos Annaes Brasilienses de Medicina de 1868-1875. Com base em suas análises, Mariana aponta que a imagem da mulher bela, recatada e do lar, que existia para servir seu marido, era suja pela existência imoral da prostituta. Mariana concluiu a apresentação, intitulada "Focos da libertinagem e da perversão: a representação da prostituta no Annaes Brasilienses de Medicina (1868-1875)", ressaltando que “as discussões de gênero tem caráter de urgência”.

Colquio Amelinha 2017
Foto: Saori Horonato

Na manhã desta quinta-feira, 9, último dia do 5º Colóquio Mulher e Sociedade, Maria Amélia de Almeida Teles foi a convidada especial para a palestra “Gênero, direitos humanos e movimentos sociais”. Maria Amélia foi militante durante a ditadura, participante do PCdoB e presa política ao lado da família – período em que sofreu com a tortura dos militares. Em duas horas de conversa, a convidada abordou diferentes temáticas do universo feminino, a luta em favor da democracia e o surgimento do movimento feminista no país.

Feminismo e Movimentos Feministas
Teles relatou que, em diferentes momentos históricos, os movimentos e partidos de esquerda não apoiaram o feminismo. Tinha-se a ideia de que as mulheres buscavam retirar a atenção da luta operária, e que apenas esta última deveria receber o cuidado dos militantes da época. O tópico “mulher” em si era censurado e a participação delas era ignorada ou simplesmente apagada, aponta Amélia. Os espaços de discussão sobre os direitos das mulheres também eram restritos: nem a esquerda nem a direita davam vazão para o assunto. A escritora, então, descreve o feminismo antes da década de 70 como sendo “privado e clandestino”. “As feministas são rejeitas pelo movimento de esquerda”, ela afirma.

Outra limitação da esquerda na visão de Teles é falta de auto-crítica, que ficou evidente na votação do impeachment de Dilma Rouseff e na homenagem feita pelo deputado Jair Bolsonaro, a Carlos Alberto Brilhante Ustra, que torturou a ex-presidente. “A tortura é o limite, a fronteira. Mas ninguém parou aquilo, ninguém reagiu”, pontua Amelinha, como se tornou conhecida entre os militantes.

Escritoras Feministas
    Maria Amélia comentou que durante suas militâncias acompanhou o surgimento do movimento feminista no Brasil: “a gente não sabia nada de nossa história, só sentia necessidade de compartilhar experiências”. Ainda nessa fase, a escritora envolveu-se com o primeiro jornal totalmente voltado à mulheres e suas lutas, numa nova linhagem da imprensa alternativa, o Brasil Mulher. Sobre o jornal, Maria afirmou que foi censurado pois “não podíamos nem pensar, quem dirá pulicar o que pensávamos”.

Ao comentar sobre as mulheres na imprensa e na literatura, Teles afirma que havia pioneiras que faziam publicações e as vendiam escondido, como por exemplo Cassandra Rios, que foi escritora de contos lésbicos eróticos. Segundo ela, Cassandra vendia muitos exemplares pela curiosidade das pessoas, por ser algo que não estava à vista – assim, nos anos 60 e 70 a autora chegou a vender mais de 1 milhão de cópias, superando Jorge Amado. Contudo, Cassandra não tinha tanta visibilidade pois “mulher que pensa não podia aparecer”.

Autora do livro “Da guerrilha à imprensa feminista”, escrito em parceria com a também militante e ex-presa política, Rosalina Santa Cruz Leite, a convidada usou do espaço para lançar a obra que trabalha sobre a luta pelos direitos das mulheres durante o regime militar.

Tortura e Comissão da Verdade
Teles, que foi presa política, fez um panorama sobre suas experiências ao ser torturada e sobre seu depoimento para a Comissão da Verdade, pois foi presa juntamente com sua família e irmã grávida. Em relação aos estupros, Maria Amélia desabafa que foi silenciada até mesmo por colegas de esquerda pois eles diziam que “é melhor você não denunciar para eles não acharem que a culpa é sua”. Para ela é difícil falar sobre as torturas que viveu e que presenciou mas sabe que é uma necessidade pois “um povo que não tem memória, que não tem história é um povo despolitizado”.

Violência contra a mulher
Ao lembrar das violências sofridas, Maria Amélia afirma que “o Estado e a sociedade dão permissão para violentar mulheres e culpabilizar a vítima”. Para ela, a violência não se configura só como a agressão física: existem outras formas mais sutis de se apresentar, como a opressão política, simbólica, psicológica e verbal.

Embora Maria Amélia valorize a geração de jovens que têm levantado a bandeira do feminismo, ela aponta que as relações de agressor e agredido ainda são ensinadas, assim como o padrão de homem forte e dominador e da mulher receptiva e submissa. “A violência contra a mulher ocorre porque somos mulheres: estamos sempre ameaçadas, e nunca se sabe quem será o próximo alvo”, argumenta. Maria Amélia ainda aponta que o Brasil é um país de feminícidios e que apoia uma cultura de silêncio e não-denúncia. De acordo com o 9º Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 47.646 estupros foram registrados em 2016 – uma redução de 6,7% em relação a 2013. O órgão estima que apenas 35% dos crimes sexuais são notificados. Os dados foram questionados na palestra. Para Amelinha as denúncias de estupro representam menos de 10% do número real de casos, o que significa uma estimativa de meio milhão de mulheres vítimas de estupro no pais por ano.
  

Coloquio 07 03 2017
Foto: Gabriel Miguel

“Se os homens são parte do problema, eles devem ser parte da solução”, explica a Assistente Social do Patronato Municipal de Pitanga/Paraná, Marcela de Fátima Kloster, em apresentação no Grupo de Trabalho no 5º Colóquio Mulher e Sociedade. Marcela afirma que o machismo é a principal causa cultural de os homens sentirem-se superiores às mulheres, bem como recusar posições de igualdade e cometer crimes de violência contra a mulher. Buscando uma maior razão crítica sobre discussões de gênero e integrando infratores da Lei Maria da Penha, Marcela criou o projeto BASTA, que faz parte do artigo 35/45 da Lei Maria da Penha, e prevê uma “justiça restauradora”. Marcela Kloster defende em seu trabalho sobre violência doméstica que “é preciso falar de gênero e preciso incluir os homens nesta fala”.

Foto: Gabriel Miguel

Bela, recatada e do lar. Esse era o manual de como uma mulher “de bem” deveria se comportar, segundo a seção “Todas querem ser bonitas”, da revista Gran-fina, que circulou em Curitiba na década de 1940. O tema foi retratado pela jornalista Jasmine Horst, formada pela Unicentro e mestranda em Letras foi apresentado no Grupo de Trabalho (GT) do 5° Colóquio Mulher e Sociedade. Horst explica o papel da mídia na construção de funções de gênero, como é o caso da Gran-fina que exaltava em suas páginas as atividades domésticas e maternas e repreendendo o trabalho fora de casa. Assim, segundo a palestrante, fomentaria  na criação de mulheres com esses ideais.

Foto: Matheus Pileggi

O segundo dia de palestras do 5º Colóquio Mulher e Sociedade recebeu Maria Amélia de Almeida Teles, diretora da União de Mulheres de São Paulo e integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Durante a palestra na manhã de hoje (9), a convidada, que também é ex-militante do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), defendeu e relatou a experiência que viveu nos movimentos feministas e na  transição da Ditadura Militar para a democracia. Maria Amélia ainda lançou o livro “Da guerrilha à imprensa feminista”, que escreveu com a também ex-militante Rosalina Santa Cruz.

A convidada defende que o “feminismo não é divisionismo, porque as mulheres fazem parte da humanidade”. Maria Amélia afirma que o Movimento Feminista, no Brasil, surgiu em 1975, e que havia veículos jornalísticos feministas alternativos, que serviam para propagar as ideais do movimento.

Amelinha Colquio 09 03 2017
Maria Amélia discursa no 5° Colóquio Mulher e Sociedade. Foto: Matheus Pileggi.

Para a autora, durante a ditadura o assunto mulher era muito censurado, e atualmente a representação feminina continua sendo ignorada, o que reflete nos acontecimentos políticos que marcam o cenário brasileiro. Maria Amélia afirma que, “no golpe, todo machismo e toda sociedade patriarcal aparecem sem camuflagem”, reprimindo os movimentos feministas.

A convidada fez uma crítica à esquerda política, que nem sempre apoiou o Movimento Feminista e que “na universidade não se podia discutir o feminismo”. Maria Amélia falou sobre sua experiência como militante durante o regime, relatando a violência política, verbal, psicológica e física que sofreu. Torturada durante a ditadura, a autora relata que “tortura é uma ferida que sangra para sempre” e que o principal erro da esquerda “foi passar da ditadura para o período de transição sem punir os torturadores”. Sobre a Comissão da Verdade – instaurada para investigar (ano) crimes da ditadura –  a integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos afirma que “mesmo que comissão tenha feito algo, não foi suficiente” para resolver os problemas causados pelo (regime). Maria Amélia contou que as mulheres torturadas na ditadura demoraram 40 anos para efetivar uma denúncia.

Se você não perdeu a palestra, ouça boletim em áudio realizado pela aluna Ana Luisa Vaghetti, com os destaques do dia:

 

Durante palestra na segunda manhã de Colóquio Mulher e Sociedade, equipe do Portal Periódico coleta opinião do público. Foto: Marina Santos

Na manhã do segundo dia de palestras do 5° Colóquio Mulher e Sociedade, durante a palestra de Maria Amélia de Almeida Teles, a equipe de Portal Periódico realizou uma enquete com diferentes alunas sobre a temática do evento, "Gênero, direitos humanos e lutas sociais".

Entrevistada pela equipe, a estudante de Serviço Social, Isabella Antoniacomi, 19 anos, afirmou a importância de discutir o assunto. “É importante discutir esse assunto na UEPG, porque ainda existem mulheres que sofrem com o preconceito tanto na universidade quanto na sociedade e também de trazer a escritora Maria Amélia Teles que foi militante do feminismo e que trouxe bastante conhecimento'”.

Isabella Antoniacomi, estudante de Serviço Social, é entrevistada pela equipe - Foto: Marina Santos

Outro relato é da estudante de Serviço Social, Bárbara Carvalho, 19 anos, relatou que  apesar  do tradicionalismo da universidade, neste ano os alunos puderam contar com a discussão envolvendo o feminismo e a ditadura, através da palestra de Maria Amélia de Almeida Teles. Em outra entrevista, Amanda Ferreira que também cursa Serviço Social ressalta que o assunto é atual e de extrema importância na sociedade.

Barbara Carvalho diz que a palestra possibilita unir a discussão sobre feminismo e Ditradura Militar - Foto: Marina Santos

Para a estudante de jornalismo Arieta Almeida, 18 anos, a forma como a feminista está sendo abordado nas palestras, é de extrema importância pelo fato de exitir pessoas que desconhecem o assunto, assim como aconteceu com a aluna de jornalismo Luiza Sampaio Nogueira, 18 anos, que não sabia muito sobre feminismo e ditadura militar mas passou a compreender e se interessar pelo tema depois da palestra.

 

Foto: Saori Honorato

Segundo dados da Central de Atendimento à Mulher da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República, seis em cada dez brasileiros conhecem alguma mulher que foi vítima de violência. Em Ponta Grossa, até agosto de 2016, 1.228 boletins de ocorrência haviam sido registrados na Delegacia da Mulher. A discussão sobre a violência de gênero foi um dos destaques do segundo dia do 5º Colóquio Mulher e Sociedade (9).

Pela manhã, o evento recebeu a participação de três grupos de estudo focados na discussão de gênero e violência. A Frente Feminista Malalas, o Núcleo de Combate à Violência contra a Mulher, e a Associação da Maternidade Ativa e Segura (AMAS) apresentaram ao público seus projetos e atividades realizadas no espaço acadêmico, abordando os assuntos de gênero ligados à universidade.
 
O relato da aluna de Direito Kesya Ruttes, do Núcleo de Combate à Violência contra a Mulher, iniciou o painel. O Núcleo, auxiliado pelos departamentos de Jornalismo e Serviço Social, desenvolve atividades de ajuda a mulheres carentes em situação de risco, assim como presta esclarecimentos às alunas que sofreram assédio dentro da UEPG.

As alunas de Letras Tabata Fernandes e Clara do Prado, representantes da Frente Feminista Malalas, também abordaram a questão do assédio dentro da universidade. “A universidade é uma extensão da sociedade e, por isso, muitas dessas expressões do patriarcado acabam sendo reproduzidas no meio acadêmico”, aponta Fernandes. O coletivo também critica a pouca representatividade das mulheres, os abusos negligenciados e a falta de apoio para as mães. Para promover a conscientização, as ativistas sugerem a realização de eventos, como a exibição de filmes protagonizados por minorias, como mulheres homossexuais.

A estudante de Serviço Social Helena Gasperine problematiza a realidade da violência obstétrica. “É um tema com pouca visibilidade, por estar envolto por questões culturais sociais próprias de uma cultura machista”, aponta a estudante. Ela cita a cesariana como exemplo dessa cultura no meio médico. A acadêmica ainda comenta que a universidade é um bom espaço para explorar essas questões e evitar que essa situação se naturalize.

Para mais dados sobre violência contra a mulher em Ponta Grossa, confira a edição de número 188 do Foca Livre no link