Os livros perdidos da Biblioteca Municipal

Cerca de 20 mil livros do acervo da Biblioteca Municipal foram condenados ao descarte em 2013; hoje, 4 anos depois, não se sabe onde estão estes livros.

A Biblioteca Pública Municipal Professor Bruno Enei, fundada em 1940, ocupou diversos espaços na cidade de Ponta Grossa até se estabelecer na sede atual. A improvisação em salas da prefeitura municipal, a mudança para o espaço da Mansão da Vila Hilda e as diversas salas e prédios alugados fizeram com que os livros viajassem por 11 lugares, no total. No ano de 2004, a biblioteca passou a se localizar no icônico prédio da Estação Ferroviária São Paulo–Rio Grande, mais conhecida como Estação Saudade.

A estação foi construída entre 1899 e 1900 e abrigava um dos maiores postos de carga e transporte de passageiros do estado do Paraná, sendo considerada uma estação de primeira classe. Em 1990, o prédio foi tombado como Patrimônio Cultural do Paraná, o que possibilitou a preservação da arquitetura neoclássica original do prédio até os dias de hoje.

Mesmo com o imóvel tombado e a arquitetura conservada, o interior da Estação Saudade demonstra sinais de desgaste devido ao tempo e à falta de manutenção do local. Os descuidos com a então sede da Biblioteca Municipal não afetaram somente a estrutura da propriedade. O acervo de livros foi danificado devido a infiltrações nas paredes e à umidade do local, o que ocasionou a perda de 20 mil livros pela contaminação de dois tipos de fungos, considerados prejudiciais à saúde.

A atual chefe de patrimônio cultural da Fundação de Cultura, Carolyne Abilhôa, reconhece que a biblioteca estava alojada em um espaço precário para o armazenamento de livros. “Não era segredo para ninguém que a Estação Saudade não era um bom lugar para isso. Lá tinha fungos até nas paredes”, afirma.

Quando a situação foi averiguada por funcionários da biblioteca, em 2013, os estragos já eram irreversíveis e seria inviável manter os livros com aquelas condições para empréstimo aos usuários. “Quando o fungo permanece durante muito tempo na superfície do papel, ele vai deteriorando o papel e depois disso não tem conserto”, afirma a chefe da divisão de preservação da Biblioteca Pública do Paraná, Bety de Luna.

Dos 35 mil livros do acervo da biblioteca, mais da metade foi prejudicada pelos danos na estrutura da sede. Segundo a coordenadora da Biblioteca Pública Municipal, Gisele França, os funcionários da biblioteca perceberam o estado dos livros apenas quando eles estavam sendo transferidos para a nova sede, no Complexo Cultural Jovanni Pedro Masini. Na época, o concurso público para que houvesse técnicos responsáveis pelo acervo dentro da biblioteca ainda não havia sido realizado.

Houve tentativas de limpeza e higienização dos livros que estavam danificados, entretanto, os produtos não surtiam efeito algum nos livros, o que indicava que a contaminação era mais severa do que se imaginava. “Após o ocorrido, abriu-se uma sindicância por parte da Prefeitura de Ponta Grossa para averiguar quais foram os fatores que levaram ao estrago irreversível dos livros”, explica Gisele.

Quinze mil livros do acervo original conseguiram ser recuperados após o processo de restauração. Algumas obras raras, que não estão mais em circulação ou livros de alto valor, foram descontaminadas, higienizadas e transportadas até a sede da nova biblioteca.

Em 2013, após o início da sindicância presidida por Abilhôa, 17 pessoas foram ouvidas sobre os problemas estruturais da Estação Saudade e a situação dos livros afetados. Para descobrir a origem dos problemas que estavam prejudicando os livros foi realizado um laudo técnico, com o auxílio do curso de Biologia da Universidade Estadual de Ponta Grossa e da Biblioteca Pública do Paraná. Ao final da investigação foram constatados dois tipos de fungos nos livros: Rhodotorula spp e Fusarium spp.

De acordo com o especialista em fungos e professor do Departamento de Microbiologia da UEPG, Marcos Pileggi, estas espécies “são ambos fungos oportunistas, muito comuns e que, dependendo da quantidade de esporos e do estado imunológico das pessoas, podem causar doenças”. Se manuseados sem os devidos aparatos de segurança, estes fungos podem ocasionar doenças no coração, viroses, erupções na pele, meningite e, em casos severos, levar à morte.

Com o resultado do laudo técnico e laboratorial, os integrantes da sindicância concluíram que o acervo contaminado pelos fungos deveria ser descartado, sem possibilidade de disponibilização pública dos livros. Entretanto, após quatro anos, a sindicância ainda não está concluída. Carolyne Abilhôa explica que, caso a sindicância opte pelo descarte, ela deverá pedir a colaboração de um engenheiro da prefeitura para estimar o peso total dos livros e o valor de mercado para venda.

Se o valor desse montante for igual ou inferior a 50 vales refeição, o volume total poderá ser doado a uma entidade assistencial qualquer do município. Caso o valor seja superior a 50 vales refeição, a doação deverá ser autorizada por lei específica, ou o volume descartado poderá ser vendido mediante leilão com reversão dos recursos para a Fundação de Cultura. Na época que a sindicância foi redigida, em 2013, o valor equivalia a R$3 mil, mas os critérios de avaliação do custo dos livros só podem ser analisados após a finalização da sindicância.

Contudo, de acordo com o laudo realizado por De Luna, os livros não têm condições de serem doados. “Eu fui muito clara no meu laudo. O tipo de fungo era muito comprometedor para que os livros continuassem a ser utilizados”, explica a especialista.

Quando questionada a respeito da doação das obras, Abilhôa afirma que as opções atuais serão determinadas após o término da sindicância. “A princípio, nós temos estas duas opções [de doação ou venda], mas a gente sabe que pode ser que isso não ocorra e eles devam ser realmente incinerados, justamente porque nós vamos transportar o problema de uma instituição para outra”, afirma Carolyne.

 

Em busca dos livros contaminados

A redação do Periódico tentou rastrear o que ocorreu com os livros desde que foram retirados da Estação Saudade, em 2013. Logo que o problema foi detectado, a Fundação Municipal de Cultura transportou os livros para o antigo barracão do Instituto Brasileiro do Café, no Cará-Cará.

Além dos livros, o local também armazenava móveis destinados à reciclagem e alimentos, o que fez com que o acervo infectado fosse transportado para a Antiga Casa da Dança, sob os cuidados da Fundação Municipal de Turismo (FumTur).

A atendente da FumTur, Angela Barszcz, alegou não saber de quais livros se tratavam. Já, o funcionário Luis Cláudio Moutinho, em um primeiro momento, afirmou que eles se encontravam sim no local, em um cômodo das masmorras da casa. Depois, disse que os livros haviam saído de lá e sido transportados para o antigo barracão da IBC. Contudo, o barracão foi destruído após um incêndio em 2016.

A Fundação Municipal de Cultura afirma não saber de nenhuma movimentação no acervo e, ainda, que ele não deveria ser transportado para outro local sem notificação prévia aos responsáveis pela sindicância.

O mapa a seguir mostra todos os locais informados pelos quais os livros contaminados já passaram. No entanto, a localização atual continua um mistério, uma vez que as entidades responsáveis não souberam informar onde eles se encontram. As linhas cheias representam para onde os livros realmente foram transportados e a linha tracejada, é para onde eles deveriam ter ido, caso não houvesse a contaminação.

 

Casos semelhantes

Ponta Grossa não é o único lugar que teve parte do acervo público ameaçado ao descarte. Também no ano de 2013, a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, teve cerca 18 mil livros com o mesmo problema de contaminação por fungos.

Em 2002, a biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro teve de ser interditada devido aos fungos que infestaram parte do acervo.

No entanto, ambas as bibliotecas conseguiram reverter o quadro e não precisaram descartar os livros infectados. Casos de descarte e incineração divulgados já ocorreram por causa de doações que excediam o limite do acervo de cada biblioteca, como no caso da Biblioteca Municipal de Caruaru, em Pernambuco, no ano de 2014.

 

Revitalização da Estação Saudade

No ano de 2016, a Câmara Municipal de Ponta Grossa aprovou uma lei para que ocorresse a revitalização do prédio da Estação Saudade, antiga sede da Biblioteca Municipal Professor Bruno Enei. A legislação previa a autorização de um convênio com o Serviço Social do Comércio (SESC) e com a administração da Federação do Comércio do Paraná (Fecomércio-PR) para realizar melhorias no local e devolver a Ponta Grossa um dos seus pontos turísticos de maior relevância.

Fotos: João Guilherme

Confira os destaques do mês de maio

 

A equipe do Periódico acompanhou diversos assuntos do mês de maio. Confira abaixo um resumo com os principais acontecimentos do mês em Ponta Grossa e no Brasil:

Evento de Integração e Resistência e outros destaques da semana

O Portal Periódico acompanhou as palestras da XII Semana de Integração da Resistência, iniciada na segunda-feira (15), com a participação dos fotógrafos Laysa Santiago e Marco Favero, em uma conversa sobre fotografia. Laysa Santiago relatou sua experiência com fotografia e contou sobre o projeto “Casa das Borboletas”, o qual coordena. Laysa Santiago busca retratar a vida de mulheres através desse trabalho.

Foto: Lente QuenteFoto: Lente Quente


O fotojornalista Marco Favero destacou a cobertura do desastre da Chapecoense em 2016 relatando as principais impressões. Na período da tarde, Marco ministrou uma oficina sobre fotografia.

Foto: Alexandre DouvanFoto Alexandre Douvan

Na terça-feira, as discussões foram sobre direitos humanos e ocupações secundaristas, com a jornalista Luiza Sansão e a estudante Ana Júlia Ribeiro. Luiza Sansão é jornalista do portal Ponte Jornalismo, onde faz a cobertura sobre direitos humanos, justiça e segurança pública. Luiza destacou a experiência jornalística no caso de Rafael Braga, catador de latas preso nas manifestações de 2013.

 

Foto: Lente Quente

 

Ana Júlia Ribeiro é secundarista e participou das ocupações dos colégios estaduais do Paraná no ano passado. Estudante, que ganhou notoriedade nacional ao participar de uma das sessões da Alep (Assembleia Legislativa do Paraná). Ana Júlia Ribeiro relatou as experências que viveu durante as ocupações.

 

Foto: Lente Quente 

Na tarde de terça-feira, o professor de História Felipe Soares ministrou uma oficina com o tema: “O futebol como prática cultural e política”. A dinâmica tratou do futebol para além da espetacularização.

Foto: Alexandre Douvan
 

As ocupações dos colégios estaduais em Ponta Grossa foram destaque no evento de quarta-feira, com os estudantes Ana Paula Meira e Guilherme Portela, ocupantes do Colégio Estadual Instituto Educação Prof César Prieto Martinez. 

 

Foto: arquivo

 

Na quinta-feira, o evento ocorreu no mini auditório de Letras. A discussão foi sobre a situação da política nacional, após denúncias de corrupção envolvendo o presidente Michel Temer.

 

Foto: Angelo Rocha

 

O quarto dia da Semana da Resistência também teve um painel temático do jornalista Ilton Porto que discutiu um aplicativo que funciona como um manual de gênero, produto que contribuiu para criação. O Portal Periódico realizou ainda a cobertura integrada #PresidênciaEmCrise, sobre a repercussão da reportagem do ‘O Globo’, que apresentou denúncia contra o presidente Michel Temer. O Periódico trouxe o posicionamento de entidades e políticos sobre a possibilidade de ‘Diretas Já’, alémda produção de mais duas reportagens sobre o tema. Confira:

Imprensa internacional aborda situação política do Brasil
'Diretas Já' é possível através de emenda constitucional

 

Foto: arquivo

 

A equipe de reportagem acompanhou o pronunciamento oficial do Presidente Michel Temer, no qual afirmou não renunciar.

No último dia da Semana de Integração da Resistência o debate foi sobre jornalismo alternativo com os jornalistas Ednubia Ghisi e Matheus Pismel. Ednubia é jornalista do jornal Brasil de Fato, em Curitiba, e relatou sua experiência com a mídia alternativa.

Foto: Júlio Prado

O jornalista Matheus Pismel é mestrando em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e um dos fundadores do coletivo ‘Maruim’, em Florianopólis. O coletivo Maruim é uma organização jornalística que debate temas como meio ambiente, mobilidade, segurança pública e ocupação do espaço urbano.

Foto: arquivo

Na sexta-feira (19) o Portal Periódico divulgou entrevista exclusiva com o historiador e deputado federal Chico Alencar com apontamentos sobre a conjuntura nacional. A equipe de reportagem cobriu a visita de Chico Alencar ao pré-assentamento do MST em Itaicoca e acompanhou o painel temático “As reformas neoliberais e o futuro da democracia no Brasil", durante a noite da sexta-feira (15).

Foto Saori Honorato

Chico Alencar visita pré-assentamento do MST em Itaiacoca

Chico Alencar conhece pela primeira vez pré-assentamento Emiliano Zapata e conversa com os integrantes do MST sobre a situação política do país. Foto: Ana Luisa Vaghetti. 

 

O historiador e deputado federal Chico Alencar visitou o pré-assentamento Emiliano Zapata assim que chegou na região de Ponta Grossa, na sexta-feira (20), para conversa de uma hora com os integrantes do Movimento Sem Terra (MST). O objetivo da visita foi entender a situação do assentamento e explicar para os moradores o cenário político brasileiro, após as denúncias envolvendo o presidente Michel Temer.

"O Planalto é simbolizado por uma cuaia de cabeça para cima, o que significa que aquele é um lugar de ouvir os clamores da sociedade, é a Casa do Povo. Infelizmente eles ouvem o povo que tem dinheiro, os JBS da vida, os Odebrecht e outros", ressaltou Alencar. O deputado ainda contou sobre a situação difícil, em que o golpe acontece no dia a dia com a perda de direitos do povo, como a Previdência Social e leis trabalhistas.

Chico Alencar afirma que é totalmente a favor da reforma agrária e da luta do povo. "A história não para, o momento é complicado, mas é a resistência popular que nos ajuda pensar em dias melhores, para não perder a esperança que se contrói lutando", explica o historiador. O deputado não fez previsões sobre o futuro da política e defende que a marca desse tempo é a incerteza e imprevisibilidade. 

 

Acompanhe a fala de Chico Alencar sobre o cenário político do país:

 

 

Como alternativa da conjuntura política atual, Chico Alencar ressaltou que o povo pode ajudar através da luta e pressão popular. "É hora do grito na rua", afirmou o deputado. Em conversa com o Portal Periódico, Chico Alencar levantou algumas considerações sobre a importância da juventude e do jornalismo neste cenário nacional.

 

Chico Alencar: A juventude interessada, inclusive na luta da indução de despolitização ao desencanto tem um papel muito importante a desempenhar. Quem trabalha na área do jornalismo mais ainda, porque a informação no Brasil é mais deformação, tem sempre os donos de comunicação que veiculam e reportam a realidade de acordo com os seus interesses econômicos, então o papel de quem está estudando jornalismo é muito esse de democratizar a informação, porque só com informação horizontal e espalhada a gente vai transitando do senso comum, para o bom senso e depois para o fundamental que é o senso crítico. Então a juventude tem um papel muito importante a cumprir, sempre teve, em qualquer sociedade, mas no Brasil do desencanto, do descredito, da anomia, da confusão, dos cenários trocados, das cartas embaralhadas, uma juventude mais esclarecida, lúcida, que se organiza e luta, tem um papel decisivo. Eu quando vejo nas ruas e nas redes fico muito feliz, vocês me representam.

"É hora de lutar e ir às ruas", afirma Chico Alencar

Em visita à cidade de Ponta Grossa/PR para uma conversa sobre "As reformas neoliberais e o futuro da democracia no Brasil", o historiador e deputado federal Chico Alencar, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) conversou com a reportagem do Periódico.

Atualmente em seu quarto mandato consecutivo, Chico Alencar é membro da Comissão dos Direitos Humanos, do Conselho da Ética da Câmara dos Deputados e da Comissão da Constituição, Justiça e Cidadania. Desde de 2006, está incluído na lista dos 100 parlamentares mais influentes do Congresso.

 

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Confira na íntegra e entrevista realizada pela repórter Ana Luísa Vaghetti:

 

Portal Periódico: Enquanto historiador, como o senhor enxerga a conjuntura política atual? É possível comparar esse momento com algum outro da história?
Chico Alencar: É aquela velha afirmação de Marx que “a história não se repete, a não ser por tragédia ou farsa”. O momento político atual é muito parecido com outros, tem aspectos de semelhança, mas a própria encruzilhada do processo de desenvolvimento capitalista do Brasil, nessa segunda década do século 20 é muito singular, são questões novíssimas na nossa história econômica. O esgotamento da nova república, com suas promessas de democratização radical de garantia os direitos sociais, se expressa agora na degradação política, no derretimento partidário e na afirmação dos neo-liberais que acreditam que direitos sociais não cabem no orçamento. É uma situação muito nova. Enfim, acho que estamos vivendo uma crise identitária, de sentido, civilizatória e com características agudas da crise econômica e política do país.

 

Portal Periódico: Como está funcionando o processo da Comissão da Constituição, Justiça e Cidadania no pedido da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para eleições diretas?

Chico Alencar: Nós já conseguimos a garantia do presidente da comissão, deputado federal Rodrigo Pacheco (PMDB/MG), pautar na quinta-feira a proposta da emenda, com o pedido de “diretas sempre”. Como não deu quórum na discussão de quinta-feira passada, onde apenas 19 dos 34 deputados necessários compareceram, o presidente da comissão se comprometeu em colocar em pauta novamente na próxima terça-feira, mesmo sabendo que a base do governo vai tentar retirar. Será uma grande batalha. Ao nosso ver, é impensável o Brasil de hoje fazer eleições indiretas, onde os eleitores serão 513 deputados e os 81 senadores, em um momento de crise de credibilidade que o congresso enfrenta. Caso o direcionamento seja para eleições indiretas, nós do PSOL não votaremos em ninguém, nem se a madre Teresa de Calcutá ressuscitasse e fosse candidata.


Portal Periódico: De que forma as eleições indiretas afetariam a conjuntura nacional?
Chico Alencar: O perigo está na continuidade da junta governativa atual, mesmo que eleito um novo maquinista, uma vez que o mercado, a elite econômica, querem continuar atacando as poucas conquistas que o povo teve na legislação trabalhista, nos direitos sociais previdenciários, nos direitos dos povos indígenas e quilombolas, a afirmação da juventude pobre negra, avanços das conquistas das mulheres e LGBTs. Esse governo é de assalto aos direitos tão duramente conquistados e pouco consolidados. Mesmo que mude o nome do dirigente, uma eleição indireta com esse congresso atual consagraria mais do mesmo, e seria complemento desse programa de destruição dos direitos sociais.


Portal Periódico: Como a Comissão da Constituição, Justiça e Cidadania pode contribuir para o exercício da democracia?
Chico Alencar: Em primeiro lugar, fazendo um bom debate, mesmo sendo minoria aparente no congresso. Depois da delação da JBS a nossa força depende das manifestações de rua, do querer da população, da confirmação do desgaste do governo Temer. Sem uma ampla conscientização de massa, nós da comissão pouco podemos fazer.

 

Portal Periódico: O senhor acredita na renúncia do presidente Michel Temer?
Chico Alencar: Hoje em dia qualquer previsão se torna arriscada, a conjuntura está muito dinâmica e a única certeza é que está tudo incerto pela nossa frente. Nessa semana saiu o relatório final horroroso e criminoso da Funai [CPI da Funai e do Incra na Câmara, que aprovou o texto-base do relatório que sugere o indiciamento de mais de 70 pessoas] e estávamos com a sensação de derrota. Na quarta-feira (17), quando surge as bombas das delações, quem passa a sofrer é o próprio Temer e seu governo. Tudo mudou de um dia para outro. Acho que sempre temos que apostar na esperança que se constrói que pode mudar a conjuntura atual, melhorando a favor do povo, da população e dos trabalhadores.


Portal Periódico: Sobre os possíveis candidatos à presidência em 2018, qual é o grande perigo em relação às lutas do partido PSOL, qual candidato representa um grande ataque?
Chico Alencar: Os ataques já estão acontecendo fortemente. É o aprofundamento desse programa neoliberal, autoritário, com elementos do estado de exceção. Eu entendo que o cenário ainda está muito indefinido. Eu diria que nem mesmo o nicho da extrema direita, que não tem o mínimo de memória histórica, que são aqueles que aparecem em pesquisa de intenção de voto e manifestam preferência pelo Jair Bolsonaro [deputado federal] sabem. Nem mesmo a candidatura dele está assegurada, ninguém sabe quem vai sobreviver. Existe uma Lava Jato [operação da Polícia Federal] no meio do caminho, que afeta todas as forças políticas hegemônicas. Antes de nomes, o partido tem que apresentar uma plataforma mínima para debates com outras forças sociais e partidárias. Eu acho que a nossa tarefa agora é pensar em cinco ou dez pontos principais para abrir um debate na sociedade brasileira, não só sobre a divisão do Brasil e a sua crise, como também caminhos para sua superação.


Portal Periódico: Quem a esquerda deve temer mais, o Jair Bolsonaro (PSC) ou o próprio João Dória (PSDB)?
Chico Alencar: O Bolsonaro eu tenho a impressão que ele tem um teto. É muito difícil imaginar que alguém com as posições dele, pela sua formação política precária, mesmo que deputado de muitos mandatos, consiga dirigir um país, nem na perspectiva da burguesia da direita mais raivosa. O Dória [atual prefeito de São Paulo] vem do show business, criado como alguém da burguesia, do patronato. Ele não tem uma história produtiva, ele prosperou como homem de televisão. O governo dele em São Paulo ainda é muito recente, certamente não é se vestindo de gari e pintando o muro que vai ser considerado um bom gestor como ele se vende. Mas é óbvio que ele pode ser uma alternativa para as forças conservadoras, já que os quadros tradicionais estão sendo queimados. Eu diria que qualquer um é péssimo para os interesses populares.


Porta Periódico: O senhor pretende se candidatar pelo PSOL como presidente?
Chico Alencar: Tem um samba chamado “Plataforma” [interpretado por Elis Regina] que diz, “não sou candidato a nada, meu negócio é batucada, mas meu coração não se conforma, o meu peito é do contra e por isso mete bronca nesse samba plataforma”. Eu insisto nisso, acho que o PSOL tem a obrigação de fugir do lugar comum dos partidos tradicionais, que personaliza os processos sem ter o mínimo de estrutura e proposta. Eu achei a decisão do último Diretório Nacional correta, no sentido de trabalhar em torno de alguns pontos centrais, de contestação do sistema, do modelo econômico, oferecendo alternativas concretas, viáveis e de mudança radical nas estruturas desse país, para depois culminar isso em quem pode melhor encarnar essas propostas.
No cenário de eleições de 2018, que eu continuo achando que é o mais provável, embora agora com essas denúncias contra o Temer, a perspectiva de eleições esse ano e mesmo de diretas já venha ganhar um certo alento. É verdade que eu considero meu papel como deputado federal importante dentro do PSOL, mas eu considero que já cumpri meu papel, minha missão, já estou no quarto mandato, a quem avalie também que saindo para o senado teria chances reais, evidentemente tem chances, porque as máquinas tradicionais do Rio estão todas destroçadas. O PMDB com Sergio Cabral na cadeia, o Pezão [governador do Rio de Janeiro] nesse estado de falência, então pode se abrir uma perspectiva para o PSOL numa eleição majoritária para o senado, mas também não desconsidero assumir essa tarefa nacional. Tem que discutir, inclusive as condições mínimas que o partido terá nessa missão. Eu estou discutindo. É preciso debater, desde os grupos mais próximos, como familiares e amigos, até com o meu próprio gabinete. Estamos em uma fase de consultas, mas não estamos com as portas fechadas.


Portal Periódico: Visto que o senhor já passou por esses quatro mandatos, como define sua trajetória?
Chico Alencar: O parlamento é muito limitado. Parlamento burguês mais ainda. Você fica muito condicionado a uma atuação que é sempre restrita, dentro daquele formalismo, chamado “cretinismo parlamentar” e isso desgasta e cansa um pouco. O fato também de você viver, ter relações, inclusive políticas, em um Estado e precisar se deslocar toda semana para Brasília, o lugar da política, dá uma sensação de esquizofrenia. Eu já apresentei mais de 150 projetos de lei ligados a educação, meio ambiente, saúde, tudo nessa perspectiva de políticas públicas, já travamos muitos combates contra a degradação política, corrupção, já fui do Conselho de Ética, eu acho que fica o conjunto da obra. Apresentar o projeto é uma coisa, tê-lo aprovado é outra, existe uma distância muito grande. Fazer lei não é uma grande missão, é lutar para que a população se organize e conquiste outra sociedade, isso você faz no parlamento ou fora dele. Claro que a presença na institucionalidade tem um peso, mas também fico tranquilo porque eu vejo que lá no meu estado, no Rio de Janeiro, tem uma nova geração que vai manter a chama de desafinar o couro dos contentes com o neoliberalismo dentro do parlamento. Em geral, em condição minoritária, a gente até brinca lá. Normalmente na Câmara a gente luta como sempre e perde como sempre também.