Embora legislação tente combater o avanço das notícias falsas, o foco  principal da Justiça Eleitoral está nas propagandas eleitorais

 

 

A criação das notícias falsas - as chamadas fake news -  tem afetado as eleições e preocupa a opinião pública. O problema, que se intensificou com o avanço tecnológico, provocou recente mudança na legislação brasileira, a fim de evitar os danos já verificados em diversos países. A  Lei 13.488 de 6 de outubro de 2017, que regula a propaganda eleitoral, trouxe alterações para a Lei  9.504 de 30 de setembro de 1997, conhecida como a Lei das Eleições.

 

 

De acordo com o advogado e especialista em Direito e Processo eleitoral Roberto Ribas Tavarnaro, a mudança visou ao combate a perfis falsos, a robôs que distorcem conteúdo e também ao impulsionamento de campanhas que promovam mentiras ou possam ferir a imagem de candidatos. “A Lei 13.488, que trata de propaganda eleitoral, tem um capítulo próprio sobre internet e deriva da Lei das Eleições [Lei nº 9.504], que sofreu uma modificação no ano passado”, destaca.

 

 

O advogado também aponta como foram decididas as novas regras e como elas funcionam na prática das eleições. “[A Lei 13.488] trata especificamente desse assunto e envolve não só os candidatos e apoiadores, mas também os provedores que tenham o acesso aos cadastros dessas redes sociais, que são os provedores de conteúdo”, ressalta Tavarnaro. Segundo o advogado, foram feitas reuniões, antes de serem elaboradas as novas regras, com representantes de empresas responsáveis por  redes sociais a fim de se definir o procedimento a ser adotado durante o período eleitoral.

 

 

O advogado em Direito Eleitoral e professor do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (Cescage), Juliano Jaronski, cita como A Justiça Eleitoral aborda o caso das fake news. “O simples fato de você divulgar informações falsas não é bem o foco da Justiça Eleitoral”, destaca Jaronski que participou de congresso sobre Direito Eleitoral, onde o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luiz Fux, relatou que o ponto central são as fake news na propaganda eleitoral. “Luiz Fux disse que o foco da Justiça Eleitoral não são apenas as notícias falsas, mas são, principalmente, as notícias falsas em propagandas com a intenção de denegrir outros candidatos”, acrescenta.

 

 

O procedimento realizado pela Justiça Eleitoral para combater as fake news é a identificação do usuário. Roberto Ribas Tavarnaro comenta que, a partir daí, se dá início ao processo de retirada das informações falsas. “Existe um procedimento próprio. Inicialmente, a Justiça determina que o provedor apresente dados acerca do usuário. Se não for possível identificar esse usuário, ele será considerado anônimo e, só pelo anonimato, já é irregular a propaganda eleitoral”, descreve.

 

 

Assista a reportagem sobre fake news divulgada pelo Correspondente Local

 

 

Tavarnaro acrescenta que, caso o usuário seja identificado, a propaganda será retirada do ar, mas apenas nos casos em que for comprovada a evidente falsidade da informação. “Se o usuário for identificado, ele não é anônimo. A propaganda só vai ser coibida se ela for ofensiva à honra do candidato ou se for manifestamente inverídica. Ou seja, tem que ser uma mentira muito evidente para que ela seja removida das redes sociais. Se não for assim, cabe ao candidato, durante a sua propaganda, desmentir o que foi falado, o que já é uma regra bem antiga”, conclui.

 

 

O jornalismo e as fake news

As fake news não são um fenômeno recente. No entanto, a popularização de espaços de divulgação de  informação, por meio da Internet, vem contribuindo para a circulação das notícias falsas. “Isso já acontece há muito tempo, mas agora, com a massificação das redes sociais, a possibilidade de difusão dessas informações é muito maior”, avalia o advogado Roberto Ribas Tavarnaro.

 

 

Durante as eleições, em diversos países, já se verificam, há alguns anos, os impactos negativos dessas informações. Tavarnaro explica que, no Brasil, a criação de mecanismos para barrar essa prática, que veio com a Lei 13.488 de 2017, foi influenciada, sobretudo, pelos episódios ocorridos durante a última a eleição presidencial americana.

 

 

Em 2016, durante a eleição presidencial dos EUA, disputada entre Donald Trump, vencedor do pleito, e Hillary Clinton, aconteceu em grande massa uma propagação de fake news pró-Trump. O estudo “Selective Exposure to Misinformation: Evidence from the consumption of fake news during the 2016 U.S. presidential campaign”, realizado por Andrew Guess, Jason Reifler, Brendan Nyhan e publicado em janeiro de 2018, analisa a influência das fake news durante as eleições presidenciais. A pesquisa demonstra que a proporção da amostra de americanos, que visitou pelo menos um site de notícias falsas pró-Trump, foi de 65% dos eleitores mais conservadores.

 

Fake news apresenta aumento com a popularização dos meios de divulgação de informação por meio da Internet. Foto: Verônica Scheifer

A jornalista e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Andressa Kikuti Dancosky, explica que a expansão da tecnologia foi fundamental para a disseminação das fake news. “Isso é potencializado, enormemente, pela melhoria da estrutura da internet. Agora, muitas pessoas têm acesso por causa dos dispositivos móveis que baratearam”, descreve a doutoranda que também destaca a popularização das redes sociais como causa para o avanço do fenômeno.

 

 

A jornalista freelancer e colaboradora do site Boatos.org, Kyene Becker da Silva, aponta as características das fake news na Internet. “As características de boatos são, por exemplo, o texto vago, que apenas lança a notícia e não diz quando aconteceu”, descreve Silva que destaca o caráter alarmista da notícia falsa. “Usa palavras como atenção, preste atenção, você não vai ver isso na Globo, a Globo quer esconder”, observa.

 

 

Os divulgadores das fake news se aproveitam, como ressalta a jornalista, dos mecanismos de divulgação de informações das redes sociais. “Geralmente esse tipo de texto de boato vem acompanhado de palavras como compartilhe e repasse, sempre buscando atingir mais pessoas”, afirma sem deixar de ressaltar o fato de que, na maioria das vezes, eles apresentam erros de português.

 

 

Kyene, que também é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ressalta a importância da pesquisa acadêmica sobre as fake news a fim de que se investiguem os motivos que levam as pessoas a acreditarem nas notícias falsas. “Quando você começa a estudar esse tema, você conhece quem está por trás, quais são os objetivos, qual o motivo de fazer uma notícia falsa, de que forma isso funciona”, argumenta.